Acórdão nº 70/08 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução31 de Janeiro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 70/2008

Processo n.º 1015/07

Plenário

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Por decisão instrutória de 5 de Fevereiro de 2007, a fls. 4 e seguintes, o juiz do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra decidiu, entre o mais, pronunciar os arguidos A. e B. pela prática, em co-autoria, dos crimes de tráfico de produto estupefaciente agravado, previstos e puníveis pelos artigos 21º, n.º 1, e 24º, alíneas b), c) e j) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de três crimes de receptação dolosa, previstos e puníveis pelo artigo 231º do Código Penal, de três crimes de falsificação de documento agravada, previstos e puníveis pelos artigos 256º, n.º s 1, alíneas a) e c), e 3, com referência ao artigo 255º, alínea a), do mesmo diploma legal, e de um crime de associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 28º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

      Inconformados com a parte da decisão instrutória que lhes indeferira a arguição de nulidade de certas intercepções telefónicas, dela interpuseram A. e B. recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, a fls. 247 e seguintes, tendo nas conclusões da motivação respectiva sustentado nomeadamente que, conforme se entendeu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 660/2006, “é inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1 e n.º 5, da Constituição, a norma do artigo 188º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação dada pelo tribunal segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância” (cfr. conclusão 45ª; cfr., ainda, a conclusão 46ª).

      O Ministério Público respondeu, a fls. 269 e seguintes, sustentando que se não verificava a referida inconstitucionalidade (cfr. conclusões 25 a 28), e, no parecer que emitiu, no tribunal de recurso, perfilhou idêntico entendimento (fls. 313).

      Por acórdão de 11 de Setembro de 2007, a fls. 324 e seguintes, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, podendo ler-se no texto respectivo, entre o mais, o seguinte:

      […]

    2. – Por último, consideram os recorrentes que a ordem de desmagnetização de parte do material gravado coloca o arguido na impossibilidade de se pronunciar sobre a relevância das conversas, o que violaria o direito ao contraditório.

      De acordo com o que o regime legal em vigor estipula de forma clara, tudo o que não for considerado relevante para a prova é destruído (artigo 188º, n.º 3). O objectivo desta disposição parece ser o de adquirir para o processo como prova o que seja pertinente e evitar, na medida do possível, que a invasão da vida privada das pessoas alvo de escuta alastre para lá do estritamente necessário. Foi esse, de resto, o entendimento que a Prof. Fernanda Palma fez consignar na sua Declaração de Voto lavrada no Ac. Tribunal Constitucional n.º 660/06 que os recorrentes referem (indicando por lapso o n.º 660/07): «Em minha opinião, tal norma consagra, em termos constitucionalmente admissíveis, a possibilidade de correcção pelo tribunal de uma intromissão injustificada na reserva da intimidade da vida privada do arguido ou de terceiros (artigo 26º, n.º 2 da Constituição)». É, aliás, à posição tomada nessa esclarecida declaração de voto que integralmente se adere, para ela se remetendo. Quer no que toca à questão da preponderância da defesa da reserva da intimidade da vida privada como valor contra a sua superação por um hipotético interesse do arguido em benefício da sua defesa [com a transfiguração de actos ilegítimos a priori em actos legítimos a posteriori, como com clareza se explica na citada declaração de voto] quer ainda à interpretação ali feita da “extensão” do princípio do contraditório.

      Também no sentido de considerar inadmissível a subalternização da protecção dos direitos de terceiros com a pretendida manutenção das gravações decidiu o supra citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Fevereito de 2007.

      O controlo judicial das escutas foi feito de acordo com o regime legal em vigor e a ordem de destruição do material gravado foi dada em conformidade com esse regime legal e em conformidade com a mais adequada interpretação dos preceitos constitucionais.

      Nessa medida improcedem as conclusões 42ª a 46ª da motivação dos recorrentes.

      […].

      Deste acórdão interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos (fls. 344 e seguinte):

      O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado do Acórdão de 11 de Setembro de 2007, proferido nos autos supra referenciados e limitado apenas ao segmento do decidido que julgou, no domínio da vigência do Código de Processo Penal de 1987, na versão anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29/8, não ser inconstitucional a norma do artigo 188°, n.° 3, do Código de Processo Penal (na versão referida), na interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações que o órgão de Polícia Criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo Juiz de Instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que possa pronunciar sobre a sua relevância, dimensão normativa que foi julgada inconstitucional, por violação do artigo 32°, n.°. 1, da Constituição, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 660/2006, publicado no D.R. — II Série, n.° 7, de 10/1/2007,

      Vem interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, nos termos das disposições combinadas dos artigos 70°, n.º 1, alínea g), 75°-A, n.°s 1 e 3, e 72°, n.º 1, alínea a), e n.° 3, da Lei n.° 28/82, de 15/11, e 280°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa”.

      O recurso do Ministério Público foi admitido por despacho de fls. 367.

      Os arguidos A. e B. interpuseram também recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional e versando idêntica questão de inconstitucionalidade (fls. 349 e seguintes), o qual foi admitido por despacho de fls. 382 v.º

      Foi determinada a intervenção do plenário, por determinação do Presidente do Tribunal (fls. 385).

      No seguimento do processo, o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional sustentou, nas alegações (fls. 389 e seguinte), o seguinte:

    3. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.

      Foi interposto recurso obrigatório pelo Ministério Público, nos termos do artigo 70º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, na parte em que aplicou a norma do artigo 188º, n.º 3, do Código de Processo Penal (na versão anterior à actualmente vigente), na interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de Polícia Criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância, dimensão normativa que foi julgada inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 660/2006, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Janeiro de 2007.

      Mais recentemente, também os acórdãos n.ºs 450/07 e 451/07, ambos de 18 de Setembro de 2007, se pronunciaram no mesmo sentido – www.tribunalconstitucional.pt.

      Em todos os processos em que foram produzidos os aludidos Acórdãos foi defendida pelo Ministério Público a conformidade constitucional da norma do artigo 188º, n.º 3 do Código de Processo Penal, no segmento em apreciação.

      Com os argumentos que constam das respectivas declarações de voto e para os quais remetemos, igualmente os Senhores Conselheiros Fernanda Palma, Benjamim Rodrigues, Fernandes Cadilha e Vítor Gomes sustentaram a não inconstitucionalidade da interpretação normativa em apreciação.

    4. Conclusão

    5. Não é inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 188º do Código de Processo Penal (na redacção anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto) na interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de Polícia Criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados não relevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tome conhecimento e sem que se possa pronunciar pela sua relevância.

    6. Termos em que não deverá proceder o presente recurso, confirmando-se o juízo de conformidade constitucional da decisão recorrida.

      Notificados para alegar e contra-alegar, os arguidos A. e B. fizeram-no nos seguintes termos (fls. 392 e seguintes):

      Pendem nos presentes autos os recursos interpostos pelos arguidos e pelo Digníssimo Representante do Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa, sendo certo que, em ambos se discute a mesma questão, pelo que, os argumentos que fundamentam o nosso entendimento de inconstitucionalidade (da interpretação da norma constante do artigo 188°, n.° 3 do Código de Processo Penal — sempre por referência à sua versão anterior), são precisamente aqueles que dão resposta aos apresentados nas alegações do Ilustre Procurador-Geral Adjunto nesse tribunal.

      É pois sem qualquer prejuízo de sentido que nos permitimos condensar nesta peça as nossas alegações e contra-alegações.

      O douto acórdão recorrido, interpretou a norma do artigo 188°, n.º 3, do CPP, aplicando-a, sendo certo que, quanto a nós, o caso em análise não difere de outros em que a mesma, com esse sentido, foi julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta.

      Nesses casos como no presente, o Meretíssimo Juiz de Instrução Criminal...

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