Acórdão nº 135/12 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução07 de Março de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 135/2012

Processo n.º 772/11

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

A., Lda., deduziu junto do Tribunal Tributário de Lisboa impugnação judicial do indeferimento da reclamação graciosa respeitante a atos tributários de liquidação oficiosa da taxa sobre a comercialização de produtos de saúde, relativa aos anos de 2000 e 2001, e a atos tributários de liquidação oficiosa da taxa sobre a comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal, referentes aos anos de 2002 a 2004, e respetivos juros compensatórios, invocando, além do mais, a inconstitucionalidade da norma do artigo 103.º, da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, por violação do princípio da não retroatividade fiscal, em relação às taxas relativas aos meses compreendidos entre janeiro e março de 2000.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 12 de julho de 2011, decidiu julgar a impugnação parcialmente procedente, tendo recusado a aplicação da norma do artigo 103.º, da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, à liquidação da “taxa sobre a comercialização de produtos de saúde”, prevista no artigo 72.º da aludida lei, na parte respeitante aos meses de janeiro a março de 2000, por entender que a mesma viola o princípio da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.

Tendo havido recusa de aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:

A Magistrada do Ministério Público, junto deste Tribunal, vem, aos autos supra identificados, nos termos dos artigos 280º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, 70º nº 1 al. a) e 72º nº 1, al a) e nº 3 da Lei 28/82 de 15/11, alterada pelas Leis 85/89 de 7/9 e 13-A/98 de 26/2, interpor recurso para o Tribunal Constitucional da douta sentença de fls. 719 e seguintes proferida nos autos à margem referenciados, confinado ao aspeto em que desaplicou o disposto no artº 103º da Lei nº 3-B/2000 de 4 de abril à liquidação da taxa do ano de 2000, na parte respeitante aos meses de janeiro a março, efetuada pelo INFARMED ao abrigo do disposto no artº 72º da Lei nº 3 – B/2000 de 4 de abril, por entender ser tal norma violadora do principio da não retroatividade da lei fiscal consignado no artº 103º, nº 3 da Constituição da Republica Portuguesa.

O Ministério Público apresentou as respetivas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

“[…]

  1. Poderá, assim, concluir-se, da análise efetuada no âmbito das presentes alegações, que, tal como referido pela jurisprudência deste Tribunal Constitucional – e igualmente reconhecido pela sentença recorrida –, o princípio geral da proibição de cobrança, pelo Estado, de impostos retroativos, encontra-se contemplado, desde a revisão constitucional de 1997, no art. 103º, nº 3 da Constituição.

  2. Decorre deste preceito constitucional, que qualquer norma fiscal desfavorável será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroativa, sendo a expressão «retroatividade» usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico: proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável.

  3. Significa isto que, numa tal imposição constitucional, “não pode deixar de estar ínsita uma garantia forte de objetividade e autovinculação do Estado pelo Direito”.

  4. Sendo certo, por outro lado, que “a mera natureza retroativa de uma lei fiscal desvantajosa para os particulares é sancionada, de forma automática, pela Constituição, qualquer que tenha sido, em concreto, a conduta da administração fiscal ou do particular tributado”.

    Ou seja, “o juízo de inconstitucionalidade decorre apenas da mera análise dos dados normativos, não dependendo, em nenhum momento, da averiguação de quaisquer elementos circunstanciais que resultem da condição, em concreto, de uma certa relação jurídico-tributária.”

  5. No caso dos autos, as “taxas” aplicadas, pelo Infarmed, à impugante A., têm a natureza de imposto, pelo que lhes é aplicável o disposto no art. 103º, nº 3 da Constituição e, consequentemente, a proibição da retroatividade da lei fiscal.

  6. Este imposto foi criado pelo Lei 3-B/2000 – Lei do Orçamento de Estado para 2000, lei, essa, publicada em 4 de abril de 2000, não existindo, anteriormente, tal imposto no nosso ordenamento jurídico.

  7. Nessa medida, ao procurar retroagir os seus efeitos ao início do ano de 2000, o referido diploma violou a proibição da retroatividade da lei fiscal, prevista no art. 103º, nº 3 da Constituição.

    Com efeito, “o tributo em causa foi criado, dotado de efeitos retroativos, porque se projetam em data anterior à data da publicação da lei que o criou”.

  8. Terá, pois de concluir-se que assiste razão à impugnante, “violando a interpretação que o Infarmed fez da legislação em causa o princípio da não retroactividade da lei fiscal”

  9. Nestes termos, deverá negar-se provimento ao presente recurso, confirmando-se, na linha do anteriormente decidido por este Tribunal Constitucional, a sentença recorrida, de 12 de julho de 2011, do Tribunal Tributário de Lisboa.”

    A recorrida A., Lda., apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

    1. O Tribunal Tributário de Lisboa considerou que o artigo 72.º da Lei 3-B/2000, de 4 de abril, que tinha criado a taxa de comercialização de produtos de saúde, quando aplicada aos meses de janeiro, fevereiro e março, conforme previsto pelo artigo 103.º da referida Lei 3-B/2000, de 4 de abril, revestia natureza retroativa.

    2. O Ministério Público recorreu (por imperativo legal) da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa que considerou inconstitucional a aplicação da taxa de comercialização de produtos de saúde aos meses de janeiro, fevereiro e março, na medida em que a tal estava obrigado por força dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 72.º, n.º 3, da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), peticionando, contudo, a confirmação da Sentença Recorrida.

    3. A Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, no seu artigo 72.º, criou a denominada taxa sobre a comercialização de produtos de saúde.

    4. Esta taxa incidia sobre o volume de vendas de cada produto, tendo, porém, por referência, o respetivo preço de venda ao consumidor final.

    5. A Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, estabelece, no seu artigo 103.º, que produz efeitos a partir de 1 de janeiro de 2000, o certo é que a referida lei só entrou em vigor no dia 4 de abril de 2000, ou seja, no dia da sua publicação, nos termos e para os efeitos do artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, o que determina que a sua aplicação aos meses de janeiro, fevereiro e março de 2000 é retroativa.

    6. Com a revisão constitucional de 1997 o artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, anterior artigo 106º, consagrou o princípio de irretroatividade da Lei Fiscal.

    7. Conforme resulta dos vários Acórdãos do Tribunal Constitucional citados, tanto na Sentença Recorrida, como nas Alegações do Ministério Público, tem sido entendimento uniforme do Tribunal Constitucional que a retroatividade proibida no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição é a retroatividade própria ou autêntica.

    8. O artigo 103.º, n.º 3, da Constituição proíbe a aplicação de uma lei nova a factos tributários plenamente formados antes da entrada em vigor dessa mesma lei.

    9. Embora o diploma legal que estabeleceu a taxa sobre a comercialização de produtos de saúde, denomine o tributo em apreço como taxa, o certo é que o mesmo constitui um verdadeiro imposto, qualificação esta que se encontra unanimemente reconhecida.

    10. A taxa de comercialização de produtos de saúde consubstancia não só um imposto, como um imposto de obrigação única.

    11. Assim, a aplicação (retroativa) da taxa sobre a comercialização de produtos de saúde, aos meses anteriores ao da entrada em vigor da referida taxa (que entrou em vigor no dia da sua publicação, i.e. 4 de abril), nos termos previstos no artigo 103.º da referida Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, constitui a aplicação retroativa, de forma plena ou autêntica, do referido tributo, em termos não permitidos pelo artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, na medida em que os factos tributários em causa já se encontravam plenamente verificados.”

    Fundamentação

    1. A decisão recorrida recusou a aplicação do disposto no artigo 103.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, na parte respeitante à liquidação da “taxa sobre a comercialização de produtos de saúde”, criada pelo artigo 72.º da aludida Lei, relativamente aos meses de janeiro a março de 2000, com fundamento em inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3.º da Constituição da República Portuguesa.

    Vejamos, antes de mais, o teor das referidas normas.

    O artigo 72.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, sob a epígrafe «Taxa sobre comercialização de produtos de saúde», determinava o seguinte:

    1 – Os produtores e importadores, ou seus representantes, de produtos de saúde colocados no mercado ficam sujeitos ao pagamento de uma taxa de comercialização destinada ao sistema de garantia da qualidade e segurança de utilização daqueles produtos, à realização de estudos de impacte social e ações de formação para os agentes de saúde e consumidores, a realizar pelo INFARMED – Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento.

    2 – A taxa a que se refere o número anterior é de:

    a) Produtos farmacêuticos homeopáticos, dispositivos médicos não ativos e dispositivos médicos para diagnóstico in vitro – 0,4%;

    b) Cosméticos e produtos de higiene corporal – 2%.

    3 – A taxa incide sobre o volume de vendas de cada produto, tendo por...

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