Acórdão nº 00446/10.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMargarida Reis
Data da Resolução27 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RElatório J., inconformado com a sentença proferida em 2016-08-29 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial que interpôs tendo por objeto a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios relativa ao ano de 2006, no valor total de EUR 295.711,98 (duzentos e noventa e cinco mil setecentos e onze euros e noventa e oito cêntimos), vem dela interpor o presente recurso.

O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: EM CONCLUSÃO: 1) Pese embora a factualidade perfeitamente definida e correctamente estabilizada, considerou o Mmo. Juiz a quo que os negócios celebrados pelo recorrente - desde logo, o “acto de aquisição” do estabelecimento de farmácia por trespasse - não traduzem qualquer divergência de vontade; 2) Tal enquadramento e conclusão, não têm, salvo o devido respeito, qualquer sustentação fáctico-jurídica minimamente lógica e donde resulta, por isso, um inadequado enquadramento jurídico dos factos assentes; 3) O ordenamento tributário não tem um conceito próprio de simulação, o qual é proveniente do Direito Civil; 4) De acordo com o n.º 1 do art. 240º do Código Civil. São três os requisitos estabelecidos para que haja simulação: - a divergência entre a vontade real e a declarada; - intuito de enganar terceiros; - acordo simulatório; 5) Requisitos todos eles verificados na factualidade assente na sentença recorrida; 6) Como se diz no Acórdão do STJ de 09-10-2014 - Proc. n.º 199/03.4TBAVS-A.E2.S1 - invocado na sentença recorrida - entre as diversas formas de simulação, destaca a “simulação relativa subjectiva” ou “interposição fictícia”. A qual, por via de regra, segundo o mesmo acórdão, visa “contornar uma alegada impossibilidade de negociação”, em que “o outorgante real não se vincula a praticar quaisquer actos jurídicos em nome dele”, na medida em que “a sua intervenção visa apenas validar um negócio que, se formalizado e exteriorizado com o interessado real, seria inválido”; 7) O enquadramento efectuado na sentença indicia existir dificuldade de destrinça entre simulação e falsidade intelectual. Esta última (para onde propende o Mmo. Juiz a quo) só existe quando, sendo o documento genuíno sem traduzir a realidade, há desconformidade entre o documento e a declaração. Mas se o documento está de harmonia com a declaração, mas esta, contudo, não está de harmonia com a realidade, nunca poderá existir falsidade intelectual, mas simulação, se se verificarem os demais requisitos deste instituto (o que ocorre manifestamente no caso em apreço); 8) Considera ainda a sentença em crise que, ainda que existisse simulação, estaria o recorrente “impedido de a invocar contra a Administração Fiscal, atenta a regra da inoponibilidade da simulação contra terceiros de boa-fé que consta do art 243º, n.º 1 e 3 do Código Civil”, o que não se aceita; 9) A simulação fiscal afasta-se da simulação civil, não tendo a Administração Fiscal o papel de terceiro; 10) O art. 39º da LGT limita-se a estabelecer, com carácter imperativo, que, em caso de simulação, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado, não estando na disponibilidade do contribuinte, nem da AT, determinar as circunstâncias em que a tributação é determinada em caso de simulação; 11) Os negócios simulados não podem ser fundamento de qualquer tributação enquanto tais, mesmo que as partes obtenham benefícios ou mantenham os respectivos efeitos económicos. Mas se não é tributado o negócio simulado, nem quanto aos seus efeitos de facto, já é tributado o negócio jurídico real, ou seja, o negócio que tenha sido efectivamente celebrado e oculto sob a aparência; 12) É certo que o princípio da especialização de exercícios determina que os rendimentos e gastos são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento; 13) No âmbito do IRS, tal princípio tem, contudo, de ser entendido com as devidas adaptações, obedecendo, designadamente, aos princípios gerais estabelecidos na Lei Geral Tributária, como o da capacidade contributiva, quando estabelece, no art. 4º, que “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”; 14) Como vem defendendo esse Supremo Tribunal Administrativo, “nos contratos de execução duradoura ou diferida o facto tributário não é constituído por essa fonte contratual geradora de fluxos financeiros, mas antes pela sucessiva concretização no tempo dos incrementos patrimoniais decorrentes do recebimento das prestações previstas; 15) Seria inconstitucional exigir um imposto a quem não tem capacidade contributiva por ainda não dispor do rendimento; 16) Foi efectuada uma incorrecta aplicação do disposto no art. e 39º da LGT, 240º do CC e 615º, n.º 1 c) do CPC.

*** A Recorrida não apresentou contra-alegações.

*** Através de acórdão proferido em 6 de dezembro de 2017, o Supremo Tribunal Administrativo declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso.

*** O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

*** Na pendência dos autos neste Tribunal Central Administrativo Norte veio o ora Recorrente requerer que nos termos do disposto no art. 124.º do CPPT a segunda questão que invocou nas suas alegações de recurso, referente à violação do princípio da capacidade contributiva - uma vez que “como vem defendendo o STA, nos contratos de execução duradoura ou diferida … o facto tributário é constituído, não pela fonte contratual mas pela sucessiva concretização no tempo dos incrementos patrimoniais decorrentes das prestações recebidas” -, seja conhecida em primeiro lugar, por ser a que no seu entender acautela de modo mais eficaz o seu interesse.

*** Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.

***Questões a decidir no recurso Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são imputados pelo Recorrente.

  1. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: III – Dos Factos Factos provados: Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa: 1) O Impugnante encontrava-se coletado como empresário em nome individual, pelo exercício de atividade de “comércio a retalho de produtos farmacêuticos (farmácias)”, com o CAE 52310, desde 01/04/1987 até 02/01/2006 (cfr. relatório de inspeção tributária a fls. 22 do processo administrativo apenso).

    2) Com base na ordem de serviço n.º OI200802286, o Impugnante foi submetido a uma ação inspetiva externa de âmbito parcial em sede de IRS e IVA do exercício de 2006, a qual decorreu entre 15/12/2008 e 16/09/2009 (cfr. relatório de inspeção tributária a fls. 21 do processo administrativo apenso).

    3) Em 12/10/2009 foi elaborado o relatório final de inspeção tributária, do qual consta, além do mais, o seguinte: “III – Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável 1 – Contrato de Trespasse Segundo um contrato de trespasse lavrado em 29/05/2006, o estabelecimento de farmácia em referência foi vendido a A., NIF (...). No contrato foi primeiro contraente o Sr. J., NIF (...) e esposa T. e o segundo contraente o Sr. A., NIF (...). O primeiro contraente, possuidor de um estabelecimento comercial de farmácia sito na Rua (…), trespassou-o ao segundo pelo preço de € 600.000,00.

    2 – Declarações Fiscais Para efeitos de IRS, o sujeito passivo J. declara no anexo C da declaração de rendimentos do ano 2006 o resultado tributável da atividade comercial da farmácia no montante de 40.000,00 €.

    A atividade da farmácia exercida em 2006 em nome deste sujeito passivo, ainda que o contrato de trespasse tenha sido realizado em maio, resumiu-se a dois dias, dado que cessou atividade para efeitos de IRS e IVA em 02/01/2006. Nesse espaço de tempo não se realizaram vendas, tendo sido contabilizada apenas a operação do trespasse.

    Da análise à contabilidade, constatámos que foi obtida uma mais-valia pela venda da farmácia no montante de 600.000,00 € atendendo a que não foi atribuído valor contabilístico na data da aquisição da mesma em 1995. Porém, na declaração de rendimentos o sujeito passivo declara apenas 40.000,00 na categoria C – rendimentos da atividade comercial.

    3 – Declarações do sujeito passivo Pelas declarações do sujeito passivo J. bem como através da leitura de documentos que nos foram por ele facultados, nomeadamente do Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento), verificamos que afinal o negócio teve outros contornos que a seguir se descrevem: a) A propriedade da Farmácia (...), titular do alvará n.º 2247, encontrou-se averbada, com efeitos a partir de 10/03/1995, em nome do farmacêutico J., por Escritura Pública de Trespasse de 15/02/1995.

    b) Tanto este negócio jurídico que havia titulado o averbamento no Infarmed, como o negócio celebrado em 29/05/2006 relativamente ao qual foi assinado um contrato de trespasse para transmissão de propriedade de J. para A., foram na verdade negócios celebrados com o intuito de contornar a lei da propriedade de farmácia então em vigor, que reservava a propriedade das mesmas a farmacêuticos (…).

    c) Com efeito, em ambos os casos o real proprietário da farmácia era o não farmacêutico Sr. A., NIF (…), médico de profissão, que munido de uma Procuração na qual se constitui procurador de J., geria ‘de facto’ o negócio da farmácia (…).

    d) Assim sendo, o contrato de...

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