Acórdão nº 257/08 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução30 de Abril de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACORDÃO Nº 257/2008

Processo n.º 446/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e Outros e recorridos, B. (Massa Falida), Banco C., S.A. (D., S.A., na qualidade de cessionária), E. PLC e Outros foi interposto recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 01.03.2007, para apreciação:

    ? Ao abrigo da alínea a), da recusa de aplicação, por inconstitucionalidade, da norma do artigo 12.º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho (e não Decreto-Lei n.º 17/86, como, por lapso, se refere nos autos), na interpretação segundo a qual “o privilégio imobiliário geral que nele era concedido preferiria à hipoteca”;

    ? Ao abrigo da alínea b), da inconstitucionalidade das normas do artigo 12.º da Lei n.º 17/86, do artigo 4.º da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto, e do artigo 751.º do Código Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março) na interpretação segundo a qual “os privilégios imobiliários gerais conferidos por aquelas normas aos créditos dos trabalhadores emergentes do contrato individual de trabalho não prevalecem, nos termos do disposto no artigo 751.º do Código Civil, sobre a hipoteca”.

  2. Resulta dos autos que, na sequência de declaração de falência de B., S.A.R.L., o 2º Juízo Cível dos Juízos Cíveis de Coimbra procedeu à graduação de créditos, em relação aos imóveis integrados na massa falida, graduando em primeiro lugar os créditos emergentes de contrato individual de trabalho, com base em privilégio imobiliário geral, e só depois os créditos hipotecários.

    Interposto recurso desta decisão, o Tribunal da Relação de Coimbra alterou a decisão recorrida e passou a graduar primeiro os créditos dos recorrentes garantidos por hipoteca e só depois os créditos dos trabalhadores e do Fundo de Garantia Salarial.

    Do acórdão do Tribunal da Relação foi interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 01.03.2007, confirmou o acórdão recorrido.

  3. Neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ora recorrido, lê-se o seguinte, na parte que agora releva:

    Em causa está saber se deve ser dada preferência, na graduação dos créditos reconhecidos, em relação aos imóveis integrados na massa falida, aos dos trabalhadores recorrentes, com base em privilégio imobiliário geral, ou aos dos Bancos recorridos, com base em hipoteca.

    Os créditos dos trabalhadores e o crédito do Fundo de Garantia Salarial foram graduados, na sentença da 1ª instância, primeiro do que os créditos daqueles Bancos, não obstante estes estarem garantidos por hipoteca constituída e registada sobre alguns imóveis.

    O acórdão recorrido, pelo contrário, graduou em primeiro lugar, em relação a tais imóveis, os créditos desses Bancos.

    A hipoteca, nos termos do art.° 686°, n°1, do Cód. Civil, confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

    Por sua vez, o privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros (art.° 733° do mesmo Código). Trata-se de uma garantia que visa assegurar dívidas que, pela sua natureza, se encontram especialmente relacionadas com determinados bens do devedor, justificando-se por isso que sejam pagas de preferência a quaisquer outras, até ao valor dos mesmos bens.

    Os privilégios creditórios podem ser, como se vê do disposto no art.° 735°, n.° 1, do Cód. Civil, de duas espécies: mobiliários ou imobiliários. Os mobiliários são gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou acto equivalente, ou especiais, quando compreendem só o valor de determinados bens móveis (n.° 2 do citado art.° 735°). Já os privilégios imobiliários, segundo o n.° 3 do mesmo artigo, eram sempre especiais.

    Apesar do disposto neste n.° 3, alguns diplomas avulsos posteriores à publicação do Cód. Civil vieram criar privilégios que designaram por imobiliários gerais.

    É o caso do Dec.-Lei n.° 512/76, de 3/7, que é de considerar revogado pelo Dec.-Lei n.° 103/80, de 9/5, mas cujo art.° 2° (substituído pelo art.° 11° deste) dispunha que os créditos pelas contribuições do regime geral de Previdência e respectivos juros de mora gozavam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no art.° 748° do Cód. Civil.

    É também o caso da Lei n.° 17/86, de 14/6, que no seu art.° 12° dispõe que os créditos emergentes de contrato individual de trabalho, regulados por essa Lei, gozam de privilégio imobiliário geral (n.° 1, al. b), graduando-se antes dos créditos referidos no art.° 748° do Cód. Civil e ainda antes dos créditos por contribuições devidas à Segurança Social (n.° 3, al. b).

    Também a Lei n.° 96/2001, de 20/8, estabeleceu no seu art.° 4° que os créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei n.° 17/86 gozam de privilégio imobiliário geral (n.° 1, al. b), graduando-se antes dos créditos referidos naquele art.° 748° e ainda dos créditos da Segurança Social (n.° 4, al. b).

    Ora, quanto à eficácia dos privilégios creditórios em relação a terceiros, ou seja, ao conflito entre direitos dos credores e direitos de terceiro estabelecidos sobre os bens que constituem objecto do privilégio, há que distinguir entre privilégios mobiliários e imobiliários.

    […]

    Entende-se, assim, que o referido art.° 751° do Cód. Civil, mesmo antes da redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei n.° 38/03, de 8/3, continha e contém um princípio geral insusceptível de aplicação ao privilégio imobiliário geral, por este não incidir sobre bens certos e determinados e pelo facto de os privilégios imobiliários gerais não serem conhecidos aquando do início da vigência do actual Código Civil, o que implicava que, dizendo o n.° 3 do art.° 735° que os privilégios imobiliários eram sempre especiais, só a privilégios imobiliários especiais o dito art.° 751° se podia referir, só estes, portanto, preferindo, quer à consignação de rendimentos, quer à hipoteca, quer ao direito de retenção.

    Não se compreenderia sequer que o legislador, perante a delicadeza da questão e as dúvidas suscitadas, se pretendesse integrar os privilégios imobiliários gerais no regime do art.° 751°, não procedesse de forma expressa à alteração radical de regime que tal determinaria no que respeita àquele n.° 3 do art.° 735° e, designadamente, ao n.° 1 do art.° 686° do mesmo Código, que determina que a preferência resultante da hipoteca apenas cede perante privilégio especial (fora casos de prioridade de registo), deixando subsistir enormes dúvidas susceptíveis de provocar grave insegurança no comércio jurídico e concorrendo para defraudar legítimas expectativas dos credores hipotecários ou titulares de direito de retenção, por ele próprio criadas. Logo, se não produziu tal alteração, só pode ser porque não quis integrar os privilégios imobiliários gerais no regime do citado art.° 751°.

    Acresce que, entretanto, embora com fundamentação distinta, o Tribunal Constitucional, por razões idênticas às invocadas no seu Acórdão n.° 362/02, de 17/9/02, publicado no D.R., I Série-A, de 16/10/02, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no art.° 2° da Constituição da República, da norma constante, na versão primitiva, do art.° 104° do Cód. do I.R.S., e hoje do seu art.° 111°. na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Pública prefere à hipoteca, nos termos do art.° 751° do Cód. Civil, emitiu o seu Acórdão n.° 363/02, com a mesma data e publicado no mesmo D.R., declarando a inconstitucionalidade, também com força obrigatória geral, das normas constantes do art.° 11° do mencionado Dec-Lei n.° 103/80, de 9/5, - que é aquele onde presentemente se reconhece aos créditos pelas contribuições à Segurança Social e respectivos juros de mora privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo -, e, para evitar a sua eventual repristinação, do citado art.° 2° do Dec. Lei n.° 512/76, de 3/7, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do art.° 751° do Cód. Civil.

    É certo que é aos créditos da Fazenda Pública e aos da Segurança Social que estes acórdãos expressamente se referem, negando prevalência ao privilégio imobiliário geral de que gozam sobre a hipoteca, mas, por identidade de razões, na medida em que se trata de casos paralelos de confronto entre aquele privilégio e a hipoteca, em que o mencionado princípio da confiança impõe solução idêntica, entende-se que a sua doutrina é extensiva aos créditos laborais, implicando a inconstitucionalidade também do art.° 12° do citado Dec.-Lei n.° 17/86 na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral que nele era concedido preferiria à hipoteca.

    Invocam os ora recorrentes que a interpretação contrária é que é inconstitucional por violação do disposto nos art.°s 59°, n.°s 1, al. a), e 3, e 53°, da Constituição da República Portuguesa.

    Não se verifica, porém, uma tal inconstitucionalidade.

    É que os direitos constitucionalmente consagrados, ? inclusive os da segurança no emprego e da retribuição do trabalho, reconhecidos naqueles dispositivos -, têm de ser objecto de regulamentação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
8 temas prácticos
7 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT