Acórdão nº 336/08 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Junho de 2008

Data19 Junho 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 336/2008

Processo n.º 84/2008

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Por decisão do Chefe de Serviço de Finanças de Leiria foi aplicada à A. Futebol, SAD, a coima única de €. 13.236,37, pela prática de diversas contra-ordenações previstas nos artigos 119.º e 114.º, do RGIT, correspondendo essa coima à soma material das coimas aplicadas a cada uma das contra-ordenações cometidas.

A A. Futebol, SAD, impugnou judicialmente a aplicação desta coima, tendo o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria proferido sentença que, inter alia, julgou inconstitucional a norma constante do art. 25.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.

Para tanto, o aludido Tribunal fundamentou essa decisão da seguinte forma

“(...) Coloca-se agora a questão de saber se há lugar à aplicação das regras do concurso, ou não.

Nos termos do artigo 19 do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas, quem tiver praticado várias contra ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso.

Também para o Art.º 77 do Código Penal Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Mas segundo o artigo 25 RGIT, as sanções aplicadas às contra ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.

A arguida defende a inconstitucionalidade desta norma.

E com razão, a meu ver.

A norma do artigo 25 RGIT é inconstitucional por várias razões, destacando-se desde já duas: Em primeiro lugar, porque a mera adição das coimas faz aumentar injustamente a sua gravidade proporcional, franqueando a porta à ultrapassagem do limite da culpa (Cfr. Figueiredo Dias Direito Penal Português, 1993, 280).

Em segundo lugar, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade (no sentido restrito segundo o qual os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos), da adequação (no sentido de que as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei) e da exigibilidade (no sentido de que as medidas restritivas previstas na lei são exigíveis porque os fins visados pela lei não podem ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias).

As coimas nunca podem ser desproporcionadas nem inadequadas aos ilícitos nem aos fins que com elas se prosseguem.

Tão pouco podem exceder a culpa, em sentido global, pela totalidade das infracções.

Estes – e outros – princípios têm de ser convocados no âmbito do direito fiscal, para evitar que a sua relativa imaturidade e imprecisão o tornem instrumento de ganância do político mais do que regra de justiça assente em técnica.

Ora a mera adição das coimas não garante o cumprimento dos princípios constitucionais sumariamente referidos. Pelo contrário, a cumulação material desatende à culpa do agente e não tem em conta as regras da proporcionalidade e da adequação.

Por essa razão, a norma em questão é inconstitucional.

Nestas condições, ao abrigo do disposto o artigo 204 da Constituição recuso a aplicação do artigo 25 RGIT por inconstitucionalidade e aplico o artigo 19 do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas, como norma subsidiária prevista no artigo 3/b) do RGIT.

(...)”.

O Ministério Público interpôs então recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), suscitando a fiscalização da constitucionalidade concreta da norma constante do artigo 25.º, do RGIT.

Após ter sido proferido despacho liminar neste Tribunal, o Ministério Público veio apresentar as suas alegações, culminando as mesmas com a formulação das seguintes conclusões:

“(...) 1º Não pode inferir-se dos princípios constitucionais da culpa e da proporcionalidade que no caso de pluralidade de infracções, o legislador esteja constitucionalmente vinculado a adoptar, no campo específico das contra-ordenações fiscais, a regra do cúmulo jurídico.

  1. Na verdade, tais princípios constitucionais operam de pleno na fixação da coima correspondente a cada uma das infracções em concurso, nada obstando a que – como decorrência, nomeadamente, da prossecução da eficácia do sistema fiscal – o legislador possa legitimamente optar pelo estabelecimento da regra do cúmulo material, desde que se verifique uma situação de efectiva pluralidade de infracções.

  2. Termos em que deverá proceder o presente recurso.”

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

*

Fundamentação

O presente recurso de constitucionalidade versa a matéria dos limites das coimas aplicadas ao concurso de contra-ordenações.

O artigo 25.º, do RGIT, prescreve que “as sanções aplicadas às contra-ordenações são sempre cumuladas materialmente”.

Segundo o tribunal recorrido, tal norma encontra-se ferida de inconstitucionalidade material porque o cúmulo material de coimas viola os princípios constitucionais da culpa e da proporcionalidade.

Importa, assim, apreciar a constitucionalidade da aludida norma constante do artigo 25.º, do RGIT, à luz dos referidos parâmetros constitucionais, sem prejuízo da convocação de normas e princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada.

O princípio da culpa tem sido entendido comummente como um princípio implícito do sistema jurídico-constitucional de política criminal que se deduz da dignidade...

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