Acórdão nº 409/20.3BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelLURDES TOSCANO
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO A.... , com os demais sinais nos autos, veio, em conformidade o artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a qual julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares («IRS») n.º ….203, referente ao exercício de 2017, no valor total de € 136.803,66.

O Recorrente termina as alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «Princípios da igualdade e da capacidade contributiva 169.

A douta sentença violou os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, plasmados nos artigos 13º e 104º nº 2 da C.R.P.

  1. O artigo 104º nº 2 da C.R.P., que prevê a tributação segundo o rendimento real das empresas, é aplicável, por analogia, às pessoas singulares.

  2. Por outro lado, o princípio da capacidade contributiva encontra igualmente afloramento no artigo 4º nº 1 da L.G.T.

  3. O entendimento jurisprudencial e doutrinário deste princípio constitucional impõe que no que tange à tributação das mais-valias apenas sejam tributadas as que efetivamente foram realizadas, isto é, relativamente às quais houve uma efetiva contraprestação, a qual poderá traduzir-se num benefício ou utilidade concreta.

  4. Ao endossar o entendimento do acórdão do Tribunal Constitucional 100/2022, admitindo que a tributação possa incidir sobre mais-valias não realizadas, a sentença recorrida está a descaraterizar o conceito de ganho previsto no artigo 10º nº 3 do C.I.R.S., alargando o seu âmbito a créditos não cobrados ou mesmo incobráveis.

  5. É errado o entendimento jurisprudencial endossado pela sentença recorrida quando, sob a justificação da igualdade, se admite a tributação de “ganhos” e não ganhos, ou de ganhos latentes ou potenciais, por ser contrária à conceção de rendimento-acréscimo adotada pelo modelo constitucional e infraconstitucional de tributação.

  6. Trata-se de situações materialmente desiguais as quais deverão ter um tratamento desigual.

  7. A interpretação correta do artigo 10º nº 3 do C.I.R.S., em consonância com o princípio da igualdade tributária, na vertente da capacidade contributiva, que decorre do artigo 104º da C.R.P. e é densificado no artigo 4º nº 1 da L.G.T., é a de que o momento da tributação só poderá ser o da colocação à disposição do valor ou utilidade da contraprestação.

  8. E a mens legislatoris só poderá ter sido neste sentido interpretativo porquanto as alíneas a), b) e c) do artigo 10º nº 3 do C.I.R.S. consagram desvios à regra geral segundo a qual o momento da tributação deve coincidir com o negócio formal no qual é estipulado o preço.

  9. Ora, estes três desvios à regra geral, que é a fixação do momento da tributação em simultâneo com o ato alienatório, demonstram que o legislador teve em vista acautelar situações nas quais o incremente patrimonial não se verifica logo no imediato, ou seja, com a celebração do negócio que lhe deu causa.

  10. Esse momento é diferido para data posterior quando se considere que a fruição ou o benefício obtido pelo negócio já tiveram efeitos na esfera patrimonial do sujeito passivo de imposto; noutras palavras, quando o ganho se tornou efetivo e não apenas quando existe um ganho potencial ou hipotético, o qual em última análise, até poderá não se verificar e, por tal razão, a expetativa negocial inicial acabar por se frustrar.

  11. A tributação deverá, portanto, ser adequada ao esforço económico do contribuinte, incidindo sobre manifestações de riqueza efetivas e não meramente potenciais, latentes ou rendimentos que não foram efetivamente percebidos sob pena de obliteração do princípio da capacidade contributiva, enquanto vertente do princípio da igualdade tributária, na sua vertente vertical.

  12. Por outro lado, a presunção de ganho contida no artigo 10º nº 3 do C.I.R.S. é ilidível, desse modo obviando ao surgimento de situações de injustiça tributária decorrentes da tributação de rendimentos que ainda não foram nem se sabe se alguma vez serão colocados à disposição do sujeito passivo ou mesmo se algum benefício para a sua esfera patrimonial terá advindo do negócio que deu origem ao facto tributário.

  13. Aliás, o entendimento sufragado pela decisão e acórdão citados, na dimensão interpretativa indicada, levar-nos-ia à alarmante conclusão da admissão de presunções inilidíveis em Direito Fiscal, hipótese já recusada pela jurisprudência constitucional (Acórdão TC 211/2017 de 2-05-2017).

  14. Foram, portanto, violados os artigos 10º nº 3 do C.I.R.S. quando interpretados na dimensão normativa acima referida e ainda o artigo 44º nº 4 – a) do C.I.R.S., o qual dispõe que para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS se considera como valor da realização o valor da respetiva contraprestação.

  15. Ora, a atribuição ou constatação contabilística da existência de um direito de crédito por parte do credor da contraprestação, sem qualquer garantia ou concretização em utilidade ou benefício ou, eventualmente, valorização do ativo tangível ou intangível, é tudo menos uma contraprestação.

  16. Aliás, o efeito pratico de tal entendimento é a recriação do arquétipo tributário das mais-valias, desta vez pela via jurisprudencial, quando, em boa verdade, a conceção de tributação das mais-valias adotada pelo legislador infraconstitucional tem os elementos suficientes para se entender que a realização da mais-valia só ocorre com a contraprestação efetiva.

  17. S.d.r., o entendimento jurisprudencial endossado pela sentença recorrida representa uma entorse na aplicação da legislação tributária nesta matéria e um fator de desigualdade gritante em matéria de tributação ao assimilar como elegíveis para tributação ganhos latentes, hipotéticos ou potenciais desde que se consiga encontrar uma rúbrica do ativo para os incluir.

  18. Mais: a jurisprudência citada pela sentença recorrida eleva ao nível da consideração entre as diversas opções legislativas em matéria de tributação a necessidade de angariação de receita coevas ao Estado Social, relegando todas as exigências reclamadas pela igualdade e pela capacidade contributiva e, no caso desta última, nem sequer lhe reconhecendo consagração no artigo 104º da C.R.P.

    A tributação pelo valor da soma das desistências com o da confissão de dívida 188.

    A tributação da cessão da quota social pelo valor da soma das desistências no âmbito da ação executiva com o da confissão de dívida implicaria que tivesse ocorrido uma anulação ou mutação dos negócios celebrados que foram objeto do procedimento inspetivo.

  19. Mesmo existindo um nexo temporal e até negocial entre as desistências processuais acima referidas, ainda assim inexiste fundamento legal para a tributação dessa desistência porque se trata um negócio distinto da cessão de quota.

  20. Note-se que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra apenas tinha poder jurisdicional quanto ao pedido da ação de insolvência requerida da sociedade J...; não tinha poderes jurisdicionais relativamente à declaração de nulidade ou caraterização dos negócios referidos nesse processo.

  21. Portanto, para haver uma integração de dois negócios que resultam de equações financeiras distintas num único negócio teria que haver um fundamento legal, melhor dizendo, uma decisão judicial nesse sentido.

  22. Não constando dos pedidos da ação de insolvência essa mutação dos vínculos contratuais, não tem a Autoridade Tributária fundamento para tributar negócios que ainda se mantêm inatacáveis e diferenciados porquanto não houve declaração judicial válida que os anulasse, reduzisse ou reformasse.

  23. Convenhamos, portanto, que o tão apregoado princípio da legalidade tributária decorrente do artigo 266º nº 2 da C.R.P. e do artigo 8º nº 1 e 2 – alínea a) da LGT, foi desconsiderado na tributação da cessão de quota.

  24. Teria que ter existido uma declaração judicial da mutação dos negócios incluídos nas referidas equações financeiras, com prévia possibilidade de contraditório, para então a Autoridade Tributária ter fundamento legal para a tributação da cessão de quota por valor diferente daquele que consta do contrato de cessão.

  25. Não existindo tal declaração, a tributação da desistência da execução e dos embargos viola o acima referido princípio da legalidade tributária previsto nos normativos legais supra referidos.

  26. Tal como se disse, os poderes jurisdicionais do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra cingiam-se apenas à declaração de insolvência; daí que a comunicação feita à Direcção-Geral de Finanças fosse apenas “para os fins considerados convenientes”.

    Violação do princípio da autonomia jurídica das pessoas coletivas 197.

    A sentença recorrida erra, violando o princípio da autonomia jurídica e, consequentemente, patrimonial das pessoas coletivas consagrado no artigo 5º do Código das Sociedades Comerciais, quando pretende imputar ao Impugnante a totalidade da (eventual) responsabilidade fiscal decorrente das desistências da execução e dos embargos na execução pendente contra o ora Recorrente e a sociedade J....

  27. Na realidade, Recorrente e J... são pessoas jurídica e patrimonialmente distintas, com obrigações fiscais igualmente distintas, não tendo que se confundir para fins de tributação, tal como pretende a Autoridade Tributária e a sentença recorrida aceita.

  28. Deste modo, a existir responsabilidade fiscal pelas desistências na ação executiva, a responsabilidade tributária teria que ser dividida em partes iguais porque, no caso de a execução ter prosseguido, seguiria contra ambas as pessoas jurídicas.

    Duas equações financeiras distintas 200.

    A sentença recorrida não se pronunciou relativamente ao argumento do Recorrente segundo o qual as desistências na execução da Ecocaldas integrariam uma equação financeira distinta da cessão de quota e, nessa medida, a tributação da cessão de quota não teria que...

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