Acórdão nº 157/08 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução04 de Março de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 157/2008

Processo n.º 784/07 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

  1. Relatório

    O representante do Ministério Público no Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do referido Tribunal, de 21 de Junho de 2007, “em que foi recusada a aplicação do preceituado no artigo 5.º, n.º 1, da Portaria n.º 52/91, de 18 de Janeiro, por julgada materialmente inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada no sentido de restringir os meios de prova apresentados ao abrigo do artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 335/90, exclusivamente aos de natureza documental”.

    O acórdão recorrido concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto por A. contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 6 de Dezembro de 2006 (que negara provimento ao recurso contencioso em que pedia a anulação do despacho de 14 de Maio de 2001 do Chefe de Repartição do Centro Regional de Segurança Social do Norte – Serviço Sub-Regional de Braga, que lhe indeferiu requerimento com vista ao reconhecimento do período contributivo efectuado na ex-colónia de Angola), revogou a sentença recorrida, concedeu provimento ao recurso contencioso e anulou o acto impugnado.

    O acórdão ora recorrido assentou na seguinte fundamentação jurídica:

    “II. O recorrente contencioso pediu ao tribunal a anulação do acto que lhe indeferiu a pretensão de reconhecimento do período contributivo efectuado na ex-colónia de Angola (província de Huambo), apontando-lhe, para tal, violação dos artigos 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro, e 5.º, n.º 1, in fine, da Portaria n.º 52/91, de 18 de Janeiro.

    O tribunal negou-lhe razão, por entender, fundamentalmente, que ele não comprovou ter feito quaisquer contribuições (artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 335/90), e ser impossível à Segurança Social proceder, agora, ao conhecimento oficioso das mesmas (artigo 5.º, n.º 1, in fine, da Portaria n.º 52/91).

    Inconformado com o assim decidido, o recorrente alega que a falta de prova dos períodos contributivos não o deve prejudicar, sob pena de violação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP), e que o seu pedido de reconhecimento do período contributivo não deveria ter sido indeferido sem que a Segurança Social diligenciasse, oficiosamente, pela sua comprovação, sob pena de violação do artigo 5.º, n.º 1, in fine, da Portaria n.º 52/91, de 18 de Janeiro.

    1. Na sequência do processo de descolonização, aqueles que tinham trabalhado nas nossas ex-colónias, e que aí tinham efectuado contribuições para instituições de previdência, ficaram numa situação injusta no regresso a Portugal: apesar dessas contribuições, poderia acontecer não só não terem direito ao pagamento de qualquer pensão de invalidez, velhice ou sobrevivência, mas também não serem reembolsados dos quantitativos que, a esse título, tinham pago naqueles territórios – ver preâmbulo do diploma referido de seguida.

      Foi esta situação de injustiça que o legislador reconheceu, e mediante o Decreto-Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro, pretendeu reparar (este diploma foi sendo alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 45/93, de 20 de Fevereiro, 401/93, de 3 de Dezembro, 278/98, de 11 de Setembro, e 465/99, de 5 de Novembro).

      Assim, este diploma veio reconhecer, no âmbito do sistema de segurança social português, os períodos contributivos verificados nas caixas de previdência de inscrição obrigatória dos territórios das ex-colónias até à independência desses territórios às pessoas que preenchessem cumulativamente os seguintes requisitos: a) Tenham exercido nos territórios das ex-colónias portuguesas actividade profissional por conta de outrem ou por conta própria; b) Não recebam dos novos Estados de expressão oficial portuguesa a protecção social correspondente aos períodos contributivos verificados; c) Residam em Portugal (alínea alterada pelo Decreto-Lei n.º 465/99 para «residam ou não em Portugal»); d) Não sejam pensionistas de qualquer regime de protecção social de inscrição obrigatória – artigo 1.º, n.º 1.

      No tocante à prova desses períodos contributivos, estipula o referido diploma que a abertura do processo para o reconhecimento dos períodos contributivos em questão depende da apresentação de requerimento do interessado instruído com: a) Documentos que constituam meio de prova legal da sua identificação e residência (alínea alterada pelo Decreto-Lei n.º 465/99 para «documentos que constituam meio de prova legal da sua identificação»); b) Documento que constitua meio de prova dos períodos contributivos cujo reconhecimento se pretende e de que não está a ser atribuída a protecção social correspondente à carreira contributiva verificada nas ex-colónias; c) Documento que constitua meio de prova de que a atribuição de pensões integrava o esquema de benefícios da caixa de previdência de inscrição obrigatória em causa – artigo 3.º.

      Quanto ao meio de prova exigido por esta última alínea b), o mesmo diploma prescreve o seguinte no seu artigo 5.º:

      1 – Constitui documento comprovativo referido na alínea b) do artigo 3.º a certidão emitida pela instituição de previdência que abrangeu o interessado ou instituição que lhe tenha sucedido, donde conste o correspondente registo de salários, bem como a indicação de não lhe estar a ser concedida a correspondente protecção social.

      2 – Na falta do meio de prova indicado no n.º 1, poderão ser aceites quaisquer outros que indiquem claramente os períodos contributivos verificados, bem como a correspondente situação de desprotecção.

      3 – Os meios de prova a que se refere o número anterior são apreciados pela instituição de segurança social competente, em processo administrativo, cujos termos são objecto de regulamentação por portaria do membro do Governo responsável pela área da Segurança Social.

      No cumprimento da última parte deste n.º 3, foi publicada a Portaria n.º 52/91, de 18 de Janeiro, visando estabelecer os termos desse processo administrativo para apreciação dos meios de prova apresentados pelos requerentes do reconhecimento, sempre que não disponham do meio de prova específico indicado no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 335/90.

      Nela (Portaria), sobre a natureza e características desses meios de prova, prescreve-se que devem ter natureza documental, nomeadamente certidões, certificados ou declarações escritas dimanadas de pessoas ou entidades que, por dever funcional, estivessem em situação que lhes permitisse ter conhecimento directo da situação contributiva do requerente, sendo que do conjunto desses elementos deve resultar claramente a comprovação dos períodos de contribuição – artigo 2.º, n.ºs 1 e 2. Acrescenta que a situação de desprotecção social relativamente aos períodos contributivos invocados bem como ao facto de não ter havido lugar ao reembolso das contribuições pagas deve constar desses elementos documentais, ou, se assim não for, deve ser declarada sob compromisso de honra em documento a subscrever pelo requerente – artigo 2.º, n.º 3.

      Sempre que os requerentes não instruam o requerimento com tais meios de prova, devem as instituições proceder ao seu recebimento e notificar os requerentes para os apresentarem, no prazo máximo de 60 dias, sob pena de o processo ser arquivado, sem prejuízo de eventual reabertura – artigo 3.º da Portaria.

      E quando, em resultado de apreciação no seio da instituição competente, os meios de prova forem considerados insuficientes ou inadequados, deve o requerente ser de novo notificado para, no prazo máximo de 60 dias, apresentar outros meios de prova de que eventualmente disponha ou que possa obter, sob pena de o seu pedido de reconhecimento vir a ser indeferido, salvo quando a instituição os possua ou deles possa ter conhecimento oficioso – artigo 5.º, n.º 1, da Portaria.

      Da ponderação destas pertinentes normas legais, verifica-se que dominou a pena do legislador um desígnio de justiça social e uma preocupação de rigor probatório.

      Justiça social porque se pretendeu que os retornados das ex-colónias não vissem desvalorizadas as contribuições que haviam feito naqueles territórios para as instituições de previdência ali existentes, e, por isso, não sentissem que as mesmas tinham sido em vão. Este reconhecimento dos períodos contributivos feitos nas ex-colónias significava, pois, e muito justamente, que os mesmos deveriam ser considerados como se tivessem acontecido no Portugal europeu.

      Rigor probatório porque o legislador do Decreto-Lei n.º 335/90 sublinha a exigência de prova que indique claramente os períodos contributivos verificados, bem como a correspondente situação de desprotecção (artigo 5.º, n.º 2), dando clara primazia aos meios de prova de natureza documental (artigo 3.º), enquanto o legislador da Portaria n.º 52/91 acaba por restringir a prova dos períodos contributivos aos meios de prova de natureza documental (artigo 2.º, n.º 1), apenas permitindo que, caso ela não exista, a situação de desprotecção social relativamente aos períodos contributivos invocados, bem como o facto de não ter havido reembolso das contribuições pagas, seja declarada sob compromisso de honra em documento a subscrever pelo requerente (artigo 2.º, n.º 3).

      Ora, é precisamente a esta restrição da prova dos pertinentes períodos contributivos aos meios de prova de natureza documental que o recorrente reage, alegando que a mesma viola o princípio constitucional da igualdade, pois que, esgrimindo o seu caso concreto, ele não pode ser prejudicado por não dispor, sem culpa sua, da documentação que lhe é exigida e que lhe é impossível...

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