Acórdão nº 2746/16.2T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Dezembro de 2016
Magistrado Responsável | MARIA CEC |
Data da Resolução | 06 de Dezembro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 2746/16.2T8PRT.P1 Comarca do Porto, Porto, instância local, secção Cível - J6Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I. RELATÓRIOB…, casado, residente em …, Espanha, intentou a presente ação de condenação, sob forma de processo comum, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, contra o Estado Português peticionando a sua condenação no pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de erro no exercício da função jurisdicional no âmbito do processo executivo n.º 2934/09.8YYPRT. Alegou, para tanto, que C… instaurou contra si ação executiva que correu termos sob aquele identificado número, para obter o pagamento da quantia de €125.947,00, com base em sentença homologatória de transação proferida no processo n.º 1158/98, da então 7ª vara cível do Porto, 2ª secção, na qual foram partes o referido C… e sua mulher, D…, na qualidade de autores, e como réus os seus pais, E… e esposa, aos quais sucedeu por morte deles. Nessa transação foi estabelecida indemnização a favor dos réus por cada dia de atraso, posterior a seis meses após o início das obras referidas na transação, quantia essa que o exequente veio realizar coativamente. Tendo sido citado para a referida ação executiva, nela deduziu oposição, evocando, além do mais, a ilegitimidade ativa, porquanto na transação dada à execução tinham intervindo o exequente e a esposa, ao passo que a execução foi movida apenas pelo marido, e passiva, por ser demandado sem a sua mulher. Tal exceção veio a ser julgada procedente e, como consequência, foi ali absolvido de “metade do pedido”, determinando-se o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de €62.973,50. Dessa decisão interpôs recurso para, além do mais, ser absolvido da instância em função da ilegitimidade ativa, mas o Tribunal da Relação do Porto acabou confirmando a sentença, embora sem conhecer dessa questão da ilegitimidade ativa, por razões estritamente formais. Do prosseguimento da execução, em consequência do erro de julgamento da invocada exceção, advieram-lhe e advirão danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que especificou e que pretende ver ressarcidos pelo Estado Português.
Juntou documentos.
-
Citado o Estado Português, invocou a exceção dilatória de incompetência absoluta da jurisdição administrativa e as exceções perentórias de prescrição e da não revogação da decisão danosa no próprio processo em que foi proferida. Quanto ao mais, impugnou, por desconhecimento, a factualidade articulada.
Juntou documentos.
-
Pronunciando-se sobre a matéria de exceção, o autor defendeu a sua improcedência.
-
Apreciada a excecionada incompetência do tribunal em razão da matéria, foi declarada a sua procedência e consequente absolvição do réu da instância e, a pedido do autor, foi o processo remetido para o tribunal comum.
-
Considerando estar em causa a responsabilidade civil do Estado por erro judiciário e que os autos continham os elementos necessários à imediata decisão, foi a ação julgada improcedente no saneador e o réu absolvido do pedido.
-
Inconformado, recorreu o autor, assim rematando a sua alegação: «1º. A Constituição da República Portuguesa estatui a responsabilidade do Estado por erro na função jurisdicional.
-
A Lei nº 62/2007 faz depender a responsabilidade por erro judiciário do prévio reconhecimento do erro no próprio processo em que o mesmo foi cometido.
-
Essa condicionante não se encontra previsto no texto constitucional.
-
A norma do artigo 13º, 2, da Lei nº 62/2007 é inconstitucional quando interpretada do sentido de fazer depender a obrigação de indemnizar do prévio reconhecimento no próprio processo em que o erro foi cometido.
-
A exigência da verificação dessa condição não poderá - para o declaratório normal pressuposto pela ordem jurídica - ser exigível no caso de erro patente e grosseiro.
-
Não pode deixar de qualificar-se como erro ostensivo o de uma decisão que - conhecendo e julgando procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa - absolve o Réu do pedido.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e ordenado o prosseguimento da acção. Declarar-se a inconstitucionalidade da norma do artigo 13º, 2, da Lei nº 62/2007 quando interpretada no sentido de fazer depender o reconhecimento do erro de prévia decisão no mesmo processo que o corrija».
-
-
Respondeu o Ministério Público, alegando, em síntese: 1. A Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) estabelece, no seu artº 22º, um princípio geral de responsabilidade civil do Estado, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
-
A l ei nº 67/2007 veio concretizar este princípio constitucional e, no que ao erro judicial diz respeito, definiu os limites dessa responsabilidade.
-
E o limite é precisamente o da exigência de revogação prévia da decisão danosa, pelo que a existência do erro grosseiro terá de ser demostrada no próprio processo judicial onde foi cometido o erro e por via dos meios de impugnação admissíveis no caso, ou seja, por via de recurso.
-
Logo, a existência do erro grosseiro não poderia ser apreciada na presente ação, como pretende o recorrente quando alega não ter a Mª Juiz apreciado o mérito da causa, pois o próprio pressuposto da pretendida declaração de responsabilidade do Estado é o da prévia definição por sentença transitada em julgado do erro judiciário no processo onde foi cometido.
-
Este requisito legal da revogação prévia não é inconstitucional, podendo dizer-se que “subjacente ao requisito da revogação prévia está uma razão dogmático-institucional, ligada à própria natureza da função judicial, pois não se configura que uma decisão jurisdicional consolidada deva ser objecto de uma desautorização, ainda que com efeitos limitados à retificação de um caso de erro, por um outro tribunal, de possível diversa espécie, ou mesmo de grau inferior.“ (Ac. RL de 29/10/2013 in http.//www.dgsi.pt).
-
Existe um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, a uma indemnização decorrente de danos causados por atos ilícitos e danosos do Estado no exercício da função jurisdicional, mas depende da verificação dos pressupostos previstos na lei ordinária, concretizadora desse princípio.
-
É que na função jurisdicional existe já um mecanismo específico para evitar decisões judiciais erradas, que é o sistema de recurso.
-
A exigência da prévia revogação da decisão danosa é necessária tendo em vista a natureza da função judicial, a organização hierárquica dos tribunais e o princípio do caso julgado. Anão ser assim, poderia ser posta em causa uma decisão transitada em julgado, o que violaria os princípios gerais da função jurisdicional, também constitucionalmente previstos nos artigos 202ºe seguintes.
-
Apesar do seu carácter restritivo o referido regime não cerceia arbitrária e desproporcionadamente o princípio da responsabilidade do Estado nem o princípio da igualdade consagrados na Constituição (Ac STJ de 24/02/2015).
-
A propósito se pronunciou o próprio Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 363/2015 (in DR, II Séri,e de 23/09/2015), onde, após uma análise exaustiva da questão da constitucionalidade do artigo 13º, 2, em função do conflito de direitos em causa, designadamente tendo em vista os direitos constitucionais à igualdade e à tutela jurisdicional efetiva, à segurança jurídica e à autoridade das decisões dos tribunais superiores, decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 13º, nº 2, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidade Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007 de 31 de dezembro, segundo o qual o pedido de indemnização fundado em responsabilidade civil por erro judiciário deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente”.
Concluiu pela confirmação da sentença recorrida.
-
OBJETO DO RECURSODelimitada a temática recursiva pelas...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO