Acórdão nº 129/13 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelCons. Catarina Sarmento e Castro
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 129/13

Processo n.º 26/11

  1. Secção

Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, veio o Ministério Público interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, da sentença proferida por aquele tribunal, em 9 de setembro de 2010, que recusou a aplicação da norma do n.º 5 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 60/2003, de 1 de abril, com fundamento na sua inconstitucionalidade material, decorrente da violação dos artigos 13.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, designada por CRP).

  2. O recorrido, Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte, instaurou ação administrativa comum, que foi convolada em ação administrativa especial e que corre presentemente contra a Administração Regional de Saúde do Norte, peticionando o reconhecimento do direito dos seus representados, trabalhadores do setor público, à remuneração base prevista na tabela II anexa ao Decreto-Lei n.º 60/2003, de 1 de abril, correspondente ao índice 120 da carreira médica de clínica geral em dedicação exclusiva; a condenação da recorrida à execução dos atos materiais decorrentes do reconhecimento desse direito remuneratório, incluindo todas as diferenças remuneratórias desde o início de funções até à decisão; a declaração de inconstitucionalidade do n.º 5 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 60/2003, de 1 de abril, na medida em que admite a diferenciação remuneratória em função do estatuto jurídico de contratação dos trabalhadores, por violação dos princípios constitucionais constantes dos artigos 13.º e 59.º da CRP.

    Para fundamentar as suas pretensões, o recorrido alega, em síntese, que os seus representados são técnicos superiores de vários serviços públicos e que se encontram, presentemente, a exercer as funções de Coordenadores de Unidades de Gestão Administrativa em Centros de Saúde, em virtude de nomeação em regime de comissão de serviço, pelo período de três anos, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 60/2003, de 1 de abril.

    Não obstante tais representados terem optado, desde o início de funções, pela remuneração da categoria de Coordenador de Unidade de Gestão Administrativa de Centro de Saúde, continuaram a receber a remuneração da categoria de origem, apenas acrescida do subsídio de função.

    Tal circunstância deve-se ao facto de a Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN) entender que o regime remuneratório do n.º 5 do artigo 8.º do aludido Decreto-Lei apenas se aplica aos trabalhadores que não têm vínculo laboral à Administração Pública, interpretação que o recorrido considera ser violadora do princípio da igualdade, nomeadamente da máxima de que a trabalho igual deve corresponder salário igual, porquanto os coordenadores sem vínculo laboral à Administração Pública recebem pelo índice 120 da carreira médica de clínica geral, em dedicação exclusiva, o que corresponde a montante substancialmente mais elevado do que o auferido pelos coordenadores com vínculo à Administração Pública, sem que exista qualquer justificação para tal diferença.

    A ARSN contestou, pugnando pela improcedência da ação e referindo - quanto à questão da invocada inconstitucionalidade - que não existe violação do princípio da igualdade, já que a comparação da situação dos vários coordenadores não pode ser feita apenas pelo índice remuneratório, desinserida do contexto mais vasto do regime da função pública, do qual resulta que os trabalhadores com vínculo laboral à Administração Pública detêm um estatuto que lhes confere garantias não usufruídas pelos não vinculados.

    Por sentença de 9 de setembro de 2010, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a ação procedente.

    Considerou o Tribunal que o âmbito subjetivo de aplicação do n.º 5 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 60/03, de 1 de abril, se restringe aos coordenadores sem vínculo laboral à Administração Pública, tal como considerou a ARSN.

    Porém, concluindo não existir fundamento material atendível para a distinção de remuneração base devida aos Coordenadores de Unidades de Gestão em Centros de Saúde sem vínculo de emprego público relativamente à dos Colegas que exercem as mesmas funções, mas detêm vínculo à Administração Pública, o Tribunal julgou a norma do n.º 5 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 60/03, na interpretação preconizada, inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 13.º e 59.º, ambos da CRP, determinando que o regime remuneratório fixado no referido n.º 5 do artigo 8.º seja também aplicado aos representados do recorrido.

  3. Notificado para o efeito, o recorrente apresentou alegações, onde conclui, nos termos seguintes:

    “1º

    Não afronta o princípio da igualdade consagrado nos artigos 13.º e 59.º da Constituição, a norma do n.º 5 do artigo 8.° do Decreto-Lei n.º 60/2003, de 1 de abril, na interpretação segundo a qual, por via da aplicação da tabela anexa que menciona, os coordenadores nomeados, sem possuírem vínculo à função pública, aufiram um vencimento superior ao de outros coordenadores nomeados, mas que detenham esse vínculo, como acontece no caso em análise.

    1. Efetivamente, a igualdade constitucionalmente consagrada não é meramente formal e uniformizadora, pelo contrário, trata-se de uma igualdade em sentido material, aferida em função da realidade social em que se inserem as pessoas visadas com a norma.

    2. Pelo que, a norma em apreciação não pode ser analisada de forma isolada e desligada da regulamentação global, impondo-se a consideração dos regimes de trabalho, em bloco, que são diversos, consoante os coordenadores nomeados, tenham, ou não, vínculo à função pública.

    3. Na verdade, são bem distintas as relações de emprego para quem desempenha uma atividade laboral por conta da administração pública (mesmo no novo regime de contrato de trabalho em funções públicas), ou do setor privado. Diferenciação que se traduz em dois regimes distintos, com todas as diversidades inerentes a esses regimes, globalmente consideradas (diferentes jurisdições, diferentes regras, quanto à constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego, diferentes regras contributivas, diferentes regimes de assistência na doença e de reforma).

    4. Do confronto dos dois regimes sobressai uma perspetiva menos protetora da relação de emprego privado, sem vínculo à função pública, nomeadamente, quanto à vulnerabilidade e aos mecanismos de cessação da relação.

    5. Por outro lado, sublinhe-se a circunstância de, no caso em apreciação, os coordenadores nomeados, que têm vínculo à função pública, têm assegurados os seus lugares de...

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