Acórdão nº 20170/21.3T8LSB.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-09-15

Ano2022
Número Acordão20170/21.3T8LSB.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
1. CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO “E……”, identificado nos autos, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., também identificada nos autos, pedindo a condenação da ré a restituir ao autor as quantias transferidas da sua conta, no valor global de € 4.995,00, acrescida de juros, tendo contabilizado os vencidos em € 701,22.
Invocou, para tanto e em suma, que em 28-08-2020 ocorreram 5 débitos na conta bancária titulada pelo autor junto da ré, no valor de € 999,00 cada um, que ocorreram de forma sucessiva, quase em simultâneo, não tendo o autor ordenado esses movimentos, nem solicitado à ré a realização desses pagamentos, a qual, por permitir o acesso ao “cofre cuja defesa e segurança são da sua responsabilidade” deve ressarcir o autor, recolocando-o na posição em que estaria caso aqueles movimentos não tivessem ocorrido.
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2. Citada, a ré contestou invocando, em suma, que a operação de pagamento foi autenticada, corretamente registada e contabilizada e não foi afetada por avaria técnica ou outra deficiência do serviço prestado pelo prestador de serviços e, no caso de fraude, apenas por negligência grosseira pode o autor, um cliente experiente, conhecedor e frequente utilizador do serviço on-line Caixadirecta, ter permitido a realização das operações em apreço. Mais invocou a existência de causa prejudicial, com o processo crime instaurado, requerendo a suspensão da ação até proferida decisão, transitada em julgado, no aludido processo e apresentou defesa por impugnação, concluindo pela improcedência da ação e sua absolvição dos pedidos contra si formulados.
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3. Por requerimento de 08-11-2021, o autor veio juntar aos autos “cópia do despacho de arquivamento da queixa-crime que havia sido apresentada a propósito da matéria constante dos autos, e teor do mesmo”.
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4. Em 15-03-2022 foi proferido o seguinte despacho pelo Tribunal recorrido:
“Indeferimento liminar
As frações de que um edifício se compõe podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal, desde que estejam preenchidos os requisitos legalmente exigidos, cf. artigo 1414.º e 1415.º do Código Civil.
Cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns, cf. artigo 1420.º, n.º 1, do Código Civil.
A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador, cf. artigo 1430.º, n.º 1, do Código Civil.
O condomínio não tem personalidade jurídica.
Todavia, o condomínio resultante da propriedade horizontal tem personalidade judiciária relativamente a ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador, cf. artigo 12.º, alínea e) do Código do Processo Civil.
A este propósito JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código do Processo Civil Anotado, volume 1.º, 3.ª Edição, página 41, referem:
“A alínea e) concede personalidade judiciária ao condomínio, relativamente às ações em que, por ele, pode intervir o administrador, nos termos dos artigos 1433-6, CC (como réu) e 1437 CC (como autor ou réu), o que já resultava, pelo menos, desta última disposição.”
Nos termos do disposto no artigo 1437.º do Código Civil, o administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
As funções que pertencem ao administrador são as elencadas no artigo 1436.º do Código Civil.
Nos termos do disposto no artigo 1436.º do Código Civil (Funções do administrador):
“São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:
a) Convocar a assembleia dos condóminos;
b) Elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano;
c) Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro;
d) Cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns;
e) Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas;
f) Realizar os atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns;
g) Regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum;
h) Executar as deliberações da assembleia;
i) Representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas.
j) Prestar contas à assembleia;
l) Assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio;
m) Guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio.”
Tratam-se de funções de gestão corrente do condomínio resultante da propriedade horizontal.
Na petição inicial, o autor refere especificamente, as alíneas f), j) do artigo 1436.º do Código Civil, nos termos das quais, são funções do administrador realizar os atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns e prestar contas à assembleia.
A este propósito, PIRES DE LIMA, ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, III, página 454-455, referem: “Entre os actos conservatórios a que alude a alínea f) cabem, por exemplo, as providências cautelares (v.g., um embargo de obra nova realizada numa parte comum do edifício) e a interrupção de um prazo de prescrição ou de usucapião. Trata-se, conforme escreve Henrique Mesquita (est. cit., nota 124) “de actos que nada resolvem em definitivo, que não comprometem o futuro e que apenas visam manter uma coisa ou um direito numa dada situação (…)”.
No caso, o autor condomínio de prédio sito em Lisboa, peticiona a condenação da ré CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. a restituir a quantia de €4.995,00, e respetivos juros, alegando que em 28.8.2020, ocorreram 5 débitos na conta bancária do condomínio, que não foram ordenados pelo mesmo.
Todavia, a ação instaurada não se insere no âmbito dos poderes do administrador de condomínio, previstos no artigo 1436.º do Código Civil.
Em consequência, o administrador de condomínio não pode agir em juízo, faltando personalidade judiciária para o condomínio instaurar esta ação, nos termos do disposto no artigo 1437.º do Código Civil e artigo 11.º e 12.º, alínea e) do Código do Processo Civil.
A falta de personalidade judiciária constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que importa a absolvição do réu da instância, cf. artigo 576.º, n.º 1 e n.º 2, artigo 577.º, alínea c) e artigo 578.º, e artigo 278.º, n.º 1, alínea e), do Código do Processo Civil.
Ocorre exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1, do artigo 590.º, do Código do Processo Civil, pelo que importa indeferir a petição.
(…)
Pelo exposto, indefere-se liminarmente a petição.
Custas pelo autor.
Registe-se e Notifique-se (…)”.
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5. Não se conformando com a referida decisão, dela apela o autor, pugnando pelo provimento do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“(…) I - Decisão surpresa
A) Nos presentes autos o Tribunal a quo, decidiu julgar decidindo que estamos perante uma excepção dilatória: falta de personalidade judiciária, absolvendo a Ré da instância.
B) Mais considerou que se tratava de uma excepção dilatória não suprível, indeferindo a petição inicial.
C) A Ré não invocou qualquer excepção dilatória, e nomeadamente, nem sequer questionou que os actos em causa, movimentação (in)devida da conta bancária, não fossem actos próprios da Administração do Condomínio, órgão executivo.
D) Para além da petição inicial e da contestação, nenhum outro acto foi praticado no processo, não tendo em momento algum o Tribunal a quo questionado as Partes acerca de tal enquadramento técnico-jurídico.
E) Ou seja, não identificou (em 1º lugar) como possível tal entendimento, e não questionou ou possibilitou às Partes pronúncia sobre os mesmos (em 2º lugar).
F) Limitou-se a confrontar as Partes com a decisão.
G) Ao fazê-lo, violou o disposto no nº 3 do artº 3º do CPC, bem como o artº 20º da Constituição da República Portuguesa, violou frontalmente o princípio do contraditório, estruturante do processo civil português, o que em si constitui uma nulidade processual que afecta de forma inelutável a decisão, influindo na decisão da causa, tornando-a nula (cfr. nº 1, do 195º do CPC). E que por isso teria sempre que ser declarada.
II – Da existencia de personalidade judiciária
H) O Tribunal a quo entendeu que não existe personalidade judiciária do A., Administrador do Condomínio pois considerou que a acção não se insere no âmbito dos poderes do Administrador do Condomínio.
I) O Administrador tem o dever de cobrar receitas, as contribuições dos Condóminos, para que possa pagar as despesas de manutenção, de conservação, de limpeza, de segurança das partes comuns, etc.
J) O Administrador tem o dever de guardar esses valores e os utilizar em tais fins: ou seja, administrar tais quantias.
K) O Administrador tem o dever de prestar contas aos condomínios, de demonstrar onde gastou, como gastou, quando gastou.
L) Exigências fiscais, segurança, registo de créditos e débitos, e a realidade dos tempos actuais, modernos, leva a que um Condomínio com 108 condóminos utilize contas bancárias nessa actividade de gestão e administração.
M) Quem movimenta a conta é o Administrador, cabendo a este a responsabilidade pelos valores ali existentes, e, essencialmente, pelos débitos ali ocorridos.
N) No caso em apreço, ocorreram 5 movimentos, a débito, que totalizam 4.999,00€, num espaço de 1 hora, que não são reconhecidos pelo Administrador.
O) O Administrador não os executou, não deu ordens nem instruções nesse sentido, tendo a conta do Condomínio ficado despojada de tal valor.
P) O Administrador entende que existe responsabilidade da entidade bancária que permitiu tal movimentação, não assegurando de forma eficaz as medidas de segurança.
Q) Para além de ter obrigações -de cobrar, de executar, de administrar, etc – o Administrador de condomínio também tem que poder,
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