Acórdão nº 447/10.4TTVNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Janeiro de 2013
Magistrado Responsável | FERNANDES DA SILVA |
Data da Resolução | 08 de Janeiro de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.
AA, com os demais sinais dos Autos, apresentou requerimento no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão, autuado em 14.7.2010, visando a impugnação da decisão de despedimento proferida pela sua empregadora «Caixa BB, CRL», com sede em Vila Nova de Famalicão.
Realizada a Audiência de partes, não se logrou a sua conciliação.
A R./empregadora motivou o despedimento, alegando que este é lícito, porquanto a trabalhadora, em 2009, começou a envolver-se nos problemas financeiros de duas empresas, utilizando o tempo e meios de trabalho para a sua resolução, o que determinou queixas de clientes e de colegas de trabalho.
Mais alegou que a trabalhadora solicitou a clientes da instituição empréstimos em dinheiro, aproveitando a sua situação de funcionária bancária, e que violou os procedimentos existentes e relativos à entrega de livros de cheques e registo dos cheques pré-datados deixados no cofre nocturno.
Concluiu, assim, que a trabalhadora violou os seus deveres de lealdade para com a empregadora e colegas de trabalho, quebrando a confiança que a empregadora mantinha consigo.
Deduziu ainda oposição à sua reintegração, alegando que a trabalhadora é uma pessoa sem qualquer crédito na praça, e que não pode, nesse contexto, continuar a exercer funções de empregada bancária, já que assume um comportamento idêntico ao dos devedores da instituição.
A trabalhadora respondeu alegando que parte substancial do enunciado da nota de culpa não continha factos concretizados no tempo e no espaço, estando agora alegados factos que não constavam daquela; excepcionou a caducidade do direito de instaurar o processo disciplinar; impugnou os factos que lhe são imputados, acrescentando que, sem diligências de prova prévias, a instauração do processo disciplinar é nula.
Alegou a seguir que a empregadora não pode opor-se à sua reintegração, pois que não desempenha qualquer cargo de direcção, não sendo a empregadora uma micro-empresa.
Deduziu por fim pedido reconvencional, peticionando, além do mais, o pagamento das seguintes quantias: a) 300,05 euros, relativa ao mês de Maio de 2010; b) 1.650,30 euros, relativa ao mês de Junho de 2010; c) 1.650,30 euros, relativa ao mês de Agosto de 2010; d) 1.350,25 euros, relativa aos dias de trabalho de Setembro de 2010, bem como todas as retribuições que deixou de auferir desde a data em que se verificou o seu despedimento e o trânsito em julgado desta decisão; - A sua reintegração ou, caso venha a optar pela indemnização, 45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, ou seja, 1.870,50 euros x 21, devendo ainda ser considerado o período que venha a decorrer até ao trânsito em julgado desta decisão, sendo que a mesma deverá ser de 2.494,00 euros x 21, se vier a ter provimento o pedido de oposição à sua reintegração; - A condenação da empregadora no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos com a cessação ilícita do seu contrato de trabalho, no valor de 60.000,00 euros; - A condenação da empregadora no pagamento da quantia relativa a 105 horas de formação que não foi ministrada pela empregadora, no valor de 1.144,50 euros.
- Juros de mora, contabilizados sobre estas quantias, desde a data em que eram devidos.
- Sanção pecuniária compulsória de 100,00 euros por cada dia de atraso na sua reintegração.
A empregadora replicou, alegando apenas ter tido conhecimento dos factos em 09/03/2010, pelo que não se verifica qualquer prescrição/caducidade.
__ Condensada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente e, consequentemente, absolveu a trabalhadora AA do pedido formulado pela empregadora ‘Caixa BB’, no sentido da declaração da licitude do despedimento, declarou ilícito o despedimento efectuado e condenou a ‘Caixa de BB’ a reintegrar a trabalhadora, AA, e a pagar-lhe todas as retribuições vencidas desde o 30.º dia anterior à propositura da acção – 14/06/20101 – e as que se vençam até ao trânsito em julgado desta decisão, deduzindo-se ao montante obtido o valor que a trabalhadora tenha recebido com a cessação do contrato de trabalho e que não teria recebido se não fosse o despedimento, bem como qualquer quantia que a trabalhadora tenha recebido a título de subsídio de desemprego, sendo esta entregue pela empregadora à Segurança Social, condenando ainda a empregadora no pagamento à trabalhadora da quantia de 5.000,00 euros a título de danos não patrimoniais; Condenou ainda a R./entidade empregadora a pagar à trabalhadora a quantia de 1.142,40 euros pelas horas de formação não prestadas e a sanção pecuniária compulsória de 100,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração definida no ponto 1 desta decisão; Por fim condenou-a também a pagar à trabalhadora juros de mora, à taxa de 4%, sobre as quantias referidas em 2 e 3, desde a citação quanto às retribuições já vencidas na data em que esta se verificou e sobre o valor da formação não prestada e desde a data desta decisão quanto às retribuições entretanto vencidas e indemnização fixada em 4., e até integral pagamento, aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida à taxa de juro civil enquanto aquele não se verificar.
Do demais peticionado absolveu a empregadora.
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Inconformada, a «Caixa BB, CRL» interpôs recurso de Apelação para o Tribunal da Relação do Porto que, pelo Acórdão prolatado a fls. 1011-1024, lhe concedeu parcial provimento, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a recorrente a pagar à recorrida a quantia de € 1.142,40 pelas horas de formação não prestadas, confirmando-a no demais.
(A deliberação contém um voto de vencido com este teor.
“Vencida, por considerar que os empréstimos a clientes constituem justa causa de despedimento por revelarem uma promiscuidade entre as funções da trabalhadora e a sua vida pessoal, a reflectir-se na imagem do empregador”).
A R./empregadora, irresignada, traz-nos ora a presente Revista, cuja motivação termina com a formulação das seguintes conclusões: 1 - Face ao teor e ao sentido do douto acórdão recorrido impõe-se concluir que o «crime compensa».
2 - A Veneranda Relação esquece o sector em que a recorrente exerce a sua actividade – o sector bancário – onde a confiança desempenha um papel fundamental, como, de resto, é reconhecido pela douta e vasta Jurisprudência na matéria e supra-citada ao longo das presente alegações, como é o caso do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/12/2004, proc. n.º 1284/04, in www.colectaneadejurisprudencia.com.
3 - Não pode exigir-se a um empregador razoável que mantenha ao seu serviço um trabalhador em quem não pode confiar, como é o caso da recorrida, a quem, a 13/6/2011, no proc. n.º 713/09.1TTVNG.P1, se afirma que «Constitui justa causa de despedimento que leva à quebra da relação de confiança, o trabalhador, gerente bancário de uma agência, que pratica factos graves no desempenho das suas funções que violam de forma flagrante os deveres laborais a que estava adstrito, tais como: aproveitando-se do seu cargo pediu empréstimos a clientes do Réu, para si, diversas quantias em dinheiro que estes lhes emprestavam (...)»; o mesmo sucedendo com o Douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa de 15/1/2003 proferido no proc. n.º 0077774, que afirma a existência de justa causa de despedimento de um trabalhador bancário que «não hesitou em pedir empréstimos a clientes do banco, enfim com tal procedimento colocou em perigo os interesses económicos do banco, bem como a imagem deste junto dos seus clientes.» Sendo caso para realçar os factos provados sob EEE, GGG, SSS, que, ao contrário do que a Veneranda Relação recorrida afirma, demonstram que os empréstimos em causa só foram solicitados face ao conhecimento que a trabalhadora tem emergente do seu vínculo laboral com a recorrente e do acesso à informação que daí advinha, como, de resto, acaba por ser admitido pela primeira Instância ao dizer, na sua fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, que «as testemunhas em causa não confirmaram qualquer ligação particular ou de amizade com a A., para além da relação de trabalho existente», sendo também dito que relativamente «ao desconforto com a situação criada, o Tribunal não tem dúvidas sobre o facto de tal desconforto ter sido, efectivamente, comunicado pelos clientes ao superior hierárquico da A.» Assim, impõe-se concluir que, por uma análise objectiva e distanciada da questão controvertida, verifica-se (mais do que) justa causa de despedimento, sendo os factos apurados pela recorrente, e provados nos autos, mais do que suficientes para sustentar a licitude do despedimento efectuado, sendo caso para questionar como é possível determinar a reintegração da trabalhadora, se a recorrente não confia nela e tem razões mais do que suficientes e justificadas para não confiar.
4 - É, pois, evidente o papel essencial e vital que a confiança desempenha na actividade bancária e no relacionamento que uma instituição bancária como a recorrente tem com os seus clientes, sendo certo que quem é a face visível da entidade bancária são os seus trabalhadores e não existe qualquer possibilidade da recorrente ser representada por quem não lhe merece confiança, in casu a recorrida.
5 - Não é possível dar continuidade a uma relação laboral numa situação de incumprimento voluntário do dever de lealdade cometido por uma trabalhadora.
6 - Não pode a recorrente, nem lhe é exigível, enquanto entidade patronal, contemporizar com tais situações, desvalorizando-as e reduzindo-as apenas a um eventual mau momento pessoal ou profissional, pois se o teve não pode a recorrida pretender que a recorrente o desvalorize e se convença apenas pelo seu arrependimento de que tal não voltará a suceder, ainda que, no caso da recorrente, não resulta que haja qualquer arrependimento (bastando ver a sua postura processual e extraprocessual).
7 - Está invocada...
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