Acórdão nº 11599/18.5T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelLEONOR CRUZ RODRIGUES
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Procº nº 11599/18.5T8LSB.L1.S1 4ª Secção Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça.

I 1. Relatório 1.

No Juízo do Trabalho ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., AA propôs contra “OSÍRIS – VIAGENS E TURISMO, Lda” acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, na qual se opôs ao despedimento promovido pela Empregadora com fundamento em justa causa de despedimento.

  1. Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação a Empregadora apresentou articulado de motivação do despedimento, invocando que a trabalhadora violou, de forma irremediável, os deveres de respeito, obediência e lealdade, ao desviar clientela para empresa concorrente da sua entidade empregadora.

  2. A este articulado respondeu a trabalhadora apresentando contestação, na qual invocou a nulidade do procedimento disciplinar e a sua invalidade, impugnou a motivação do despedimento e concluiu pedindo que fosse declarado ilícito o despedimento e a condenação da Empregadora na sua reintegração ou no pagamento da indemnização segundo opção ulterior, no pagamento de retribuições vencidas e vincendas, em indemnização por danos não patrimoniais, e créditos salariais resultantes de horas de formação não ministradas e trabalho suplementar.

  3. Apresentada réplica pela empregadora, proferido despacho saneador, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que declarou ilícito o despedimento e condenou a Empregadora no pagamento à trabalhadora de uma indemnização correspondente a 30 dias de remuneração base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, esta reportada a 3.11.2014, as retribuições, incluindo retribuição, subsídio de férias e de natal, vencidos desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e até integral pagamento, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, e a quantia de € 2 000,00 a título de danos não patrimoniais..

  4. Não se conformando com o assim decidido, apelou a Empregadora, impugnando a decisão relativa à matéria de facto e de direito, vindo o Tribunal da Relação, por acórdão de 24 de Março de 2021, lavrado com um voto de vencido, a julgar o recurso procedente, declarando a licitude do despedimento e revogando a decisão de 1ª instância.

  5. É agora a trabalhadora que, inconformada, interpõe recurso de revista, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões: “A. O Acórdão do Tribunal da Relação ... colocado em crise incorreu em erro na interpretação e aplicação da lei, o que, consequentemente, teve por efeito a indevida revogação da decisão do tribunal de primeira instância.

    1. Efectivamente tal decisão enferma de uma errada aplicação do direito, caracterizada por uma profunda desconexão entre os factos inequivocamente provados nos autos e a solução jurídica adoptada, assentando a mesma num raciocínio abstracto, pouco fundamentado e, com o devido respeito, contraditório, produzido à total revelia da factualidade provada nos autos, C. É certo que no nosso sistema jurídico vigora o princípio da livre convicção do julgador (nos casos em que ao meio de prova não seja atribuída força probatória plena), mas não é menos verdade que a sua convicção terá de ser devidamente ponderada e fundamentada, conforme estatuído no número 5 do artigo 607.º do CPC D. Sendo que, todavia, não pode a análise crítica da prova produzida ser confundida com um exercício de mera prognose por parte do Tribunal a quo.

    2. Pelo que, as decisões judiciais têm de ser produzidas de acordo com as regras jurídicas pré-definidas, por todos antecipadamente conhecidas, consistindo o teor final de tais decisões na solução que decorre da aplicação dos factos processualmente provados às normas substantivas em cuja hipótese tais factos se subsumam.

    3. Assim, entendeu o Tribunal da Relação ... que dos factos dados como provados e contrariamente à apreciação feita pelo Tribunal de 1.ª* Instância, resulta uma violação culposa e grave da Recorrente enquanto trabalhadora da Ré e ora Recorrida, G. Razão pela qual entendeu declarar a licitude do seu despedimento.

    4. Invoca o douto Acórdão que “Embora não tenha resultado provada a obrigação de consulta de superior hierárquico, o cancelamento da referida reserva implicou um prejuízo pra a empresa, resultante da perda do cliente, e permitiu a reserva a favor de empresa concorrente” (sic) I. Tal posição é veementemente contestada pela Recorrente porquanto, e contrariamente ao expressamente invocado no douto Acórdão, o que ficou inequivocamente provado foi que a trabalhadora ora Recorrente não tinha qualquer obrigação de consultar o seu supervisor para efectuar o referido cancelamento, sendo este um acto comum de acontecer, salvo determinadas excepções expressamente previstas, conforme resulta dos seguintes factos provados: “AO) - O cancelamento de reservas pelos técnicos da empresa não determinava o prévio conhecimento ou autorização superior (…) BG) - A trabalhadora não consultou a gerência ou qualquer superior hierárquico acerca do cancelamento pois tal nunca foi prática na empregadora.

      BH) - Ao longo de todos os anos em que a trabalhadora trabalhou para a empregadora, nunca foi prática a de, sempre que existisse um grupo e este não se “realizasse”, haver a necessidade de informar as chefias ou a direcção, salvo: - Se estes já soubessem de antemão que o grupo se estava a “realizar”; - Se o grupo tivesse passado inicialmente “pelas suas mãos”; - Ou ainda dada a sua envergadura logística e/ou financeira.

    5. Assim, e face a esta inequívoca prova, não é compreensível a decisão do Acórdão recorrido, uma vez que a posição assumida pela Recorrente relativamente ao cancelamento do grupo, foi a de agir exactamente e em consonância com as regras em vigor na empresa desde que ela lá começou a trabalhar há quase década e meia K. De realçar que a regra para este tipo de cancelamentos era os mesmos serem efectuados da forma como a ora Recorrente o fez, razão pela qual, nem neste caso, nem em nenhum outro que foi acontecendo ao longo dos anos, consultou a gerência ou qualquer superior hierárquico.

      L. Sendo esta uma prática comum e por todos reconhecida na empresa, conforme ficou inequivocamente provado através de diversos testemunhos de Colegas da Recorrente, em particular, da testemunha BB – cfr. depoimento prestado no dia de 29 de Junho de 2020, com a duração de 53 minutos e 36 segundos, e cujas passagens relevantes para esta questão se encontram entre os minutos 15:06 a 16:40, 21:47 a 23:30 e 52:25 a 53:09.

    6. Estando assim, no entender da Recorrente, inequivocamente demonstrada a razão que lhe assiste em termos da posição que assumiu na questão do cancelamento do grupo com que se viu confrontada, N. Não havendo por isso na mesma qualquer erro, falha ou negligência da sua parte, nem tão pouco, e por consequência dolo, O. Importando igualmente referir, porque o douto Acórdão recorrido nisso assenta para justificar a licitude do seu despedimento, que existindo algum prejuízo para a Ré, o mesmo é igual a todos os eventuais e pretensos prejuízos que, ao longo de, pelo menos, quase década e meia a Recorrida teve com os diversos cancelamentos que foram acontecendo.

    7. Uma vez que este cancelamento efectuado pela Recorrente foi feito exactamente da mesma forma e nas mesmas circunstâncias que outros cancelamentos anteriormente efectuados ao longo de anos, Q. Contrariamente ao que invoca o douto Acórdão recorrido, não existe qualquer prova nos autos de que a reserva do cliente cancelado pela Recorrente tenha passado para uma empresa concorrente, pelo que esta conclusão, importante na errada decisão proferida pelo Tribunal da Relação ..., se trata de uma mera presunção, sem qualquer suporte factual.

    8. Porém, e ainda que se admita que possa ter existido prejuízo para a empresa por força do cancelamento do grupo, este mesmo prejuízo, do ponto de vista conceptual, não é em nada diferente do prejuízo que cada cancelamento efectuado ao longo dos anos implicou, S. Sendo que no que concerne a cancelamentos de grupos, as regras na Recorrida, pelo menos até ao dia 12 de Fevereiro de 2018, eram bem claras e conhecidas de todos, encontrando-se as mesmas provadas nestes autos, da mesma forma que se encontram provado que ter a Recorrente cumprido escrupulosamente com a prática que sempre vigorou na empresa T. Tal posição, a que o douto Acórdão infundadamente deu cobertura, representa, no entendimento da Recorrente, uma clara posição de “Venire Contra Factum Proprium”, uma vez que foi a própria Ré, através das directrizes vigentes na empresa para os cancelamentos de grupos, que deu causa à acção de cancelamento do grupo por parte da trabalhadora, U. Importa também ter presente que, apesar da Ré e ora Recorrida estar a passar por um período critico e de alguma confusão, situação que afectava todos os trabalhadores da empresa, Recorrente incluída, a mesma manteve-se com zelo, diligência e vontade no desempenho das suas funções, V. Tendo este desempenho de funções de elevadíssima responsabilidade, conforme factos BZ) e CA) igualmente provados, se mantido durante cerca de um mês após o cancelamento do grupo, o que, a acrescer a tudo o já devidamente elencado, coloca indubitavelmente em causa o argumento da violação do dever de lealdade invocado no douto Acórdão ora recorrido.

    9. Não se compreendendo, nem aceitando como pode o douto Acórdão concluir pela violação do dever de lealdade, e de forma culposa, uma vez que a Recorrente não só não incumpriu com nenhuma ordem ou procedimento, mas antes, e pelo contrário, agiu em consonância com as directrizes em vigor na empresa há, pelo menos, 14 anos, X. Razão pela qual, é entendimento da Recorrente, contrariamente ao expresso no Acórdão recorrido, não existir nenhuma gravidade efectiva e culposa na sua conduta que justifique o seu despedimento por completa falta de fundamento, Y. Nem pode, em seu entender, contrariamente ao vertido no douto Acórdão e por completa falta de fundamento, ser entendida que a relação de confiança entre empregador...

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