Acórdão nº 660/06 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução28 de Novembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 660/2006

Processo n.º 729/2006

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

(Conselheira Maria Fernanda Palma)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    AUTONUM 1.A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães do despacho do Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Valença que o pronunciou pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Nas respectivas alegações disse:

    (…)

    7.ª Acresce que, sem prescindir, o artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa confere ao arguido A. o direito fundamental ao contraditório relativamente aos meios de prova de que o Ministério Público se socorre para estribar a sua acusação e para a sustentar em audiência de julgamento;

    8.ª A conservação das gravações não transcritas até ao trânsito em julgado da decisão final, podendo o arguido requerer a sua audição em sede de julgamento ou de recurso para contextualizar as conversações transcritas, constitui um direito fundamental do arguido que neste caso se encontra irremediavelmente precludido, afectando a totalidade da prova colhida com violação daquela norma constitucional;

    9.ª Deste modo, o artigo 188.º, n.º 3, do CPP, na medida em que impede ao arguido exercer o contraditório relativamente às escutas telefónicas por não estarem nos autos os registos fonográficos integrais das mesmas é inconstitucional, afectando a totalidade da prova colhida com violação daquela norma constitucional.

    O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 19 de Junho de 2006, considerou o seguinte:

    (…)

    Defende, por último, o recorrente que é inconstitucional, por violação do art.º 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 188.º, n.º 3, do CPP “na medida em que impede ao arguido exercer o contraditório relativamente às escutas telefónicas por não estarem nos autos os registos fonográficos integrais das mesmas”.

    Vejamos...

    Dispõe o artigo 188.º, n.º 3, do CPP, que “[s]e o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento”.

    Por sua vez, o citado artigo 34.º, n.º 5, da CRP preceitua que: “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”.

    Como refere o Prof. Germano Marques da Silva “[e]ste princípio traduz-se na estruturação da audiência em termos de um debate ou discussão entre a acusação e a defesa. Cada um destes sujeitos é chamado a aduzir as suas razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas, a controlar as provas contra si oferecidas e a discretear sobre o resultado de umas e outras” – vd. Curso de Processo Penal, Verbo, I vol., pág. 72.

    Pois bem, não se vê como é que o preceituado no artigo 188.º, n.º 3, do CPP, na parte em que estatui que o juiz ordena a destruição dos elementos que considerar irrelevantes, viole o n.º 5 do art.º 34.º da Constituição da República Portuguesa. A ordem de destruição dos elementos irrelevantes faz parte do acompanhamento judicial da própria execução da operação de intercepção e gravação das comunicações telefónicas, imposto pelo elevado potencial de danosidade social desta intromissão.

    Com efeito, se um dos propósitos visados com o acompanhamento judicial é, como se escreve no Acórdão n.º 426/2005, do Tribunal Constitucional, “fazer depender a aquisição processual da prova a um ‘crivo’ judicial quanto ao seu carácter não proibido e à sua relevância”, então dificilmente se concebe que elementos considerados irrelevantes pelo “crivo” judicial pudessem ser utilizados, maxime para contextualizar precisamente o teor de chamadas telefónicas consideradas relevantes, e que foram transcritas integralmente, como ocorreu no caso dos presentes autos [cfr. pontos 9), 15 ) e 22)].

    Funcionando, à face da nossa lei, a intervenção judicial como garantia tanto do escutado como de terceiros, com vista a impedir a devassa sobre factos inúteis, isto é, sem relevância para a descoberta da verdade, a não destruição dos elementos considerados irrelevantes permitiria a devassa que precisamente se quis evitar com a intervenção judicial.

    Os elementos seleccionados pelo Juiz como relevantes e que são transcritos é que constituem prova. E quanto a estes elementos assiste ao arguido, ao assistente e às pessoas escutadas, nos termos do n.º 5 do art.º 188.º do CPP, o direito de examinarem o auto de transcrição, por forma a conferirem a conformidade da transcrição com a gravação e a exigirem a rectificação dos erros detectados ou de identificação de vozes. E, esta prova, junta ao processo, está sujeita ao contraditório em sede de audiência de julgamento. Nesta sede, o arguido poderá discutir o seu valor probatório, designadamente o sentido da conversação escutada.

    Concluindo, entende-se que o citado preceito não viola o art.º 34.º, n.º 5, da CRP.

    AUTONUM 2.Veio, então, o arguido interpor recurso de constitucionalidade, nos seguintes termos:

    O arguido A., notificado do douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães;

    Inconformado quanto ao conteúdo do mesmo relativamente à improcedência das inconstitucionalidades suscitadas, quer no requerimento de abertura da instrução quer nas alegações apresentadas em juízo:

    Vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional;

    Para a fiscalização concreta da inconstitucionalidade.

    Nos termos e com os fundamentos seguintes:

    Disposição legal ao abrigo da qual se interpõe o recurso:

    Artigo 70.º, n.º 1, al. b), da LOFPTC.

    Normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada:

    O artigo 180.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, porque permite a interpretação, feita no douto acórdão recorrido, segundo a qual o auto de transcrição das fitas gravadas e as referidas fitas podem ser remetidas pelo órgão de polícia criminal ao Ministério Público, uma vez que, “o Ministério Público, como titular da acção penal, não pode ficar alheado do material das escutas”;

    O artigo 180.º, nº 3, do Código de Processo Penal, na medida em que o douto acórdão recorrido interpreta a norma no sentido de permitir a destruição das fitas gravadas ou similares das conversas telefónicas, impossibilitado o contraditório consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), pois não lhe é permitido aceder na íntegra à gravação feita pelo órgão de polícia criminal, isto é, o arguido não tem como verificar se as afirmações que aparecem transcritas nos autos correspondem efectivamente às conversas gravadas, se não surgem transcritas fora de um contexto prévio e/ou ulterior, ou se contêm conversas que permitam ser utilizadas na defesa do arguido. Por conseguinte, este meio de recolha da prova só pode ser utilizado pela acusação, estando vedado ao arguido utilizar o mesmo meio e a prova que eventualmente daí resulte em benefício da sua defesa.

    Normas que se consideram violadas:

    Os artigos 32.º, n.ºs 1, 4, 5 e 8, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.

    Peças processuais em que foram suscitadas as inconstitucionalidades das normas:

    Requerimento de abertura da instrução no Tribunal Instrução Criminal da Comarca de Valença e alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães.

    Termos em que requer-se a V. Exas. se dignem admitir o presente recurso, fixando-lhe efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos.

    No Tribunal Constitucional foi proferido, pela Relatora, o seguinte despacho:

    1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que figura como recorrente A. e como recorrido o Ministério Público, é submetida à apreciação do Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, uma dimensão normativa do artigo 180.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e uma dimensão normativa do artigo 180.º, n.º 3, do mesmo Código (dimensões identificadas no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional – fls. 101).

    Quanto à questão reportada ao artigo 180.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, verifica-se que o recorrente, nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães e na resposta ao parecer do Ministério Público, não suscitou a inconstitucionalidade da dimensão normativa que pretende agora ver apreciada.

    Desse modo, não se verifica, quanto à primeira questão identificada pelo recorrente, o pressuposto do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa. Assim, não se poderá tomar conhecimento da conformidade à Constituição da dimensão normativa do artigo 180.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que o recorrente impugna.

    2. Em face do exposto, notifique-se o recorrente para, no prazo de 20 dias, produzir alegações relativamente à questão que tem por objecto o artigo 180.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, suscitando-se a presente questão prévia relativa ao artigo 180.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável nos presentes autos por força do artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional.

    O recorrente apresentou alegações nas quais concluiu:

    1.º – Decorre do artigo 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, que: “[t]oda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público, em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam...

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