Acórdão nº 331/11 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Gomes
Data da Resolução07 de Julho de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 331/2011

Processo n.º 621/10

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Por sentença de 29 de Março de 2008, no âmbito do Processo Comum Colectivo que, sob o n.º 14217/02.OTDLSB, correu termos pela 2ª Vara Criminal de Lisboa, a arguida A. foi condenada, em cúmulo jurídico, pela prática de crimes de burla qualificada, emissão de cheque sem provisão, falsificação e insolvência dolosa, na pena única de 10 (dez) anos de prisão e proibida do exercício de qualquer cargo na função pública, pelo prazo de 5 (cinco) anos após o cumprimento da pena de prisão.

    A arguida interpôs recurso da decisão condenatória (acórdão do tribunal colectivo) para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 21 de Maio de 2009, lhe concedeu provimento parcial, do que resultou a condenação na pena única de 6 (seis) anos de prisão e a revogação da pena acessória. Quer a arguida, quer o Ministério Público interpuseram recurso do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.

    A arguida interpôs ainda um outro recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão posterior, em que a Relação decidiu não apreciar um requerimento em que a arguida invocava a incompetência do tribunal de 1ª instância que procedeu ao seu julgamento com fundamento em que na sua composição fora violado o princípio do juiz natural.

    Por acórdão de 12 de Maio de 2010, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu: (i) rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso, quanto aos crimes pelos quais a arguida foi condenada e questões com eles relacionadas; (ii) admitir o recurso da arguida relativamente à pena única; (iii) julgar improcedente o recurso quanto à questão da violação do juiz natural e ocorrência da nulidade insanável relativa à composição do tribunal; (iv) determinar que o recurso prosseguisse para audiência de julgamento no tocante à questão da pena única, decidindo-se também, por essa ocasião mas em conferência, o recurso do Ministério Público.

    Por acórdão de 27 de Maio de 2010, o Supremo Tribunal e Justiça decidiu negar provimento ao recurso da arguida. E por acórdão da mesma data, concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e impôs à arguida a pena acessória de proibição do exercício de actividades compreendidas na função pública que desempenhava pelo período de cinco anos.

  2. A arguida interpôs para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), os seguintes recursos que foram admitidos e prosseguiram seus termos, estando agora para apreciação:

    1. - Do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de Maio de 2009, visando a apreciação da inconstitucionalidade da “interpretação do art.º 374.º n.º 2 do CPP segundo a qual a exposição ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito que fundamenta a decisão seja efectuada sem a indicação e exame crítico das provas e argumentos apresentados pelo arguido na contestação sem as quais a convicção do Tribunal se não pode formar validamente, por violação do art.º 32.º n.º 1 da C.R.P.” (fls. 8641/8731);

    2. - Do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2010, visando a apreciação da inconstitucionalidade “do art.º 68.º, n.º 3 e 71.º, n.ºs 1, 3 e 5, da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais, ao tempo vigente quando interpretado no sentido de ser permitido ao Conselho Superior da Magistratura escolher dois Juízes Vogais fora do quadro complementar ou bolsa, ou por substituição ou acumulação, nem sequer, afectos a Tribunais criminais ou de instrução criminal ou sem formação nesta área específica, para compor um Tribunal colectivo de competência especializada em grande instância criminal – 9ª Vara Criminal de Lisboa –, ad hoc para um determinado processo, com exclusão de qualquer outra actividade na Vara Criminal, por violação das mais elementares regras de salvaguarda dois direitos dos arguidos, consubstanciados no n.º 9 do art.º 32.º da C.R.P.”(fls. 9727/9743) ;

    3. - Do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2010 (fls. 10021), visando a apreciação da “inconstitucionalidade da interpretação do conceito normativo que resulta do art.º 97.º n.º 2 e 379.º do Cód.Proc.Penal, segundo o qual é suficiente fundamentar-se uma decisão sobre o cúmulo jurídico das penas, com uma mera expressão de concordância com a decisão de que se recorre, em geral, e acrescida da mera “repescagem” de adjectivos sobre a personalidade da arguida retirada dessas decisões, as quais não tiveram em conta e não afastaram prova testemunhal transcrita tempestivamente pela arguida a partir de gravações em audiência, e que se reportam a uma globalidade factual que não tem em conta a absolvição em segunda instância de mais de metade dos ilícitos por que veio a ser residualmente condenada, por falta de fundamentação bastante e omissão de pronúncia, e em violação flagrante do art.º 205.º da C.R.P.” (fls. 10021/10055).

  3. A recorrente apresentou alegações relativamente aos três recursos, mas sem conclusões. Tendo a deficiência sido assinalada pelo assistente, o relator proferiu o seguinte despacho: “ … ao abrigo do n.º 4 do artigo 690.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, convido a recorrente a formular conclusões concisas, claras e precisas, rigorosamente limitadas às questões de constitucionalidade, sob pena de não se conhecer do objecto do recurso na parte afectada”.

    Respondendo ao convite, a recorrente apresentou conclusões do seguinte teor:

    A)

    QUESTÃO DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

    CONCLUSÕES:

    1 – A recorrente, na pendência de recurso para o Tribunal da Relação, suscitou a incompetência material do Tribunal de primeira instância por violação do principio do Juiz natural, arguindo em antecipação a inconstitucionalidade de dimensão normativa cuja interpretação fundamentou o indeferimento em recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça.

    2 – A recorrente apresenta agora recurso para o Tribunal Constitucional, dessa decisão do Supremo Tribunal de Justiça.

    3 – A recorrente entende que a composição do Tribunal de primeira instância violou as regras legais, gerais e abstractas, que definem quais os Senhores Juízes que podem constituir o Tribunal colectivo.

    4 – Nomeadamente, havendo necessidade de recorrer a outros Juízes que não aqueles titulares da vara criminal para onde o processo foi distribuído, as tais regras legais, gerais e abstractas, determinam que sejam seleccionados os senhores Juízes que pertencem à “bolsa” a que alude o artº 71º nº 1, 3 e 5 da Lei de Organização e Financiamento dos Tribunais Judiciais.

    Da questão em concreto

    5 - Para o Julgamento em primeira instância foram os presentes autos distribuídos 9ª Vara Criminal de Lisboa, a qual, em 18/9/2006, notificou a recorrente da data de inicio do Julgamento para o dia 12/4/2007 (mais de seis meses depois).

    6 - Chegado ao aprazado dia 12/4/2007, a recorrente constata que o douto tribunal colectivo se compunha com Sr. Dr. Juiz Presidente da 9ª Vara, Dr. B., assessorado por dois outros Juízes que não estavam afectos a essa Vara, no caso, os Srs. Drs. C. e Dr. D..

    7 – A recorrente presumiu, então, que os dois Juízes vogais teriam saído da denominada bolsa a que alude o artº 71º nº 1, 3 e 5 da Lei da Organização e Financiamento dos tribunais judiciais, ou seja ao quadro complementar de Juízes do distrito judicial.

    8 – Não se questiona o impedimento dos Juízes titulares da 9ª vara Criminal – a acumulação de serviço nas varas é notória, sendo perfeitamente razoável o recurso à bolsa.

    9 – Acontece, todavia, que os Srs. Doutores Juízes vogais, sabe-o agora a recorrente, não pertenciam à bolsa, ou quadro complementar de Juízes.

    10 – Na verdade, o Sr. Dr. C. era titular do 8º Juízo e o Sr. Dr. D., titular do 11º Juízo, ambos dos Juízos de Pequena Instância Cível Liquidatária de Lisboa.

    11 – Tendo tido acesso aos despachos do Conselho Superior de Magistratura da autoria do Sr. Dr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente E., verifica a recorrente que os mesmos Srs. Juízes Vogais foram colocados em regime de acumulação na 9ª vara – “face à disponibilidade pelos mesmos manifestada”.

    12 – A seguir, se apresentam transcrições dos dois despachos, de 11/4/2007 e 12/4/2007 no designado processo de acumulações relativo à 9ª Vara Criminal de Lisboa, do Conselho Superior da Magistratura

    Despacho de 11/4/2007

    O requerimento de fls. 140, subscrito pelos Exmos. Juízes da 9ª Vara Criminal de Lisboa, é, com o devido respeito, pouco claro, importando, por isso, que sejam prestados melhores esclarecimentos para uma adequada tomada de posição.

    Dá-se nele notícia de que estão agendados, naquela Vara Criminal

    – na lª Secção, o julgamento no proc. 14217/02.0TDLSB, e em 2 processos apensos, com início em 12.04.2007;

    – na 2ª Secção, o julgamento dos processos 1469/02.4JFLSB, com início em 24.04.2007, e 200/02.9JELSB, a iniciar em 30.04.2007.

    E acrescenta-se que, além destes, outros processos têm julgamentos agendados até Outubro.

    Dada a extensão e complexidade dos processos acima identificados, os requerentes “vêem com grande apreensão a realização dos julgamentos em simultâneo”, e por isso sugerem

    - que o juiz da lª Secção presida ao primeiro dos julgamentos, integrando o Colectivo dois juízes a designar pelo CSM, e “mantendo-se também como asa às quartas-feiras”;

    - que o outro julgamento (sic) seja realizado pelos Juízes da 2ª e 3ª Secções ( ...) “sendo juiz asa uma das Colegas do TIC que, para isso, já informalmente se disponibilizaram – Dra F. ou Dra G. – sendo que a que não fizesse o julgamento asseguraria as presenças das quintas-feiras, em que o juiz da lª Secção está impedido no 1º julgamento referido”.

    Os julgamentos devem, obviamente, ser presididos pelo juiz a quem foram distribuídos os processos respectivos, sendo o Colectivo formado com os dois restantes Juízes da Vara.

    É de presumir, face aos elementos (n.º de arguidos e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT