Acórdão nº 683/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução20 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 683/2022

Processo n.º 339/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. A., SA (A., SA) interpôs recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de fevereiro de 2022, pedindo a fiscalização do disposto nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º, do Regime Jurídico da CESE (RJCESE), na redação conferida pelos artigos 237.º e 238.º da Lei n.º 82-B/2014 de 31 de dezembro e no artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real que resultam dos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, do princípio da equivalência e da proporcionalidade (artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 266.º, da Constituição da República Portuguesa), dos princípios da confiança, da segurança jurídica e da não-retroatividade da Lei Fiscal (artigos 2.º e 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa) e do princípio da especificação orçamental (artigo 105.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa).

2. A., SA propôs Impugnação Judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra contra o indeferimento do recurso hierárquico interposto da reclamação graciosa apresentada contra a (auto-)liquidação de Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) no valor de € 3.677.704,94 referente ao ano de 2015.

O Tribunal julgou a impugnação judicial totalmente improcedente e, inconformada, a recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que lhe negou provimento, confirmando a decisão em 1.ª instância.

3. A., SA interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:

vem interpor (…) recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e para os efeitos do disposto no artigo 75.º-A da mesma Lei, nos termos e com os seguintes fundamentos:

1.º

Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo proferido em 02.02.2022 foi negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente da sentença proferida em 30.03.2021 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que havia julgado improcedente a impugnação judicial da autoliquidação da Contribuição Extraordinária do Setor Energético (CESE) relativa ao exercício de 2015.

2.º

A ora Requerente invocou na petição inicial de impugnação judicial e nas alegações de recurso a inconstitucionalidade das normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do Regime Jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro - Lei do Orçamento de Estado para 2014 - e prorrogado pelo artigo 237.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, para o exercício de 2015, com a redação que lhe foi conferida pelo artigo 238.º do mesmo diploma), bem como da norma do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 82-B/2014, na parte em que aprova os Mapas V e VI do Orçamento de Estado para 2015, por violação dos seguintes princípios:

• Princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o lucro real (cf. artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, "CRP") em sentido próprio e enquanto corolário do princípio da igualdade (cf. artigo 13.º da CRP);

• Princípios da equivalência e da proporcionalidade (cf. artigos 18.º, n.º 2 e 266.º da CRP) em sentido próprio e enquanto corolários do princípio da igualdade (cf. artigo 13.º da CRP);

• Princípios da proteção da confiança, da segurança jurídica e da não retroatividade da lei fiscal (cf. artigos 2.º e 103.º, n.º 3, da CRP); e

• Princípio da especificação orçamental (cf. Artigo 105.º, n.º 1, alínea a), da CRP).

3.º

Relativamente às inconstitucionalidades invocadas, tanto o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra como o Supremo Tribunal Administrativo pronunciaram-se sobre as mesmas e consideraram que não se verificavam.

4.º

Resumindo o exposto, conclui-se que:

• O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro;

• As normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada são as dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do Regime Jurídico da CESE e o artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Orçamento do Estado para 2015, na parte que aprova os Mapas V e VI;

• Os comandos constitucionais violados pelas referidas normas são o princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o lucro real (cf. artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, "CRP") em sentido próprio e enquanto corolário do princípio da igualdade (cf. artigo 13.º da CRP); os princípios da equivalência e da proporcionalidade (cf. artigos 18.º, n.º 2 e 266.º da CRP) em sentido próprio e enquanto corolários do princípio da igualdade (cf. artigo 13.º da CRP); os princípios da proteção da confiança, da segurança jurídica e da não retroatividade da lei fiscal (cf. artigos 2.º e 103.º, n.º 3, da CRP); e o princípio da especificação orçamental (cf. artigo 105.º, n.º 1, alínea a), da CRP).

• A inconstitucionalidade das referidas normas foi suscitada na petição inicial de impugnação judicial e nas alegações de recurso, tendo tanto o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra como o presente Tribunal (STA) interpretado e aplicado as normas em apreço nas decisões sub Júdice.

Termos em que se requer a V. Exas. que, admitido o presente recurso, se sigam os demais termos legais.

4. O Tribunal “a quo” admitiu o recurso, com subida imediata e nos próprios autos.

Recebidos os autos no Tribunal Constitucional e depois de notificada para o efeito, a recorrente apresentou alegações, concluindo pela seguinte forma:

“1. O contexto em que o legislador português aprovou (cf. artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro - "Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2014") o regime da CESE, a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2014, teve em vista, principalmente, financiar os custos decorrentes das opções políticas adoptadas no sector de produção de energia eléctrica, designadamente a redução da dívida tarifária associada à assunção dos CIEG.

2. A vigência desta contribuição foi sendo sucessivamente prorrogada, mantendo-se ainda em vigor.

3. Esta contribuição é devida pelas pessoas singulares ou colectivas que exerçam actividades relacionadas com a exploração de centros electroprodutores, que sejam titulares de licença de produção de electricidade, concessionárias de actividades de transporte ou de distribuição de electricidade, concessionárias de actividades de transporte, distribuição ou de armazenamento de gás natural, titulares de licença de distribuição local de gás natural, operadores de refinação de petróleo bruto e de tratamento ou distribuição de produtos de petróleo, comerciantes grossistas de electricidade, de petróleo bruto ou de produtos de petróleo, com domicílio fiscal ou com sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português a 1 de Janeiro de 2018.

4. Não obstante a norma de incidência subjectiva o regime da CESE prevê inúmeras isenções, abrangendo actividades/entidades que, apesar de integrarem o sector energético não têm esta obrigação tributária.

5. Em termos de incidência objectiva, a CESE incide sobre o valor dos elementos do activo que respeitem a activos fixos tangíveis, activos fixos intangíveis (excepto os elementos provenientes de propriedade intelectual) e activos financeiros afectas às concessões ou às actividades licenciadas supra referidas (artigo 3.º, n.º 1 do regime jurídico da CESE), considerando-se como "valor dos elementos do activo", para estes efeitos, o valor dos activos líquidos reconhecidos na contabilidade dos sujeitos passivos (artigo 3.º, n.º 4, do regime jurídico da CESE).

6. Contudo, se a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo for uma actividade regulada pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), a CESE incide sobre o valor dos activos regulados, caso esse valor seja superior ao valor dos elementos do activo, conforme previsto no artigo 3.º, n,º 3 (na redacção à data dos factos, e actual n.º 4), do regime jurídico da CESE. Em virtude da alteração introduzida ao regime jurídico da CESE pela Lei n.º 33/2015, de 27 de Abril, a CESE incide igualmente sobre o valor económico equivalente dos contractos de aprovisionamento de longo prazo, em regime de take-or-pay, dos sujeitos passivos comercializadores do SNGN.

7. De acordo com o artigo 1.º do Regime Jurídico da CESE, o tributo teria um objetivo dúplice, sob a égide da finalidade geral de promoção da sustentabilidade sistémica do sector: 1) redução do défice tarifário do sector elétrico e 2) financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético. Sendo que, a afetação a essas duas subfinalidades seria de um terço da receita para a primeira e de dois terços para a segunda, afetação que resulta igualmente do disposto no artigo 4.º do Decreto- Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, diploma que cria o FSSSE.

8. Em face das enunciadas finalidades que presidiram à criação da CESE, verifica-se no cerne das mesmas um objetivo de arrecadação de receitas com vista ao custeio de despesas públicas. Esse é, pois, o objetivo principal assumido no relatório do Orçamento do Estado e no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 55/2014, qual seja o do contributo do sector para o esforço de consolidação orçamental.

9. A afetação preponderante ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético é de tal modo vaga e indeterminada, face à ausência de...

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