Acórdão nº 4733/19.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | JOAQUIM BOAVIDA |
Data da Resolução | 12 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – RELATÓRIO 1.1. J. D.
intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. P., pedindo que seja declarado que entre o Autor e a Ré foi celebrado um contrato de mandato, bem como que desde a data da respectiva constituição foi o demandante o verdadeiro único sócio e gerente da sociedade comercial X – Têxteis Lar Unipessoal, Lda., com a consequente condenação da Ré a reconhecer esse direito e qualidade do Autor e a abster-se da prática de quaisquer actos que o turbem ou violem, assim como a entregar-lhe tudo o que recebeu em execução desse mandato, designadamente a devolver-lhe todo o capital social, bens, dinheiro e direitos que lhe pertençam no prazo de 15 dias contados do trânsito em julgado da decisão que vier a pôr cobro à presente acção.
Para fundamentar tal pretensão, alega ter sido sócio e gerente da sociedade J. P., Lda., para cujos quadros a Ré entrou em meados de 1995 com a qualidade profissional de chefe de confecção, sociedade essa declarada falida em 17.11.2002, tendo encerrado a respectiva actividade. O estabelecimento fabril da J. P., Lda. (trabalhadores – incluindo a Ré – máquinas, utensílios, produtos, stocks, fornecedores e clientes), foi transferido para a Y Têxteis, Lda., sociedade comercial da qual o Autor era igualmente sócio e gerente, tendo a Ré continuado a prestar o seu trabalho para tal sociedade, com a mesma categoria profissional e sob as ordens desta.
Mais alega que, como quer o Autor, quer a Y Têxteis, Lda., acumulassem dívidas avultadas à Segurança Social, «deixou de convir possuir bens e direitos registados em seu nome», sendo que o ISS chegou mesmo a penhorar as contas bancárias da sociedade, o que a impedia de receber os pagamentos dos seus clientes. Por esse motivo, criou a sociedade X – Têxteis Lar Unipessoal, Lda., para a qual transferiu todas as máquinas, utensílios, produtos, stocks, fornecedores, clientes e trabalhadores da Y Têxteis, Lda., os quais, por sua vez, já vinham do tempo da J. P., Lda., que, desta forma, continuou a desenvolver a mesma actividade nas mesmas instalações.
Alega ainda que por não lhe convir possuir bens e direitos registados em seu nome, ante as dívidas acumuladas, solicitou à Ré que declarasse no pacto social da X ser ela a respectiva sócia e gerente, com vista a «criar e manter a aparência, perante terceiros credores do A. e da Y Têxteis, Lda.; que a X – Têxteis Lar Unipessoal, Lda., era detida pela R. e não por aquele», sendo que quando lhe solicitasse, mormente quando a sua situação patrimonial estivesse regularizada, a Ré transmitir-lhe-ia gratuitamente todos o capital social, bens, dinheiro e direitos que pertencessem à dita X. Acrescenta que foi ele quem custeou a constituição do capital social da X, pagou a factura emitida pela Y Têxteis, Lda., à X pela transmissão dos bens da sociedade, contratou os trabalhadores, adquiriu máquinas, utensílios, produtos e matérias-primas, contactou fornecedores e clientes e determinou todos os destinos da empresa, limitando-se a demandada a ser funcionária da sociedade e a assinar a documentação que ele, demandante, lhe solicitava que assinasse, por forma a manter a aparência criada aquando da celebração do pacto social, obviando a que ele, demandante, fosse incomodado pelos credores.
Finalmente, alega que em Novembro de 2014, aproveitando-se da sua ausência na Guiné-Bissau, a Ré passou a arrogar-se “dona” da X, procedendo à alteração dos códigos de acesso online das contas bancárias da sociedade, não mais permitindo o acesso do Autor às instalações da empresa e comunicando a trabalhadores, fornecedores e clientes que doravante passariam a lidar com ela e não com ele, demandante, incumprido o acordado entre eles.
*A Ré contestou, impugnando no essencial a factualidade alegada na p.i.
*1.2.
Realizada a audiência prévia, foi proferido saneador-sentença, a julgar improcedente a acção e, consequentemente, a absolver a Ré do pedido contra ela formulado.
*1.3.
Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões: «a) Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls., que julgou a acção improcedente e em consequência absolveu a ré apelada do pedido; b) Entende o apelante que a decisão não está correcta, tendo a Meritíssima Juiz “a quo”, incorrido além do mais, em erro de julgamento e num erro de interpretação ou de determinação da norma aplicável ou de aplicação do direito e ainda negado a tutela da jurisdição efectiva; c) Como dos autos resulta, as questões a dirimir eram as seguintes: - da qualificação jurídica do contrato celebrado; - da validade do contrato alegadamente celebrado; - na afirmativa, da responsabilidade civil da R.; d) Perante a necessidade de dirimir tais questões, entendeu o tribunal “a quo”, erradamente, quanto à qualificação jurídica do contrato, que estava em causa um contrato de sociedade e não qualquer contrato de mandato (como alegado pelo A.); e) Na verdade, os factos alegados e que consubstanciam a causa de pedir, não integram quaisquer elementos atinentes a um qualquer contrato de sociedade entre as partes, pois o A. não se associou à R. ou constituiu com esta qualquer sociedade, com o objectivo de repartição de lucros; f) Antes é manifesto que o A./apelante conluiado com a R./apelada a incumbiu de constituir uma sociedade comercial, ou seja, a instou à prática de actos como a constituição da dita sociedade “X, Lda”, a assinatura de documentos para os Bancos, contratos de trabalho e outros, mas sempre por sua instrução, dado que ele não podia ter os bens em seu nome e dessa forma evitaria a actuação dos credores ante as dívidas existentes, sendo a R. sua “testa de ferro” na sociedade, que na realidade pertencia e era gerida pelo A.; g) Pelo que, a qualificação feita pelo tribunal “a quo” de que a situação se enquadra no domínio do contrato de sociedade não tem qualquer fundamento.
Aliás, é facto que foi constituída uma sociedade comercial, mas o que importa ou que a título principal deve ser considerado é actuação feita, no caso, de que naquela sociedade constituída e por indicação do A., apesar de figurar a R./apelada como sua titular, na realidade, o seu titular é o apelante, atento o conluio feito entre as partes, com o intuito de enganar terceiros; h) E assim sendo, contrariamente ao entendimento perfilhado pelo tribunal “a quo”, o que se verificou foi a prática pela R. de diversos actos a mando do A., o que necessariamente, entre as partes, configura um mandato e não um qualquer contrato de sociedade; i) Pelo que, o tribunal “a quo” fez uma errada subsunção jurídica dos factos alegados.
j) Mais se verifica que, no entendimento do tribunal “a quo”, a acção sempre deveria improceder, motivado pela existência de vinculação dos direitos subjectivos, assumindo preponderância nesta sede o controlo e garantia do exercício do direito subjectivo quando definido no artigo 334.º do C.C. – o instituto do abuso de direito.
k) E em atenção a esta instituto que, o tribunal “a quo”, entendeu que mesmo considerando válido o acordo celebrado entre as partes, o mesmo constituía uma afronta aos princípios da ordem jurídica, ocorrendo um exercício abusivo de um direito e por consequência ilegítima a demanda efectuada pelo A./apelante e por isso, julgou a acção improcedente; l) A douta sentença proferida ao interpretar os artigos 227º nº 1, 334º e 762º nº 2 do CC nos termos em que fez, impedindo os simuladores de entre si discutirem e arguirem os actos simulatórios que praticaram ainda que fraudulentos e com o intuito de prejudicar terceiros, com a finalidade de o tribunal declarar uma determinada realidade jurídica e qualidade do A. (o verdadeiro e único sócio gerente da “X”), não só violou expressamente o artigo 242º, nº 1 do CC, como também o principio constitucional da tutela jurisdicional efectiva plasmado no artigo 20º da CRP; m) Com efeito, entre as partes nestes autos não se pode de alguma forma falar da existência de abuso de direito. Na verdade, tal como alegado, A. e R. conluiaram-se para a prática de todos aquele actos como a constituição da sociedade, com transferência de bens e créditos de clientes da antiga sociedade, evitando dessa forma a actuação dos credores; n) Pelo que, nunca a R. poderia ser absolvida do pedido, antes importava ao tribunal viabilizar ao A. a tutela do seu direito mediante a produção de prova dos factos alegados e a partir daí retirar as consequências devidas; o) Com efeito, ante a posição adoptada e decidida pelo tribunal “a quo”, a ser verdadeira e aplicável ao caso concreto, em face do alegado, irremediavelmente não seria possível intentar acções que visassem a declaração de existência de simulação em conformidade com o regime previsto nos artigos 240.º e ss do CC; p) Extrai-se dos factos alegados nos autos que o A. e a R. conluiaram-se e com o intuito de enganar terceiros, subtraindo destes o património do A. e da sociedade devedora – Y Têxteis, Lda, a R. actuando mediante instruções do A., servindo de sua “testa de ferro”, constituiu a sociedade comercial “X, Lda”, para onde passou o património daquela outra sociedade, tendo o A. financiado a sua constituição e funcionamento. Sendo...
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