Acórdão nº 944/08.1TAFIG-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução22 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1. No âmbito do Processo Comum (Singular) nº 944/08.1TAFIG, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, entre outros arguidos, foi julgado também o arguido, ora recorrente, A...

(melhor identificado nos autos).

  1. Na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, sessão essa que teve lugar no dia 23.04.2014, o recorrente esteve presente, identificou-se e, após lhe ter sido lida a acusação e sido informado que não era obrigado a prestar declarações, declarou não pretender prestar declarações.

  2. Na segunda sessão de julgamento, realizada no dia 26.04.2014, o ora recorrente faltou, tendo o seu ilustre mandatário requerido para a acta o seguinte: “ Na qualidade de mandatário do arguido A... vem, nos termos do art.º 334°, nº 2 do Código de Processo Penal e uma vez que o arguido padece de doença oncológica, requerer a V.ª Ex.ª que a audiência prossiga na sua ausência, protestando juntar documento comprovativo do alegado, no prazo de cinco dias úteis.” 4. Por despacho datado de 16.05.2013 a Sra Juíza decidiu do seguinte modo: “Atento o teor de fls. 1421 e ss. e a posição assumida pelo M.P., o julgamento prosseguirá na ausência do arguido A... o qual ficará representado pelo seu ilustre Mandatário – cfr. art. 334° n.º 2 e 4 do Código de Processo Penal.

    Notifique” 5. Com a realização de várias outras sessões de produção de prova, nas quais o recorrente não esteve presente, foi continuando a audiência de julgamento.

  3. Depois de finda que foi a fase de produção de prova, no dia 25.07.2013, com a presença do ilustre mandatário do recorrente, teve lugar a leitura sentença cujo respectivo depósito foi efectuado nesse mesmo dia. O recorrente não esteve presente em tal acto de leitura de sentença nem esta lhe foi posteriormente notificada.

  4. Por requerimento enviado através de correio registado no dia 10.10.2013, que deu entrada naquele tribunal no dia 11.10.2013, veio o arguido/recorrente arguir a irregularidade por falta de notificação da sentença na sua própria pessoa.

  5. Por requerimento também enviado através de correio registado no dia 10.10.2013, que deu entrada naquele tribunal no dia 11.10.2013 veio o arguido interpor recurso da sentença, invocando o justo impedimento para a prática, fora do prazo legal, de tal acto processual.

  6. Na vista que lhe foi aberta em 08.11.2013, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de inexistir qualquer vício de notificação da sentença pelo facto do arguido, por ter requerido o seu julgamento na ausência nos termos do artigo 334º do Código de Processo Penal, ter estado representado pelo seu defensor. Relativamente ao alegado justo impedimento, pronunciou-se no sentido de que os argumentos invocados não demonstram a sua existência, uma vez que o arguido tinha obrigação de se informar sobre a sua situação processual.

  7. Debruçando-se sobre aquele primeiro requerimento, a Sra Juíza, em 13.12.2013, antes de designar data para inquirição das testemunhas que haviam sido indicadas pelo arguido com vista à apreciação alegado do justo impedimento, proferiu despacho a julgar improcedente a arguida irregularidade de notificação.

  8. Inconformado com este despacho, em 04.02.2014, o arguido interpôs recurso finalizando a respectiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: “1ª O arguido esteve presente na primeira sessão de julgamento, realizada em 23-04-2013, sendo que na segunda requereu, ao abrigo do artigo 334.° n.° 2 do Cód. Proc. Penal que por padecer de doença oncológica, a audiência prosseguisse na sua ausência. Tal requerimento veio a ser deferido por despacho transitado em julgado, aí se consignando que o arguido ficaria representado pelo seu mandatário. O arguido não compareceu nas sessões seguintes de julgamento nem nas datas porque foram duas - agendadas para a leitura da sentença a qual foi lida na segunda vez que foi agendada presença do signatário.

    O arguido foi notificado por carta expedida com prova de depósito da segunda data designada para a leitura da sentença, não tendo comparecido.

    O arguido não foi notificado da sentença, nem pessoalmente nem por carta expedida por prova de depósito.

    1. - O artigo 113.° nº 10 do Cód. Proc. Penal, estabelece a obrigatoriedade de notificação da sentença na pessoa do arguido e do seu mandatário desde que respeitante à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, sendo que neste caso o prazo para a prática de qualquer ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação feita em último lugar, o chamado melhor prazo. Os carateres são nossos.

    2. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, na sua obra citada, pág 198, estabelece uma distinção em anotação ao artigo 63° do Cód Proc Penal, dos direitos reservados ao arguido.

      Assim, “a lei processual admite que o defensor exerça todos o direitos do arguido com excepção de certos direitos que ela reserva pessoalmente a este. Os direitos reservados ao arguido incluem o direito a um processo penal de estrutura acusatória e o direito ao recurso”.

    3. - Se os direitos reservados ao arguido incluem o direito ao recurso ele não pode ser exercido se o arguido não for notificado da decisão, ainda que esteja dispensado ou não de estar presente na data da leitura de decisão. Por isso o legislador que aqui andou bem estabeleceu que não comparecendo na audiência para ouvir a leitura da decisão, nesse caso, a fim de efectivar o direito ao recurso que o arguido tem, direito esse reservado ao arguido, tem de lhe ser feita a notificação prevista no artigo 113.º nº 10, que pode ser por prova de depósito simples em harmonia com o disposto no artigo 196.° nº 3 c) e d) ambos do Cod. Proc. Penal.

    4. GERMANO MARQUES DA SILVA, Ob. e loc. cits, ensina: “Em regra, as notificações do arguido, do assistente e das partes civis são feitas ao respetivo defensor ou advogado. Ressalvam-se desta regra as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação do dia para julgamento, à sentença e as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, em todos esses caos exige-se a notificação pessoal do interessado além da notificação do defensor”, sic, sendo os caracteres nossos.

    5. - O arguido suscitou a irregularidade pela falta da sua notificação por prova de depósito da sentença em violação do artigo 113.° n.° 10 do Cód Proc Penal, sendo que sobre essa arguição de irregularidade veio a ser proferido despacho - do qual se recorre - que decidiu a inexistência da irregularidade por força da decisão ter sido notificada na pessoa do seu mandatário e que por força dessa notificação feita na pessoa do seu mandatário assegura todas as garantias de defesa incluindo o direito ao recurso. O arguido foi representado, quando não esteve presente em audiência de julgamento pelo seu mandatário.

      Não se concorda, com esta decisão.

    6. - O aplicador da lei conhece-a, sabe raciocinar sobre ela e conhece a respetiva teleologia.

      O disposto no artigo 113.° n.° 10 do Cód. Proc. Penal, tem de ser devidamente articulado com o disposto no artigo 32º nº 1 da CRP e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Este preceito tem, de resto, de ser interpretado de acordo com o direito ao recurso consagrado ao arguido. Só o arguido pode decidir - e não o seu mandatário - se quer ou não recorrer. Trata-se de tirar todas as consequências do princípio da primazia da norma constitucional, devendo os tribunais « preferir » a norma da lei fundamental, devendo para o efeito deixar de aplicar as normas infraconstitucionais incompatíveis com aquela.

    7. - O defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido , salvo os que ela reservar pessoalmente a este, artigo 63.º n.º 1 do Código de Processo Penal.

    8. - No caso, a lei no artigo 113.°n.° 10 do Cód. Proc. Penal reserva pessoalmente ao arguido, a notificação por prova de depósito da sentença. Só arguido pode ou não recorrer da decisão contra ele proferida Só assim se assegura o direito ao recurso, sendo um direito do arguido e só dele recorrer da decisão.

    9. - Neste sentido encontra-se o artigo 333º do Cód. Proc. Penal que estabelece a obrigatoriedade de notificação da decisão a arguido julgado na ausência e só a partir dessa notificação se conta o prazo de recurso. Não faz sentido o legislador proteger os direitos de um arguido relapso no que à presença em julgamento tange e não o fazer no que ao arguido que compareceu mas que tem motivo e que foi julgado atendível para não comparecer. No mínimo este arguido tem que ter os mesmos direitos do arguido relapso, que são, entre outros, de ser notificado da decisão por prova de depósito. O princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei consagrado no artigo 13.º da norma normarum, é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e Social. Impõe a igualdade na aplicação do direito “fundamentalmente assegurada pela tendencial universalidade da lei e pela proibição de diferenciação de cidadãos com base em condições meramente subjetivas”, J. J. Gomes CANOTILHO, VlTAL MOREIRA, Ob. e loc. cits 11ª Não tendo o tribunal mandado comparecer o arguido tem de lhe assegurar mesmo direito que o arguido que é julgado na ausência.

      Não o mandou comparecer em audiência mas mandou-o comparecer na data da leitura da decisão o que co-honesta este entendimento do arguido.

    10. E de facto a lei assegura esses direitos aos arguidos em ordem a poderem recorrer, o que de resto é uma exteriorização do princípio do acusatório que impera no nosso processo penal. De facto a interpretação do artigo 113º n º 10 só pode ser a que é, de que o arguido tem de ser notificado da sentença quando não está presente na audiência de discussão e julgamento, pois só assim se assegura o direito ao recurso, bem como, só assim se cumpre o principio do acusatório, ou seja, aquele no qual o Código de Processo Penal, de resto em obediência ao...

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