Acórdão nº 3743/11.0TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA GRA
Data da Resolução29 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

3743/11.0TBSTS.P1 Acordam na Secção Cível (1ª Secção), do Tribunal da Relação do Porto:*I – B… veio deduzir contra o Estado Português acção declarativa, sob a forma ordinária, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de €75.000, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Fundamentou o Autor a sua pretensão no facto de ter sido, em 03 de Julho de 2002, detido e preventivamente preso, no âmbito de inquérito que corria nos serviços do M.P. de V. N. de Gaia, só em Junho de 2003 tendo sido libertado, tendo sido, após a realização do respectivo julgamento, absolvido, absolvição que foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/07/2010, entretanto transitado em julgado, pelo que esteve injustificadamente preso pelo período referido.

Mais alegou a sua condição de pessoa de bem, bom pai, marido, vizinho e funcionário judicial, enumerando os danos não patrimoniais sofridos com a reclusão.

O Réu contestou, alegando que a detenção e decretamento da prisão preventiva foram ordenadas e mantidas por despachos proferidos por magistrados competentes para o efeito e dentro do quadro legal, por decisões que transitaram em julgado após recursos interpostos pelo arguido, pelo que não está em causa a sua legalidade, de modo a poder dizer-se que se está perante actos ilícitos.

Mais alegou que, ainda que os despachos proferidos em 1ª instância tivessem sido revogados, seria ainda necessário, para haver lugar a indemnização, que tal revogação resultasse de uma situação de manifesta, objectiva e deficiente aplicação das leis, e não de uma aplicação que, embora não tenha sido a melhor, resulte de uma interpretação possível e aceitável.

Alegou ainda o Ré que, não sendo as decisões em causa manifestamente ilegais, não resultaram também de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependeu a previsão preventiva, antes se revelando justificada, quando proferidas, a conclusão pela necessidade da prisão preventiva do Autor, não constituindo a sua posterior absolvição, que está a jusante do decretamento e manutenção daquela, fundamento para a acção.

Impugnou também o Réu a matéria concernente à personalidade do Autor e danos pelo mesmo alegados, terminando por considerar exagerado o valor da indemnização peticionada e pugnando pela improcedência da acção e sua absolvição.

Foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e, oportunamente, foi proferida a respectiva sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o Réu Estado Português do pedido formulado pelo Autor B….

*Inconformado, o A. recorreu e apresentaram as respectivas alegações onde, nas conclusões, defende que: 1. A decisão que determinou a prisão preventiva do A. considerou fortemente indiciada a prática de várias infracções cuja prova não dependia, muito menos essencialmente, do depoimento de outras pessoas. Dependia de prova pericial, e, documental, pois para que o Autor tivesse praticado tais crimes era absolutamente essencial dar por indiciado o aproveitamento económico obtido com a sua actividade.

  1. Muito embora lícita quanto aos cânones processuais cabíveis, a perduração de uma situação de privação de liberdade pelo período de cinco meses, que a final do processo instrutor se veio a revelar injustificada, é, de per si, em abstracto, e segundo qualquer padrão aferidor de carácter objectivo, particularmente grave e de especial danosidade para a esfera jurídico-pessoal de qualquer cidadão médio em termos de comportamento cívico, isto é, para o cidadão que é suposto ser o querido pela ordem jurídica.

  2. A absolvição é nesta como em qualquer acção deste tipo, perante a lei vigente, uma condição indispensável para que possa colocar-se a questão sobre a existência do dever do estado indemnizar um seu cidadão pelos prejuízos que sofreu na sua esfera jurídica com uma decisão judicial que determinou a sua prisão preventiva.

  3. Será sempre possível que em relação a qualquer cidadão que sejam dados como provados factos que, em conjunto com outros (que quedaram por demonstrar), poderiam levar à sua condenação criminal.

  4. Não são as meras hipóteses, possíveis na imaginação dos homens, mas descredibilizadas perante o direito criminal que determinam a punição dos criminosos e só dos criminosos, presumindo-se a inocência de qualquer indiciado, até ao momento final do processo.

  5. Só há duas qualidades de arguidos: os condenados e os absolvidos. Não, por isso, um meio termo, sejam quais forem as suspeitas que se construíram à volta deles, das histórias que encheram os jornais e construíram «as convicções».

  6. A mera circunstância de uma decisão errada ser confirmada por outra decisão errada de um tribunal superior, não afasta de per si o erro anterior! 8. Nem a sentença recorrida, nem a decisão que determinou a prisão preventiva do A., nem o despacho que determinou a sua libertação indicam de forma que possa perceber-se, qual seja a demais factualidade indiciada no processo que, conjugada com a casa com piscina e um Volvo …, referidos pelo A., até no seu primeiro interrogatório, permitam concluir como fortemente indiciada a recepção de contrapartidas monetárias de elevado valor dos demais arguidos por participar nas indiciadas condutas criminosas destes, sobretudo a partir dos tais sinais de desafogo económico que todos dizem espelhado nessa casa e nesse carro.

  7. O processo crime desenvolveu-se e, nem durante a investigação criminal, nem na sentença recorrida se tentou perceber que factos estavam indiciados contentando-se, com uma realidade virtual, sem suporte fáctico mas ali dada como indiciada.

  8. A conclusão de que o Autor enriqueceu ilicitamente, foi rápida, persistente e arruinadora da vida do A..

  9. Deu-se por suficientemente indiciado que o A. enriqueceu ilicitamente e apresentava sinais exteriores de riqueza, mas não há uma conta bancária que tenha «as gordas somas de dinheiro de que fala a PJ relativamente a outros arguidos», não se fala de vida extravagante que perca no casino diariamente fortunas, nem de colocação de avultadas quantias monetárias em paraísos fiscais, ou de luxuosas férias nas Caraíbas.

  10. São absolutamente inexistentes indícios os indícios que, antes e depois do despacho que determinou a prisão preventiva do A. pudessem demonstrar ou comprovar qualquer enriquecimento ilícito do mesmo Autor, porque, de facto, não existiu nem nunca existiu qualquer elemento de enriquecimento.

  11. O despacho que determinou a prisão preventiva do A., como consta da certidão emitida – fls. 31 e segs da certidão – vol I das certidões juntas antes da sentença recorrida – consta de fls. 7309 do processo criminal - louva-se nos Pontos 4.1.; 4.1.11. a 4.1.16; 4.2.1. a 4.2.9., do relatório intercalar junto aos autos.

  12. Um relatório intercalar não é um elemento de prova! 15. É um resumo da investigação, elaborado pela polícia Judiciária, onde se dá conta dos actos de investigação efectuados e se retiram conclusões de suposições que orientavam a investigação policial.

  13. Não há nem nunca houve no processo uma qualquer declaração, de um qualquer dos arguidos ou testemunha, dizendo que pagaram qualquer contrapartida ao A., ou que ele tenha recebido qualquer benefício com as leiloeiras, os liquidatários, as falências, a venda de qualquer bem de qualquer massa falida.

  14. Não há nem nunca houve qualquer indicação de que alguém pagou ao A. fosse o que fosse em contrapartida de qualquer actuação menos licita, de partilha de lucros ilícitos nas vendas de bens das diversas massas falidas, ou da sua forma de cumprir ou não cumprir os processos de falência.

  15. Não há qualquer referência a que o A. dispusesse de um nível de vida desafogado, superior ao normal.

  16. Não há no processo, nem havia no momento em que foi determinada a sua prisão, qualquer indicação sobre o valor da casa ou da piscina do A., ou do Volvo …, que pudessem indicar estar-se perante riqueza de proveniência ilícita do A.

  17. Se se pode admitir que um polícia investigador ache que se a casa tem piscina isso é um sinal evidente de riqueza excepcional, o mesmo não se diga do juiz que determina a prisão de um cidadão, indicando que os seus sinais exteriores de riqueza são de molde a admitir como provável a sua proveniência criminosa, não pode ficar por ignorar quanto vale a tal casa, em Santo Tirso que tem piscina.

  18. Quando se decide a prisão privativa de alguém, tal decisão será sempre e necessariamente temerária e grosseiramente errada, se para ela concorreram indícios de enriquecimento ilícito que se esgotam numa casa com piscina que se não descreve nem avalia, e num veículo Volvo ….

  19. Ter uma casa própria, em Portugal como em outro qualquer lugar, não é um sinal exterior de riqueza.

  20. A indicação de um património que se identifica por referência exclusiva a 2 bens: a casa e o volvo, sem indicação, pelo menos, do seu valor aproximado, não faz a concretização mínima, facilmente alcançável, e absolutamente indispensável para que o Sr. Juiz que determinou a prisão pudesse ponderar se, os indícios de que dispunha eram efectivamente ponderosos para que o A. fosse privado da sua liberdade.

  21. A prova indiciária, tal como analisada pela polícia Judiciária no seu relatório intercalar, é por ela (polícia) tida por muito consistente, cheia de suspeitas pelos encontros e conversas frequentes do A. com os demais arguidos. Assenta quase exclusivamente em escutas telefónicas e fotografias de encontros havidos entre os diversos arguidos, numa lógica algo paradoxal.

  22. Nunca se mostra o mais pequeno indício de que pessoalmente beneficiou com qualquer um dos negócios ilícitos em que se disse que teve intervenção.

  23. A alegada prova indiciária resulta das escutas telefónicas e da interpretação que delas fez a polícia Judiciária, mostra-se desacompanhada dos mais elementares elementos confirmativos, como indicado sobre a situação de riqueza do A. que se poderia obter – caso se...

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