Acórdão nº 81/12 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 81/2012

Processo n.º 253/11

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. A. foi condenado no Tribunal de Círculo de Loulé pela prática, em coautoria material e concurso real, de dois crimes de passagem de moeda falsa e dois crimes de abuso de confiança, na pena única de seis anos e seis meses de prisão. O julgamento ocorreu sem a presença do arguido, que tem a sua residência em Londres, Reino Unido, e que declarara autorizar que o mesmo decorresse na sua ausência. O seu defensor, oficiosamente nomeado pelo tribunal, esteve presente quer na audiência em que ocorreu a produção da prova, quer naquela em que teve lugar a leitura da sentença e publicação do acórdão, logo depositado na secretaria do tribunal. Nessa mesma data – 28 de abril de 2010 – foi expedida carta ao arguido, recebida em 3 de maio de 2010, com cópia do acórdão. No dia 7 de junho de 2010 o arguido interpôs recurso da sentença condenatória, através de advogado que para esse efeito constituiu, recurso que foi admitido no tribunal recorrido.

      Todavia, na Relação de Évora foi proferida decisão sumária a rejeitar o recurso por extemporaneidade. Houve reclamação para a conferência que, por acórdão de 27 de janeiro de 2011, a indeferiu, confirmando a rejeição, por extemporaneidade, do recurso interposto pelo arguido. No que aqui releva, diz o aresto:

      “Circunscrevendo o âmbito problemático ao que é estritamente relevante para a presente reclamação, importa decidir se tendo o julgamento decorrido na 1.ª instância na ausência do arguido, residente fora do território nacional, que deu o seu consentimento prévio a que a audiência de julgamento decorresse sem a sua presença, o curso do prazo de interposição de recurso relativamente ao acórdão que o condenou, exige a respetiva notificação, nos termos do art. 113.º, n.º 9 do CPP, ou se basta, para o efeito, a notificação na pessoa do defensor oficioso que lhe foi nomeado e que o patrocinou e esteve presente no julgamento e na audiência de publicação do acórdão. Na segunda hipótese, importa apreciar se o n.º 9 do artigo 113.0 em conjugação com o n.º 4 e 6 do artigo 334.º e o n.º 3 do artigo 373.º do Código de Processo Penal, com essa interpretação, viola o disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.

      Por último, se a rejeição do recurso pela Relação, nos termos do n.º 3 do art. 414.º do CPP, depois do mesmo ter sido admitido na 1.ª instância viola o disposto no art. 32.º da CRP ou qualquer outro preceito da Lei Fundamental e da CEDH que o reclamante convoca na sua reclamação.

      Sem embargo do respeito pela discordância do arguido em relação à decisão sumária proferida, são de todo inaceitáveis as críticas que a reputam de “claramente apressada e de ainda mais chocante ligeireza na apreciação da questão

      De facto, a decisão de que se reclama foi devidamente ponderada e justificada em termos jurisprudenciais e doutrinais, nomeadamente jurisprudência do Tribunal Constitucional, e se estivéssemos perante uma decisão com a dita ligeireza, por certo que não se justificaria tão extenso arrazoado do reclamante para defender uma posição diversa da adotada.

      Sem prejuízo do que já foi referido na decisão sumária, impõe-se salientar que o arguido A. foi representado por defensor oficioso durante toda a fase do julgamento, e só veio a constituir mandatário judicial depois da publicação do acórdão na instância recorrida.

      No próprio dia da publicação do acórdão foi-lhe dirigida carta registada para o seu domicílio no Reino Unido com vista à sua notificação do teor daquele (fls. 1255), que lhe foi efetivamente entregue em 3 de maio de 2010.

      Não está aqui em causa a notificação do acórdão condenatório ao reclamante, cuja omissão – se tivesse acontecido – não constituiria qualquer nulidade, muito menos insuprível (como defende o recorrente – pois, dita-o o art. 118.º, n.º 1 do CPP. só há nulidades nos casos expressamente previstos na lei – e, no caso, a lei não comina a falta dessa notificação como nulidade, pelo que, por exclusão de partes cairia no domínio das irregularidades, dependente de arguição – art. 123º do CPP). o que está verdadeiramente causa é saber se, nos casos em que um arguido, residente fora do território nacional, que deu o seu consentimento à realização do julgamento sem a sua presença e que neste esteve representado por defensor, basta a notificação do acórdão ao defensor, para efeitos de início do prazo de interposição do recurso, considerando-se o arguido notificado, nos termos do n.º 3 do art. 373.º do CPP, ou esse prazo terá de contar-se a partir da data posterior em que o arguido leve conhecimento dele, por lhe ter sido formalmente notificado pelo tribunal recorrido.

      É uma questão de interpretação do alcance do n.º 4 do art. 334.º do CPP.

      E este tribunal entende que, tendo o arguido, ora reclamante, consentido expressamente que o julgamento se realizasse sem a sua presença, a representação por defensor oficioso “para todos os efeitos possíveis”, de que fala a lei, importa que se considere aquele notificado do acórdão proferido, depois deste ser lido perante o seu defensor, e que o prazo para interposição do recurso comece a correr a partir da leitura desse mesmo acórdão, que foi depositado no mesmo dia em que foi publicado, e não dias depois quando o mesmo foi rececionado pelo arguido por via postal.

      No caso, o acórdão foi lido e depositado no dia 28 de abril de 2010, pelo que tendo o recurso sido interposto apenas em 7 de junho de 2010, pelo Exmo. Advogado que veio a constituir, sem que tenha sido invocado justo impedimento, não pode deixar de reputar-se extemporânea essa interposição.

      É esse o entendimento defendido no Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, a pág. 833, § 2.º, pelo Professor Pinto de Albuquerque, ob. citada, anotação 6.ª ao art. 334.º do CPP e anotação 13.ª ao art. 373.º do mesmo diploma legal.

      Como refere o Prof. Pinto de Albuquerque, ob. citada, a fls. 923, “a decisão de interposição de recurso é, com efeito, uma decisão jurídica, que não só não está reservada pessoalmente ao arguido, como compete obrigatoriamente ao defensor (art. 64, n.º 1, alínea d) e a jurisprudência do TEDH citada na anotação ao artigo 62), pelo que todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso, estão asseguradas quando se procede à notificação da sentença apenas ao defensor... mesmo que ele não tenha estado na audiência de julgamento, quando dela se ausentou voluntariamente ou foi afastado devido a uma sua conduta voluntária (artigos 325, nºs 4 e 5. e 332. nºs 5 e 6) ou quando pediu que a audiência tivesse lugar na sua ausência (artigo 334, nºs 2 e 4).”

      Impõe-se referir ainda que o art. 334.º do CPP foi alterado recentemente pela Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto, tendo o n.º 6 e o n.º 7 sofrido alterações que não beliscam a interpretação dada. O legislador apenas quis deixar claro que, fora dos casos previstos no n.º 1 e 2 do art. 334.º. o prazo para interposição do recurso se conta a partir da notificação da sentença ao arguido e que nessa notificação o arguido deve ser expressamente informado do direito a recorrer da sentença (ou do acórdão) e do prazo para o exercício de tal direito.

      Assim, o entendimento manifestado na decisão sumária não se afigura violador de qualquer preceito constitucional, nomeadamente do art. 32.º da Lei Fundamental que consagra as garantias do processo criminal.

      Reconhece-se que o Tribunal Constitucional não tem tido uma posição de unanimidade nas diversas vezes em que foi confrontado com questões de constitucionalidade respeitantes à relação entre a notificação pessoal ao arguido da sentença criminal condenatória e a garantia constitucional do direito ao recurso em processo penal, como se anota no acórdão do TC n.º 489/2008, de 7 de outubro.

      Denominador comum de todas as situações em que a questão se suscitou foi o facto de o arguido se não encontrar presente na audiência em que a decisão condenatória foi lida.

      Assim, o Acórdão n.º 59/99 julgou inconstitucional a norma do artigo 113, n.º 5, do CPP (a que corresponde o artigo 113º. n.º 7. na redação da Lei n.º 59/98. de 25 de agosto, com artigo 113º. n.º 9, na redação do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de dezembro), «quando interpretada no sentido de que a decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para ela convocado».

      No caso decidido pelo Acórdão n.º 109/99, o arguido não esteve, justificadamente, presente na audiência em que se procedeu à leitura da sentença, mas esteve presente o seu mandatário, pronunciando-se o Tribunal pela não inconstitucionalidade, nessas circunstâncias, da norma que se extrai da leitura conjugada dos artigos 411.º, n.º 1, e 113.º, n.º 5 (atual art. 113º, n.º 9), do CPP.

      O Acórdão n.º 378/03 recaiu sobre uma situação em que o arguido foi notificado da data em que viria a ocorrer a leitura da sentença (no termo da audiência de julgamento em que esteve presente). A sentença foi lida no dia designado para o efeito, na presença da defensora oficiosa do arguido. O Tribunal pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 373.º, n.º 3, conjugada com a do artigo 113.º, n.º 7 (atual n.º 9 do mesmo artigo), interpretada no sentido de a sentença lida perante o primitivo defensor nomeado, ou perante advogado constituído, se considerar

      No Acórdão n.º 429/03, idêntico juízo de não inconstitucionalidade versou sobre uma situação em que o arguido, tendo estado presente na audiência de produção de prova, na qual foi marcada a data para a leitura da sentença, não compareceu na audiência em que se procedeu a essa leitura, à qual assistiu defensor indicado pelo seu...

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