Acórdão nº 2211/15.5T8LRA.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução12 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 24 de junho de 2015, na Comarca de Leiria, Leiria — Instância Central, 1.ª Secção Trabalho — J2, AA veio intentar a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, nos termos dos artigos 98.º-B e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra BB, S. A., manifestando a sua oposição ao despedimento efetivado pela empregadora, no dia 23 de junho de 2015.

Frustrada a tentativa de conciliação, que teve lugar na audiência de partes, a empregadora apresentou articulado de motivação do despedimento, em que defendeu que o procedimento disciplinar instaurado é válido e que a trabalhadora praticou atos integradores de justa causa de despedimento, requerendo, nesses termos, a declaração da regularidade e licitude do despedimento e que a ação fosse julgada improcedente.

A trabalhadora contestou, sustentando não se configurar justa causa para o despedimento, e deduziu reconvenção, na qual pediu a condenação da empregadora a reintegrá-la no respetivo posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, bem como a pagar-lhe (i) o valor das retribuições vencidas e vincendas que deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, cujo montante vencido ascendia a € 5.058,21, a que acresciam juros de mora vencidos no valor de € 25,51, (ii) o valor dos subsídios de alimentação vencidos que deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, cujo montante vencido ascendia a € 348,66, a que acresciam juros de mora vencidos no valor de € 1,85, (iii) os juros de mora vincendos, relativos aos pedidos explicitados nas alíneas precedentes, à taxa legal, até integral pagamento, e (iv) uma indemnização compensatória pelos danos não patrimoniais causados, no valor de € 10.500, acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal.

Tendo a causa prosseguido os seus trâmites legais, proferiu-se sentença, que julgou a ação e a reconvenção improcedentes.

A trabalhadora apelou, tendo o Tribunal da Relação deliberado anular a sentença recorrida e ordenar a ampliação da matéria de facto, sendo que, cumprido o assim determinado, o tribunal de 1.ª instância proferiu nova sentença, na qual julgou a ação e a reconvenção improcedentes, considerando lícito e regular o despedimento e absolvendo a empregadora do pedido reconvencional formulado.

  1. Irresignada, a trabalhadora apelou, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida, declarando a ilicitude do despedimento e condenando a empregadora a reintegrar a trabalhadora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar à trabalhadora as retribuições que a mesma deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão (incluindo subsídio de alimentação, férias, subsídio de férias e de Natal), acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do acórdão até integral pagamento, operando-se a dedução a que alude a alínea c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, sendo a empregadora absolvida quanto ao mais pedido.

    É contra o assim deliberado que a empregadora agora se insurge, mediante recurso de revista, no qual alinhou as seguintes conclusões, formuladas na sequência de convite que lhe foi dirigido pelo relator, no sentido de sintetizar as conclusões da alegação de recurso e de explicitar as normas jurídicas que considerava violadas: «1.O acórdão recorrido violou a norma do artigo 351.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) [e] e), do Código do Trabalho, no que tange a aplicação dos fundamentos para a justa causa de despedimento.

    2. Porque, como resulta dos factos provados, em tempo algum podiam os Venerandos Desembargadores, no seu douto acórdão, dizer que a conduta da trabalhadora, recorrida, estava ausente de qualquer censura, quando consubstanciavam a prática clara de uma infração grave, passível de conduzir ao seu despedimento, como aconteceu no âmbito do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado pelo Recorrente, no uso do seu poder disciplinar como decorre do artigo 98.º do Código do Trabalho.

    3. Apesar desta evidência cristalina que os presentes autos nos mostra, os Venerandos Desembargadores entenderam julgar como naturalmente admissível que uma trabalhadora bancária, no exercício das suas funções de Gestora ao serviço do Banco, Recorrente, tivesse pedido um empréstimo a uma cliente da sua carteira de clientes, pelo simples facto daquela cliente ser sua amiga de longa data.

    4. Quando as patentes exigências de transparência e lealdade ao serviço do Banco impunham-lhe obrigatoriamente um comportamento distinto daquele que entendeu, de forma livre, consciente e reiterada, assumir.

    5. Por isso, a decisão de julgar ilícito o despedimento da trabalhadora, Recorrida, só foi possível pela errada aplicação do direito aos factos dados como provados, designadamente os factos provados 5.º a 33.º, 57.º a 59.º e 63.º 6. Como, de igual modo, a decisão encontrada teve, também, como fundamento o errado julgamento na reapreciação da decisão da matéria de facto que conduziram para a eliminação do elenco dos factos provados, os factos provados 34.º e 35.º 7. Quando os factos provados 34.º e 35.º nunca deviam ter sido retirados do seu espaço natural. Integrando o elenco dos factos provados como muito bem decidiu o tribunal a quo, por não constituírem matéria conclusiva.

    8. Porque aqueles factos só integravam o elenco dos factos provados por resultarem da avaliação feita de toda a prova produzida em sede da audiência de discussão e julgamento, como os presentes autos disso são seu testemunho.

    9. Donde resulta que só por uma errada aplicação do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil [se] tornou possível a eliminação dos referidos factos 34.º e 35.º, para seguidamente se obter a decisão de considerar ilícito o despedimento da trabalhadora, Recorrida.

    10. No caminho feito desconsiderou-se que a trabalhadora, Recorrida, no âmbito da sua relação de trabalho e ao serviço do Banco, Recorrente, devia proceder de boa-fé, como vem consagrado no artigo 126.º do Código do Trabalho e artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil.

    11. Bem como, estava a trabalhadora, Recorrida, obrigada aos deveres de obediência, lealdade, zelo e honestidade, ínsito[s] no artigo 128.º, n.º 1, alíneas c), e) [e] f), e n.º 2, do Código do Trabalho.

    12. Deste modo, os Venerandos Desembargadores julgaram normal e admissível toda a atuação assumida pela Autora, sem encontrar qualquer óFFe ao facto de ter pedido dinheiro emprestado a uma cliente da sua carteira, CC.

    13. Como também era normal e admissível que a Autora tivesse na sua posse os cartões de Multibanco e DD daquela cliente, e ter associado aos cartões e à conta bancária da cliente o seu número de telemóvel.

    14. E que tivesse movimentado a conta daquela cliente, fazendo levantamentos em proveito próprio e para proveito de terceiros, seus familiares, para pagamento de cartões de crédito, pessoais e de familiares.

    15. Pois este julgamento feito, além de errado, é contrário à lei, bem como contrário ao entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça, como se pode retirar em diferentes acórdãos, nomeadamente no Ac. do STJ de 01/08/2013, proferido no [processo n.º] 447/10.4TTVNF.P1.S1, [relatado] pelo Sr. Juiz Conselheiro Fernandes da Silva, o que se traduz numa verdadeira recompensa para a trabalhadora, Recorrida.

    16. Quando a Autora, Recorrida, agiu com culpa.

    17. Tanto assim é que a Autora conhecia e bem sabia da gravidade do seu comportamento, porque quando teve necessidade de pagar, na totalidade, o empréstimo que solicitara junto da cliente, socorreu-se da sua hierarquia, no Banco, para pedir um crédito no montante de 105.000,00 €, ao abrigo da linha destinada a colaboradores em situação de stress financeiro, a quem mentiu da razão que a levaram a recorrer àquela linha, tentando esconder os pedidos de empréstimo que fizera à cliente (factos provados 24.º, 25.º, 26.º, 27.º e 28.º).

    18. Aliás, deste facto não restam quaisquer dúvidas, porque a própria trabalhadora confessou, não obstante de nada ter servido para o julgamento ad quem.

    19. Razão pela qual […] temos de concluir que a Autora foi bem despedida, pela violação dos deveres laborais a que estava obrigada, de obediência, zelo, lealdade e honestidade, o que constituiu fundamento para a justa causa de despedimento nos termos do disposto no artigo 351.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e e) do Código do Trabalho.

    20. Por isso, o despedimento da Autora, promovido pelo Banco, Recorrente, foi lícito, porque feito com justa causa.» Termina pedindo a revogação do aresto recorrido e a absolvição do pedido.

    A trabalhadora contra-alegou e respondeu às novas conclusões apresentadas, sustentando a confirmação do julgado e aduzindo, em suma, que «[o] teor dos factos números 34.º e 35.º é manifestamente conclusivo, contendo considerações em ordem à discussão jurídica da justa causa de despedimento, juízos de valor e entendimentos qualificativos, não se restringindo [a] factos objetivos, conforme a lei determina», e que não está configurada «a violação dos deveres jurídico-laborais que o Recorrente invoca e não ocorreu a prática de infração laboral por parte da Recorrida, atenta a materialidade subjacente à situação sindicada nos autos», pelo que «o despedimento em causa é ilícito e como tal inválido, inexistindo justa causa para despedimento».

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.

    ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que devia ser negada a revista e mantida a deliberação recorrida, tendo anotado que a discordância da recorrente quanto aos factos eliminados pela Relação não se inscreve nos apertados parâmetros em que é possível ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o modo como Tribunal recorrido fixou os factos materiais da causa e, num outro plano de consideração, que «a conclusão a que chegou...

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