Acórdão nº 197/13 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelCons. José Cunha Barbosa
Data da Resolução09 de Abril de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 197/2013

Processo n.º 602/12

  1. Secção

Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. A., S.A., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, da decisão do tribunal arbitral tributário, de 31 de julho de 2012, pretendendo ver apreciada a “inconstitucionalidade da norma do artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, maxime com a interpretação que foi aplicada na decisão recorrida, na medida em que esta implica a tributação em sede de derrama mesmo nos casos em que não exista matéria coletável para efeitos de IRC, designadamente por existirem prejuízos fiscais de exercícios anteriores ainda não totalmente deduzidos ao lucro tributário do ano em causa”.

    2. Notificada do indeferimento da reclamação graciosa interposta contra a liquidação de IRC e de Derrama n.º 20112910072719, requereu a (ora) recorrente a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), do artigo 102.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

      Instado a pronunciar-se sobre a questão, o tribunal arbitral concluiria que “a não consideração dos prejuízos fiscais de exercícios anteriores na base de cálculo da derrama municipal não viola os princípios da capacidade contributiva, igualdade tributária e tributação pelo lucro real”. Inconformado com a decisão, o recorrente requereu ainda a respetiva aclaração, nos termos do artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, alínea e), do RJAT, pedido esse indeferido pelo tribunal arbitral em despacho com data de 20 de setembro de 2012. Seguiu-se, finalmente, o recurso de constitucionalidade cujo mérito agora se aprecia.

    3. Notificada para alegar nos termos do artigo 79.º, da LTC, a recorrente apresentou as seguintes conclusões:

      (...)

      I. O Douto Tribunal Arbitral interpretou de forma inconstitucional o artigo 14.º, n.º 1, da NLFL, ao considerar que, na medida em que o texto da lei estatui que a derrama incide sobre o lucro tributável e não sobre a matéria coletável (como defendeu e defende a Recorrente), há lugar à liquidação deste imposto mesmo quando, em virtude da existência de prejuízos fiscais reportáveis de exercícios anteriores, não haja manifestação de capacidade contributiva / rendimento para efeitos de tributação em sede de IRC.

      II. A dedução de prejuízos fiscais de exercícios anteriores visa neutralizar os efeitos perniciosos da periodização do lucro tributável na tributação das empresas e é imposta pelos princípios da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da igualdade, estabelecidos nos artigos 103.º, 104.º, n.º 2, e 13.º da CRP.

      III. Tais princípios constitucionais impõem que a tributação do rendimento real das empresas tenha em consideração os prejuízos de exercícios anteriores, tanto no caso do IRC como no caso da derrama – a qual é igualmente um imposto sobre o rendimento (necessariamente real) das empresas.

      IV. O princípio da capacidade contributiva é caracterizado consensualmente pela doutrina e pela jurisprudência deste Douto Tribunal como um princípio estruturante do sistema fiscal que exprime e concretiza o princípio da igualdade tributária e que tem assento implícito na “Constituição Fiscal”, por força da conjugação dos artigos 103.° e 104.° da CRP.

      V. Sendo que o imposto só deve começar onde comece a força económica do seu sujeito passivo, a dedutibilidade de prejuízos fiscais impõe-se ao legislador ordinário e, bem assim, à Administração Fiscal, porque a sua inadmissibilidade implicaria que a tributação das empresas incidisse não sobre o rendimento das empresas mas apenas sobre as manifestações positivas periódicas do mesmo.

      VI. A impossibilidade de dedução do prejuízo de exercícios anteriores ao lucro tributável fere, no que à tributação do rendimento concerne, não só aqueles princípios mas igualmente a própria noção de lucro enquanto base de incidência do imposto.

      VII. Ademais, constitui um desvio à incidência do imposto – constitucionalmente determinada – sobre o rendimento real e efetivo das empresas a favor de uma tributação incidente sobre meras manifestações periódicas e isoladas de saldos patrimoniais positivos.

      VIII. A tributação das empresas pelo lucro real é, pois, alcançada com a necessária consideração dos lucros e prejuízos numa perspetiva de médio prazo e não numa perspetiva míope que não alcança mais do que um exercício fiscal.

      IX. A derrama municipal é um imposto, tributo unilateral, assente no princípio da capacidade contributiva, e não um tributo comutativo, assente no da equivalência ou benefício.

      X. Mesmo que o benefício tivesse algum relevo em sede de derrama municipal, que não tem, o lucro anual não seria um indício da medida da vantagem que as empresas auferem das utilidades públicas locais, uma vez que esta, a existir, é tomada independentemente do facto de as empresas apresentarem lucro ou prejuízo e independentemente da forma como o seu rendimento real é distribuído pelos vários exercícios.

      XI. A dedução de prejuízos, que permite preservar a incidência do IRC dos efeitos perniciosos da especialização dos exercícios, é constitucionalmente imposta para a determinação da matéria coletável da derrama.

      XII. O Tribunal Arbitral considerou que, sendo a derrama um imposto autónomo, distinto do IRC, não lhe é aplicável o princípio da solidariedade de exercícios, o qual é, na perspetiva da ora Recorrente, decorrência do princípio da capacidade contributiva.

      XIII. O princípio da capacidade contributiva é um princípio material, de quilate superior, que prevalece sobre a regra formal da especialização de exercícios.

      XIV. A solidariedade de exercícios, de que deriva o reporte de prejuízos, é uma manifestação do princípio da capacidade contributiva, pois só poderá ser verdadeiramente apurada através de mecanismos que atenuem os efeitos da periodização do lucro tributável.

      XV. O respeito, nos termos enunciados, pelo princípio da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real não fere o princípio constitucional da autonomia do poder local previsto no artigo 238.º da CRP.

      XVI. Pois ao estabelecer que a derrama incide sobre a matéria coletável, e não a sobre a coleta do IRC, permite ainda aos Municípios definir a sua receita fiscal de forma independente das opções tributárias do Estado (nomeadamente, as relativas à determinação das diferentes taxas do IRC).

      XVII. A douta sentença arbitral considerou – erradamente, na perspetiva da ora Recorrente – que não ocorreu qualquer violação do princípio da igualdade tributária – decorrência do artigo 13.º da CRP – com base numa interpretação lógico-formal do mesmo.

      XVIII. Decidiu igualmente – de forma errada na perspetiva da ora Recorrente...

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