Acórdão nº 3976/06.0TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução15 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA, treinador de futebol, residente na Rua ..., propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB, jornalista, CC, editor, DD, Diretor do Jornal “Record”, com residência profissional, na ..., e “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA”, empresa proprietária do Jornal “Record”, com sede na ..., pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de €60.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, e a quantia de €70.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com juros sobre aquela quantia, contados a partir da data da citação, bem assim como a publicar a sentença condenatória, nas páginas do Jornal “Record”/”Revista Dez”, alegando, para o efeito, e, em síntese, que foi atleta profissional de futebol, entre os anos de 1989 e 2002, tendo sido publicada uma notícia, na “Revista Dez”, integrante do Jornal “Record”, na sua edição de sábado, dia 26 de Março de 2005, em cuja capa, em título aposto na sua parte inferior e sobre uma fotografia do autor, se pode ler «Juventus: escândalo de doping», sendo que, no interior da revista, foi publicado um texto, encimado pelo título «Factura por cobrar».

O autor aparece, assim, ligado ao consumo de «doping» pelos jogadores da equipa de futebol da Juventus de Turim, durante o período em que na mesma foi profissional de futebol.

Porém, a notícia é falsa, ofendendo, gravemente, a sua honra e consideração pessoal, infligindo-lhe danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que enuncia e ascendem ao montante peticionado.

O réu BB foi o autor do texto, que escreveu na sua qualidade de jornalista, o réu CC era, em Março e Abril de 2005, o editor e adjunto da Direcção da Revista «Dez», o réu DD o Director do Jornal “Record” e da Revista «Dez» e a ré sociedade a empresa proprietária daquele jornal e desta revista.

Na contestação, os réus concluem pela improcedência da acção, alegando, para o efeito, que o artigo em questão demonstra, precisamente, o não envolvimento do autor no escândalo de «doping» da Juventus, e que, de todo o modo, em relação ao réu DD, não se alega qualquer facto para fundamentar a responsabilidade do mesmo, inexistindo facto ilícito, nem nexo de causalidade entre a sua conduta e os danos alegados pelo autor, nem culpa, até porque foi exercido o direito fundamental de informar.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, condenou os réus DD e “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA” no pagamento ao autor do quantitativo indemnizatório de €38.000,00, sendo €15000,00, a título de danos não patrimoniais, e €23000,00, a título de danos patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença e até pagamento, e ainda na publicação do extrato da sentença, absolvendo, porém, os réus BB e CC do pedido contra si formulado e os demais da restante parte do peticionado.

Entretanto, os réus invocaram a nulidade de todos os depoimentos prestados, em sede de audiência de julgamento, relativamente aos quais não houve registo, no sentido de ser repetida a prova testemunhal em causa.

Tendo-se declarado verificada a nulidade derivada da omissão da gravação da prova produzida na sessão de julgamento realizada, no dia 5 de Maio de 2008, foram anulados o encerramento da audiência de discussão, a decisão da matéria de facto e a sentença.

Autor e réus interpuseram recursos de agravo daquela decisão, que foram admitidos para subir, diferidamente.

Designado dia para a continuação da audiência de julgamento, foi, após decisão da matéria de facto, proferida sentença, que julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, condenou os réus CC, DD e “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA” no pagamento ao autor da indemnização de €15.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença e até pagamento, e na publicação do extrato da sentença, absolvendo, porém, o réu BB do pedido contra si formulado e os demais da restante parte do peticionado.

Com esta decisão, de novo, inconformados, autor e réus interpuseram recursos de apelação, tendo o Tribunal da Relação negado provimento aos recursos de agravo, e concedido parcial procedência aos recursos de apelação e, em consequência, alterou a sentença apelada, julgando a acção, parcialmente, procedente e condenando os réus BB, DD e “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA”, nos termos constantes daquela sentença, tendo-se em consideração, na publicação do extrato da mesma, a alteração ora operada, no que respeita aos réus condenados.

Deste acórdão da Relação de Lisboa, os réus e o autor interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões: OS RÉUS: 1ª – O Tribunal da Relação ao pronunciar-se sobre o elemento da "culpa" quando da petição inicial não constam quaisquer factos que indiciem aquele pressuposto, pratica um acto de "pronúncia indevida", que constitui, fundamento de recurso.

2ª - A verdade é que a decisão em recurso, considera que os recorridos actuaram de forma dolosa quando, em parte alguma dos articulados ou da base instrutória, consta qualquer facto, passível de retirar a referida conclusão.

3ª - Por fim, a verdade é que, a decisão em recurso, estaria sempre, em oposição com os artigos 483° e 487° do Código Civil, bem como, com o princípio do dispositivo previsto no número 2 do artigo 264°, Código do Processo Civil, ao condenar os recorrentes sem que, tenham sido alegados os factos constitutivos da procedência desse direito.

4ª - Para além disso, a verdade é que, entendem os recorrentes que, o Tribunal "a quo", confunde o princípio do dispositivo com as regras da divisão do ónus da prova.

5ª - Isto porque, independentemente de se concordar ou não com a tese de que, existe uma responsabilidade objectiva do Director, tal nunca desobrigaria a parte, que pretenda beneficiar desse regime, de alegar os factos concretos dos quais dependem o seu direito.

6ª - Até porque, nos termos do artigo 349° do Código Civil, uma presunção mais não é do que, uma "ilação que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido.".

7ª - Ora, nos termos do princípio do dispositivo o Tribunal apenas pode tomar "conhecimento" dos factos que lhe são apresentados pelas partes sendo que, no caso concreto, o recorrido não levou ao conhecimento do Tribunal, um único facto com base no qual, fosse possível retirar uma presunção.

8ª - Teria sempre o recorrido de alegar os factos que, em abstracto seriam passíveis de serem subsumíveis ao conceito de dolo ou mera culpa.

9ª - Com efeito, dispõe o número 2 do artigo 660°, do Código do Processo Civil que, o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

10ª - Os factos constitutivos do direito do recorrido não são de conhecimento oficioso, nem foram "suscitados" pelo recorrido, pelo que, face aos limites que resultam do princípio do dispositivo envolvente das normas do número 1, do artigo 264° e artigo 664°, ambos do Código de Processo Civil, ao decidir sobre o "dolo" e "culpa" o Tribunal "a quo" pronunciou-se sobre factos que não foram apresentados pelo autor e dos quais não podia conhecer.

11ª - Por tudo isto, entendem as recorrentes que a decisão viola o disposto no número 1, do artigo 264°, artigos 483°, 487° e 664°, todos do Código de Processo Civil, bem como o artigo 349° do Código Civil.

12ª - A aplicação do artigo 487° do Código Civil não poderá levar a presumir que o Director, "teve conhecimento prévio" e de que podendo, não se opôs a que o artigo fosse publicado.

13ª - Por isto, mesmo que se entendesse que existe uma presunção, que o Tribunal "a quo" retira do artigo 20° da Lei da Imprensa, nunca se poderia concluir que a publicação foi feita "com conhecimento e sem oposição do Director", pois esse elemento constitutivo, está previsto no artigo 29° da Lei da Imprensa.

14ª - Assim, entendem os recorrentes que a sentença ao condenar a sociedade detentora do título, sem que tenha sido feita prova do conhecimento e falta de oposição do Director, viola expressamente, os artigos 342°, 351° e 487° do Código Civil, o número 2, do artigo 29° da Lei da Imprensa.

15ª - Entendem os recorrentes que, ao condenar o Director por um texto que estes não elaboraram, a sentença viola os artigos 483° e 484° do Código Civil, números 1 e 2 do artigo 29° da Lei n° 2/99 de 13 de Janeiro (Lei de Imprensa) e artigo 26° do Código do Processo Civil.

16ª - Para além disso, a responsabilidade do Director, mesmo que fosse decorrente da referida presunção de culpa, não poderá ser confundida com os pressupostos da responsabilidade da sociedade detentora do título.

17ª - É que, a responsabilidade da sociedade detentora do título, apenas opera quando o Director tenha tido conhecimento prévio do artigo e não se tenha oposto à sua publicação.

18ª - Ora, a presunção em que o Acórdão em recurso se baseia, advém das funções que o artigo 20° da Lei da Imprensa impõe ao Director.

19ª - Contudo, em parte alguma da Lei da Imprensa se presume que, os Directores dos jornais, tenham conhecimento prévio e se consigam opor à publicação de todos os artigos.

20ª - Da mesma forma, inexiste qualquer norma que imponha ao Director, a obrigação de tomar conhecimento prévio de todos os artigos antes dos mesmos serem publicados.

21ª - A presunção que o Tribunal "a quo" entende existir, e na qual baseia a condenação do Director do jornal, não poderá ser confundida com os factos constitutivos de que dependem a responsabilidade da empresa jornalística, previstos no número 2, do artigo 29° da Lei da Imprensa.

22ª - Em rigor, para que a responsabilidade da empresa jornalística operasse nos termos que o Tribunal "a quo" sugere, teria de existir a obrigação...

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