Acórdão nº 825/06.3TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Fevereiro de 2012
Magistrado Responsável | NUNO CAMEIRA |
Data da Resolução | 28 de Fevereiro de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
Relatório AA propôs uma acção ordinária contra Estado Português, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe:
-
Os preparos que liquidou no recurso da decisão da 1ª instância, no valor de 178,00 €, acrescido de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento; b) O custo da certidão, junto como documento nº 1, no montante de 58,74 €, acrescido de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento; c) A quantia de 83.670,06 €, a título de indemnização pelos danos morais que lhe foram causados; d) Os juros vincendos, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, a calcular sobre o montante de indemnização arbitrado a final; e) As custas e todas as demais despesas que venha a despender com esta acção, a liquidar a final.
Em resumo, alegou ter sido indicado como testemunha pelo Ministério Público no processo que com o nº .../96.8JAPRT correu termos pela 8ª Vara Criminal de Lisboa, aí tendo comparecido e prestado depoimento.
No dia 13/4/04, e mediante prévia convocatória nesse sentido, compareceu na Esquadra da PSP, onde foi notificado da sentença proferida naquele identificado processo.
Tal sentença condenava-o a pagar ao Estado a quantia equivalente em euros a 33.548.681$00, condenação que não entendeu visto ter sido ouvido apenas como testemunha no processo.
Interpôs recurso da decisão, que veio a ser declarada inexistente por acórdão da Relação de Lisboa.
Em virtude daquela condenação, ilegal e ilícita, sofreu os danos patrimoniais e morais que discrimina e cujo ressarcimento pretende.
O réu contestou.
Por excepção, alegou a incompetência do tribunal em razão da matéria, sustentando que a jurisdição competente é a administrativa, e ainda a caducidade do direito accionado, por ter decorrido mais de um ano sobre o trânsito em julgado do acórdão da Relação de Lisboa que decidiu definitivamente a situação do autor.
Por impugnação, contrariou a versão dos factos invocados na petição inicial e concluiu pela improcedência da acção por entender que não foi cometido nenhum facto ilícito no exercício da função jurisdicional; isto porque a condenação do autor - que não desembolsou qualquer quantia - baseou-se na interpretação de normas de direito e na valoração dos factos e da prova.
O autor replicou, mantendo na íntegra a posição defendida na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção da incompetência material, mas procedente a excepção da caducidade e, em consequência, absolveu o réu do pedido.
O autor recorreu e a Relação deu-lhe razão, tendo o Supremo Tribunal, por acórdão de 27/3/08, confirmado a decisão da 2ª instância que julgou improcedente a referida excepção. De novo na 1ª instância, fixou-se a matéria de facto assente e controvertida e conheceu-se dos pedidos formulados sob as alíneas a) e b) da petição, julgando-os improcedentes. Realizado o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente provada, condenou o réu a pagar ao autor a quantia de 10.000 € a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até ao efectivo reembolso.
Ambas as partes apelaram.
Por acórdão de 14/6/11 (fls 558 e sgs) a Relação, depois de introduzir algumas modificações na matéria de facto, julgou totalmente improcedente a apelação do réu e parcialmente procedente a do autor, fixando a indemnização a pagar-lhe pelo Estado Português no montante de 25.000 €.
Deste acórdão pediram revista o réu e, subordinadamente, o autor.
O recurso do autor foi julgado deserto por falta de alegações (fls 597).
O réu, por seu turno, formulou as seguintes conclusões: 1) - Estes autos têm a sua origem no processo comum colectivo n° .../96.8 JAPRT da 3ª Secção da 8ª Vara Criminal de Lisboa, em que o aqui autor foi condenado a pagar uma quantia monetária ao Estado ao abrigo do disposto no artº 111° n°s 2 e 4 do Código de Processo Penal, como “terceiro de má fé”; 2) - Tal decisão não pode considerar-se ferida de erro grosseiro, apesar de ter sido posteriormente revogada por uma outra decisão proferida, em sede de recurso, por um Tribunal Superior; 3) - A questionada decisão do colectivo que, à data, constituía a 3ª Secção da 8ª Vara Criminal de Lisboa, longe de poder atribuir-se a um lapso indesculpável, palmar, evidente, consagrando soluções absurdas, graves e claramente arbitrárias que demonstrem, sem margem para dúvidas, a negligência culposa do julgador, inscreve-se, pelo contrário no exercício da actividade de apreciação das provas e da interpretação e aplicação das normas que constituem o núcleo essencial da função de julgar, protegido e tutelado por normas legais constitucionais e infra-constitucionais, sendo, por isso, insusceptível de gerar responsabilidade civil, sob pena de ofensa aos princípios fundamentais da independência dos Tribunais e dos Juízes.
4) - Inexiste, pois, acto ilícito gerador de responsabilidade aquiliana por parte do Estado Português.
5) - Para além disso, tomando em conta a matéria dada como provada pelo Tribunal recorrido, não é possível extrair factos que estabeleçam o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos invocados pelo autor.
6) - Percorrendo os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido somente o quesito 1º - “Ao tomar conhecimento da decisão judicial referida na alinea A) da matéria assente o autor ficou nervoso, deixou de falar e desmaiou...” - reflecte uma ténue coincidência meramente temporal entre ambos os elementos, o que é manifestamente insuficiente para considerar que a decisão de condenação do autor constitua causa adequada para provocar os efeitos danosos por ele alegados.
7) - De qualquer modo, e fazendo apelo aos legais critérios de previsibilidade, normalidade e razoabilidade, o segmento do acórdão da 3ª Secção da 8ª Vara Criminal de Lisboa de 1/3/04 que condenou o autor a pagar ao Estado a quantia em euros equivalente a 33.548.681 $00, jamais se poderia considerar causa adequada dos danos que invocou, pois o autor sempre admitiu como possível e até como provável a frustração do negócio de compra do imóvel realizado nas circunstâncias descritas no referido acórdão e que levaram aquele Tribunal a considerá-lo como “terceiro de má fé”. Tanto mais que o autor foi constituído arguido, como melhor consta de fls. 107 a 246 (que, por brevidade, aqui se reproduzem integralmente, para todos os efeitos); 8) - Dito de outra forma, o autor foi condenado como “terceiro de má fé”, não propriamente por ter “ido à missa”, mas por ter praticado, conscientemente, factos que à luz da legislação em vigor constituíam crime, cujo procedimento criminal, à data do mencionado acórdão da 3ª Secção da 8ª Vara Criminal de Lisboa, já estava legalmente prescrito.
9) - Ao condenar o réu Estado Português a pagar ao autor 25.000 mil € e juros a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes de acto praticado no exercício da função jurisdicional, o acórdão recorrido violou, por erro de aplicação e de interpretação, as normas dos artºs 203° e 216° da Constituição, 395° e 665° do CPC, 4° e 5° do Estatuto dos Magistrados Judiciais (aprovado pela Lei n° 21/85 de 30 de Julho e alterado pelas Leis n° 342/88 de 28 de Setembro, n° 2/90 de 20 de Janeiro, n° 10/94 de 5 de Maio, n° 44/96 de 3 de Setembro, n° 91/98 de 3 de Dezembro, n° 143/99 de 31 de Abril e n° 42/2005 de 29 de Agosto), 3° e 4° da LOFTJ (aprovada pela Lei n° 3/99 de 13/1 e alterada pelo Dec.-Lei n° 38/2002 de 8/3 e pelas Leis n° 105/2003 de 10/12 e n° 42/2005 de 29/8), 483° n° 1, 496° e 563°, todos do Código Civil.
10) - O acórdão agora em crise atribui uma indemnização superior, em 75%, à fixada na primeira instância.
Com base nestas conclusões pediu a revogação do acórdão da 2ª instância e a sua substituição por outro que absolva o Estado Português da totalidade do pedido formulado pelo autor.
O autor contra alegou, defendendo a improcedência do recurso.
II.
Fundamentação
-
Matéria de Facto 1) O autor foi indicado pelo Ministério Público como testemunha no âmbito do Procº nº .../96.8JAPRT, que correu termos na 3.ª Secção da 8ª Vara Criminal de Lisboa.
2) No âmbito do processo referido...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 30060/15.3T8LSB.L3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020
...136/14.0TBNZR.C1.S1). Cfr., ainda, no mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.02.2012 (Proc. 825/06.3TVLSB.L1.S1), de 29.01.2014 (Proc. 277/11.6TBEAVR.C1.S1), de 23.10.2014 (Proc. 1668/12.0TBSLB.L1.S1), de 24.02.2015 (Proc. 2210/12.9TVLSB.L1.S1) e de 12......
-
Acórdão nº 3743/11.0TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Setembro de 2015
...numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas” (cfr. sumário do Ac. do STJ de 28-02-2012, proferido no Proc. 825/06.3TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt – que “condensou a jurisprudência deste Supremo Tribunal, quando o facto ilícito em causa é constituído por um erro de direit......
-
Acórdão nº 1155/09.4TBVRL.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Outubro de 2014
...sentido e com particular relevo para o caso, é de considerar o que consta do Acórdão do STJ de 28.02.2012, proferido no processo nº825/06.3TVLSB.L1.S1 e publicado integralmente em Vejamos, pois se é o que ocorre nos autos. Sabemos que na opinião do Autor/Apelante “a decisão recorrida viola ......
-
Acórdão nº 2746/16.2T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Dezembro de 2016
...pág. 26. [24] Acórdão do STJ de 08-07-1997, in CJSTJ, V, Tomo II, pág. 153. [25] In www.dgsi.pt: Ac. STJ de 28-02-2012, processo 825/06.3TVLSB.L1.S1.
-
Acórdão nº 30060/15.3T8LSB.L3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020
...136/14.0TBNZR.C1.S1). Cfr., ainda, no mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.02.2012 (Proc. 825/06.3TVLSB.L1.S1), de 29.01.2014 (Proc. 277/11.6TBEAVR.C1.S1), de 23.10.2014 (Proc. 1668/12.0TBSLB.L1.S1), de 24.02.2015 (Proc. 2210/12.9TVLSB.L1.S1) e de 12......
-
Acórdão nº 3743/11.0TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Setembro de 2015
...numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas” (cfr. sumário do Ac. do STJ de 28-02-2012, proferido no Proc. 825/06.3TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt – que “condensou a jurisprudência deste Supremo Tribunal, quando o facto ilícito em causa é constituído por um erro de direit......
-
Acórdão nº 1155/09.4TBVRL.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Outubro de 2014
...sentido e com particular relevo para o caso, é de considerar o que consta do Acórdão do STJ de 28.02.2012, proferido no processo nº825/06.3TVLSB.L1.S1 e publicado integralmente em Vejamos, pois se é o que ocorre nos autos. Sabemos que na opinião do Autor/Apelante “a decisão recorrida viola ......
-
Acórdão nº 2746/16.2T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Dezembro de 2016
...pág. 26. [24] Acórdão do STJ de 08-07-1997, in CJSTJ, V, Tomo II, pág. 153. [25] In www.dgsi.pt: Ac. STJ de 28-02-2012, processo 825/06.3TVLSB.L1.S1.