Acórdão nº 179/21.8T8RMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Janeiro de 2023
Magistrado Responsável | JOÃO CARROLA |
Data da Resolução | 10 de Janeiro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.
No processo de recurso de contraordenação n.º ... do Juízo de Competência Genérica ..., Comarca de Santarém, foi proferida sentença que, apreciando impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela Inspeção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e do Ordenamento do Território, na qual a arguida N..., Lda., foi condenada numa coima única no valor de € 55.000,00, pela prática, a título negligente, de: - uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 48.º e 67.º, n.º 2, alínea r), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 12.000,00; - uma contraordenação ambiental muito grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.º 3, alínea c), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 24.000,00; - uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 13.º, n.º 1, e 28.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento Geral do Ruído (Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 278/2007, de 1 de agosto), e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 12.000,00; e - uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 111.º, n.º 2, alínea e), do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 12.000,00, decidiu julgar aquele recurso de impugnação judicial parcialmente procedente e, em consequência, e, consequentemente:
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Absolver a sociedade arguida N..., Lda. da prática, a título negligente, de uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 13.º, n.º 1, e 28.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento Geral do Ruído (Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 278/2007, de 1 de agosto), e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto; b) Condenar a sociedade arguida N..., Lda. pela prática, a título negligente, de uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 48.º e 67.º, n.º 2, alínea r), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 12.000,00 (doze mil euros), uma contraordenação ambiental muito grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) e uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 111.º, n.º 2, alínea e), do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 12.000,00 (doze mil euros) e, em cúmulo jurídico, na coima única de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescida das custas processuais administrativas no montante de € 75,00 (setenta e cinco euros); Inconformado com esta decisão, veio a arguida N..., Lda.
, interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões: “A. Salvo o devido respeito, a douta Sentença recorrida enferma de nulidade e erros de julgamento; B. Desde logo, refira-se, a inconstitucionalidade de que padece a aplicação das normas aplicadas pelo Tribunal a quo, a saber os arts. 48.º e 67.º/2r) DL 178/2006, o art. 81.º/3a) do DL 226-A/2007 e o art. 111.º/2e) DL 127/2013, na interpretação que lhe é dada pelo Tribunal, para punir a Recorrente.
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Qualquer interpretação dos citados normativos no sentido de abranger o incumprimento de obrigações de reporte de informação, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade.
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A imputação à Recorrente traduz-se numa mera falta formal de cumprimento de prazos de reporte, pelo que a cominação como contraordenação grave e muito grave, punidas com coimas que podem ir dos €12.000 a €144.000 em caso de negligência e de €36.000 a €5.000.000 em caso de dolo, é violadora do princípio da proporcionalidade, devendo ser julgada inconstitucional.
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Aliás, é o próprio Tribunal a quo, reconhece, na douta Sentença recorrida que, “todos os comportamentos imputados à arguida resultam da omissão circunstancial da adoção de procedimentos de reduzida importância (v.g. a ultrapassagem de prazos para prestação de informações, a não atualização atempada da Licença Ambiental), (…)”, e que, “(…) entende o Tribunal que, em face da baixa ilicitude das contraordenações praticadas e da inexistência de benefício económico das mesmas para a arguida (…)”.
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Pelo que a omissão “de um procedimento de reduzida importância”, e que consubstancia uma contraordenação de “baixa ilicitude” não se pode traduzir na condenação por contraordenação muito grave ou sequer grave.
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Cominar o alegado comportamento em causa com contraordenação ambiental grave ou muito grave seria, por conseguinte, dar primazia a aspetos formais desvalorizando a materialidade subjacente, violando-se o princípio da materialidade subjacente.
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O princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado, e o princípio da materialidade subjacente (como corolário do princípio da boa-fé) obsta a que se faça uma maior valoração de exigências formais do que a aspetos materiais.
I. Os normativos citados, na interpretação que lhe é dada pela Decisão Recorrida – para punir a Recorrente com contraordenação grave e muito grave – viola os arts. 2.º, 18.º/2.º e 266.º/2 da Constituição, devendo ser desaplicados (art. 204.º CRP).
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Por outro lado, relativamente à decisão da matéria de facto, não pode ser considerado provado o que consta no ponto 15 dos factos da Sentença por integrar juízos conclusivos e de direito que não são factos concretos e objetivos.
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Verificam-se também erros de julgamento da Sentença recorrida.
L. Salvo o devido respeito – e é verdadeiramente muito –, a douta Sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao condenar a ora Recorrente pela alegada prática da contraordenação prevista e punida pelo artigos 48.º e 67.º/2r) do DL 178/2006.
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O normativo referido como violado (art. 48.º DL 178/2006) não contém qualquer prazo obrigatório de submissão de dados no SIRER, pelo que a Recorrente nunca poderia ser incriminada por não submissão em determinado prazo do MIRR, mas eventualmente apenas, por não registo em absoluto, por força do princípio da legalidade.
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No presente caso, não estando em causa a violação de qualquer direito e não estando legalmente previsto qualquer dever para o qual se comine uma coima, ou qualifique como contraordenação a não submissão em determinado prazo do MIRR, nunca a Recorrente poderia ser condenada.
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O reporte da informação referida foi efetivamente realizado na submissão do Relatório Ambiental Anual que continha todas as informações relativas aos resíduos produzidos e enviados pela Arguida. (cfr. Doc. n.º 3, junto à Impugnação da Recorrente).
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Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, se o Tribunal pretendia condenar a Recorrente por não submissão do MIRR no prazo legal, teria de ter invocado a violação do art.º 49.º-B, n.º 2 do DL 178/2006, o que não fez – omitindo a decisão impugnada normas jurídicas fundamentais para a possível incriminação da Recorrente (artigo 58º, n.º 1, al. c) do RGCO, aplicável por força do disposto no artigo 2º da Lei n.º 50/2006).
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Sucede que, ao contrário do que se conclui na douta Sentença, a Recorrente tentou, por diversas vezes e sem sucesso submeter os dados na plataforma Siliamb no prazo legal (referido no art. 49.º-B/2. DL 178/2006), cumprindo a lei.
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Apenas a plataforma disponibilizada pela APA nunca esteve disponível para o efeito, apesar das diversas tentativas efetuadas pela Recorrente.
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Sendo que é facto público e notório, pelo menos para os operadores que lidavam diariamente com aquela plataforma Siliamb, que era frequente a mesma ter falhas no sistema que impossibilitavam a submissão atempada dos dados (isto mesmo sucedeu na situação descrita no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, referente ao Proc. 488/19.6T9STR.E1, datado de 01.07.2020).
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Tendo reportado de imediato esse mesmo facto à APA (cfr. Doc. n.º 2 junto à Impugnação da Recorrente) – ainda que se tenha enganado no endereço eletrónico para o qual enviou o email, o que não merece o enfâse dado pelo Tribunal a quo.
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Através do email que constitui o Doc. 2 junto à Impugnação, a Recorrente manifesta, sem margem para dúvidas, a intenção de reportar o erro à APA – facto deveria ter sido dado como provado.
V. Assim, a douta Sentença recorrida, erra ao desconsiderar que a Recorrente se viu absoluta e objetivamente impossibilitada de cumprir com a obrigação a que estava adstrita, apesar de por várias vezes ter tentado.
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E, salvo melhor opinião, erra também ao não considerar nos “factos provados”, que o reporte da informação referida foi efetivamente realizado na submissão do Relatório Ambiental Anual que continha todas as informações relativas aos resíduos...
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