Acórdão nº 83/07.2BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução28 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I. RELATÓRIO S.....,Lda (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recursos, do despacho interlocutório de 22.04.2009 proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, no qual foi indeferida arguição de nulidade, e da sentença proferida a 15.01.2009, no mesmo TAF, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que, por seu turno, visou as liquidações oficiosas de taxa sobre a comercialização de produtos de saúde, relativas aos meses compreendidos entre janeiro de 2000 e dezembro de 2004.

Nas alegações de recurso atinentes ao despacho interlocutório concluiu nos seguintes termos: “ 1.ª Sem que tivesse sido notificada de qualquer decisão que recaísse sobre o requerimento de inquirição de duas testemunhas por si formulado na petição inicial, a Impugnante e ora Recorrente foi notificada da decisão final proferida nos presentes autos, que decide do mérito da causa julgando improcedente a Impugnação e que nada diz sobre a requerida produção de prova: nem quanto à sua necessidade ou desnecessidade, nem sequer quanto ao facto de ter sido apresentado tal requerimento.

2a Arguida pela Recorrente a nulidade processual consubstanciada na omissão de despacho que apreciasse o referido requerimento probatório por si apresentado, o Tribunal a quo veio indeferir a arguida nulidade por considerar que «a lei não impõe qualquer despacho sobre os requerimentos de produção de prova», entendimento com o qual a Recorrente não pode deixar de discordar.

3a A necessidade da realização das diligências pode ser controlada objectivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, podendo, por isso, ser apreciada em recurso a correcção da decisão de recusa de realização de qualquer diligência.

4a É a obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais, consagrada constitucionalmente no art. 205° n° 1 da Lei fundamental, que garante às partes a possibilidade de reagir contra tais decisões, sendo precisamente uma das funções do dever de fundamentação dos actos o permitir a sua sindicabilidade pelo visado, assim se obstando à arbitrariedade da entidade decisora na medida em que se exige a explicitação das razões de facto e de Direito que presidiram à decisão, por forma a permitir às partes reagir contra a decisão caso discordem dessas razões.

5a Com efeito, é o dever de fundamentação das decisões judiciais que impõe que, tendo sido requerida a produção de prova pela Impugnante, o Tribunal a quo tenha de proferir despacho sobre esse requerimento no qual explicite as razões pelas quais decidiu ser desnecessária a produção de prova, por forma a que esse seu juízo possa ser sindicado pela Impugnante.

6ª Entender que não é necessário proferir qualquer despacho a indeferir o requerimento apresentado pela Impugnante, de produção de prova testemunhal, bastando que tal indeferimento se extraia implicitamente da marcha do processo, como faz o despacho recorrido, é admitir que pode haver decisões judiciais de indeferimento tácitas e portanto necessariamente não fundamentadas.

7ª Tal entendimento manifestado no despacho recorrido atenta contra as mais elementares garantias dos particulares, violando de forma flagrante o direito da ora Recorrente a uma tutela jurisdicional efectiva e o dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrados nos arts. 268.° n.° 4 e 205.° n.° 1 daCRP .

8a É inegável que a decisão de dispensar a inquirição de testemunhas é relevante, podendo influir decisivamente na decisão da causa, como o é no caso sub iudice, em que a Impugnante reputou a inquirição das testemunhas por si arroladas como essencial para a prova de factos por si alegados.

9a Mesmo depois de notificada da sentença, atento o seu teor — não se dizendo se se decidiu de imediato porque os autos já continham toda a matéria de facto relevante para a decisão da causa, sendo desnecessária a produção de mais prova ou se, pura e simplesmente, por lapso, não foi apreciado o requerimento de produção de prova apresentado com a petição inicial —, a Impugnante continuou sem saber quais as razões que levaram à não inquirição das testemunhas por si requerida ou sequer se tal requerimento de produção de prova fora ou não apreciado pelo Tribunal a quo, pelo que é manifesta, no caso sub iudice, a necessidade de notificação à Impugnante e ora Recorrente de despacho fundamentado que aprecie o requerimento de prova por si formulado.

10a Acresce que, não é nada inútil a notificação à Impugnante e ora Recorrente do despacho, fundamentado, que aprecie (ainda que indeferindo) o requerimento probatório apresentado em sede da petição inicial, dado que, uma vez notificado à Impugnante e ora Recorrente esse despacho, a Impugnante, ao poder recorrer desse despacho, poderá dar a conhecer ao Tribunal a quo as razões pelas quais considera essencial para a boa decisão da causa a inquirição dessas testemunhas, podendo o Tribunal a quo, designadamente em face dessas razões invocadas em sede de recurso, inclusivamente reparar a decisão recorrida e ordenar ainda a produção de prova recorrida.

11a Como tal, ao não ter sido proferida qualquer decisão sobre a inquirição de testemunhas requerida pela Impugnante, estamos perante a omissão de acto processual que a lei impõe ao consagrar o dever de fundamentação das decisões judiciais, omissão esta que pode influir decisivamente na decisão da causa”.

O recurso foi admitido, com subida a final e com efeito meramente devolutivo.

O Infarmed – Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, IP (doravante Recorrido ou Infarmed) apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: “1.ª Das disposições conjugadas do n.° 1 do artigo 113.° e do artigo 114.° do Código de Procedimento e Processo Tributário, resulta que, quanto à oportunidade do conhecimento do mérito da causa, o que importa é saber se, sendo a questão também de facto, o processo fornece os elementos necessários para a prolacção da sentença.

2.ª Trata-se de uma decisão essencialmente vinculada e dlrectamente imposta pela lei, pelo que não carece de qualquer fundamentação adicional nem existe violação do n.° 1 do artigo 205.° da Constituição.

3.ª A bondade do conhecimento imediato do mérito da causa só pode ser questionada pela Impugnante em sede de recurso que eventualmente interponha da decisão que venha a recair sobre esse mérito da causa, conforme resulta do artigo 712.° do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.°, e), do Código de Procedimento e Processo Tributário.

4.ª A decisão judicial quanto à suficiência de determinados elementos probatórios para a decisão judicial quanto ao mérito não viola o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva consagrado no n.° 4 do artigo 268.° da Constituição, visto que a Impugnante goza de outras garantias processuais, designadamente em sede de recurso da decisão final, no caso de vir a demonstrar-se o desacerto da decisão quanto à suficiência ou insuficiência das provas em causa”.

Por seu turno, o recurso da sentença foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “ 1.ª A douta sentença sub judice é nula, nos termos do art. 125.°, n.° 1, do CPPT, o que expressamente se argui, por não ter conhecido a questão da inaplicabilidade do art. 72.º da Lei n ° 3-B/2000 atenta a base de incidência nele definida e a consequente ilegalidade das liquidações efectuadas ao abrigo desse diploma, ou, no limite, da contagem de juros, questão esta que lhe foi expressamente submetida pela Recorrente na impugnação judicial (cfr. os seus artigos 236.° a 263.°), não tendo o conhecimento dessa mesma questão ficado prejudicado pela solução dada a outras.

2.ª A douta sentença sub judice é também nula, nos termos do art. 125.°, n.° 1, do CPPT, o que expressamente se argui, por não ter conhecido das questões da falta de credenciação, da falta de notificação da nota de diligência e da falta de notificação do relatório final da inspecção a que o próprio Infarmed se auto-vinculara e ainda da ultrapassagem do prazo máximo de duração da inspecção, questões estas que lhe foram expressamente submetidas pela Recorrente na impugnação judicial (cfr. os seus artigos 52.°, 54.°, 83.° a 119° e 134° a 142°), não tendo o conhecimento dessas questões ficado prejudicado pela solução dada a outras.

3.ª A douta sentença sub judice contém um erro evidente na alínea H) dos factos provados, pois como decorre dos Docs. n.°s 1 a 60 que se encontram anexos à reclamação graciosa que, por sua vez, constitui o Doc. n.° 1 junto à petição inicial e que consubstanciam cópia dos actos de liquidação oficiosa, que aliás são expressamente referidos na alínea D) dos factos provados (que julgou como provado estarem em causa “liquidações oficiosas”), não se deduziu (neste caso) reclamação graciosa contra um acto tributário de autoliquidação, mas sim reclamação graciosa contra sessenta actos de liquidações oficiosas.

4.ª Assim, deve a douta sentença ser rectificada - nos termos do art. 667.° do CPC - ou então alterada - nos termos do art. 712.°, n.° 1, alínea a) do CPC - de modo a passar a constar, na alínea H) dos factos provados, em vez de “[...] deduziu reclamação graciosa contra o acto tributário de autoliquidação [...]”, a menção “[...] deduziu reclamação graciosa contra os actos de liquidação oficiosa […]”.

A douta sentença sub judice fez errada aplicação do disposto no art. 113.°, n.° 1, do CPPT, na medida em que conheceu imediatamente do pedido sem que as questões a decidir fossem apenas de Direito e sem que o processo fornecesse já todos os elementos necessários.

5.ª A douta sentença sub judice padece dos vícios de erro de julgamento e insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão proferida, sendo essencial à boa decisão da causa a ampliação da matéria de facto...

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