Acórdão nº 3586/06.2TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução25 de Janeiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 4 de Outubro de 2006, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 2.º Juízo, 1.ª Secção, AA intentou acção, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB, Lda., na qual pediu que fosse declarada a nulidade do despedimento de que foi alvo, que a ré fosse condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da respectiva categoria profissional, retribuição e antiguidade, e a pagar-lhe (i) as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, (ii) ao Estado, a sanção compulsória pecuniária diária de € 300, por cada dia de atraso na reintegração e respectivos juros legais, (iii) indemnização legal por despedimento, caso não venha a verificar-se a reintegração e (iv) juros vencidos e vincendos, à taxa legal, em relação às quantias em dívida desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Em resumo, alegou que lhe foi instaurado processo disciplinar que culminou com a aplicação da sanção disciplinar do despedimento; porém, já havia caducado o direito de aplicar tal sanção, proferida em 22 de Junho de 2006, porquanto esta só lhe foi notificada em 26 de Julho de 2006, isto é, mais de 30 dias após a última diligência probatória, ocorrida em 19 de Junho de 2006 (artigo 415.º, n.º 1, do Código do Trabalho). Verificava-se, ainda, a caducidade do procedimento disciplinar, pois este só teve início em 8 de Março de 2006, sendo que a ré teve conhecimento dos factos em data anterior a 8 de Janeiro de 2006 (artigo 372.º, n.º 1, do Código do Trabalho), aquando da aprovação das contas de exercício dos anos de 2003 a 2005.

E mais aduziu que prescreveram as infracções disciplinares relativas aos factos ocorridos em momento anterior a 8 Março de 2005, porquanto decorreu mais de um ano a contar da prática desses factos.

No que respeita à matéria da acusação, embora reconheça que não procedeu de acordo com «as regras de gestão corrente», invocou que a sua conduta se ficou a dever ao facto do processo de financiamento na ré ser muito moroso, visto ter a sede em Espanha, e que o método utilizado permitia-lhe obter financiamento mais rápido, não tendo actuado em proveito próprio, inexistindo justa causa para o despedimento.

A ré contestou, alegando não ter ocorrido a caducidade do direito de aplicar a sanção, cuja decisão foi proferida em 22 de Junho de 2006, porquanto notificou, em 28 de Junho de 2006, o autor da decisão final, proferida naquela primeira data. No que respeita à caducidade do procedimento disciplinar, somente em Janeiro de 2006 existiu uma suspeita de fraude, sendo que, em 3 de Fevereiro de 2006, teve início o processo prévio de averiguações (auditoria interna), no decurso do qual o Sr. CC, com poderes disciplinares, teve conhecimento dos factos constantes da nota de culpa e do aditamento à nota de culpa, baseando-se estes nas declarações prestadas pelos sócios-gerentes das empresas transportadoras no decurso da auditoria e documentos por estes fornecidos, altura em que a ré teve conhecimento dos factos.

Mais alegou que as infracções de que o autor é acusado na nota de culpa e no aditamento constituem ilícito criminal de falsificação de documentos e de burla, previstos e punidos pelos artigos 256.º, 217.º e 218.º, do Código Penal, cujo prazo de prescrição é de 5 anos, sendo este o prazo aplicável também no direito laboral por força do artigo 372.º, n.º 2, do Código do Trabalho, verificando-se justa causa para o despedimento, já que nunca autorizou, ou teve conhecimento, do procedimento por aquele adoptado, sendo que, por via da conduta do autor, procedeu ao pagamento de inúmeras facturas, julgando pagar quilómetros efectivamente realizados pelas empresas transportadoras, quando, ao invés, procedia ao pagamento de facturas alheias, a mando do autor, o qual era o director máximo em Portugal, ocupando um lugar de extrema confiança, pelo que o seu procedimento abalou e quebrou, inexoravelmente, tal confiança, por estarem em causa valores de honestidade e lealdade, ainda que aquele não tivesse colhido benefícios pessoais.

Pediu, ainda, a condenação do autor como litigante de má-fé.

O autor respondeu à contestação, mantendo o alegado na petição inicial, e pugnando pela sua absolvição do pedido de condenação como litigante de má fé.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré dos pedidos, e julgou procedente o pedido de condenação do autor como litigante de má fé, condenando-o no pagamento da multa de 10 UC, relegando para momento ulterior a fixação da indemnização a favor da ré, a título de reembolso por despesas e honorários de advogado.

  1. Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pese embora tenha decidido alterar a matéria de facto, julgou, no mais, improcedente o recurso de apelação, mantendo a sentença recorrida.

    É contra esta decisão do Tribunal da Relação que o autor agora se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as conclusões seguintes: «1. O Douto Acórdão Recorrido não está juridicamente correcto; 2. Deve ser dada como provada a data da cessação do contrato de trabalho do ora Recorrente; 3. A qual se verificou em 26.07.06; 4. A carta enviada pela DD Espana Lt. e recebida pelo ora Recorrente em 05.07.06 deve ser considerada irrelevante para os autos; 5. Dado que não foi enviada pelo empregador do ora Recorrente e 6. A referida sociedade não tinha poderes para rescindir o contrato de trabalho existente; 7. O acto praticado pela DD Espana Lt. não tem efeitos jurídicos em relação ao ora Recorrente; 8. O qual não tinha qualquer relação laboral com a mesma; 9. A DD Espana Lt. não tinha legitimidade para proferir o despedimento do ora Recorrente nem de lhe transmitir ou notificar o mesmo; 10. A Recorrida deixou caducar o direito de aplicar a sanção ao ora Recorrente; 11. Dado que não o notificou do despedimento no prazo de trinta dias após a última diligência probatória; 12. Tal diligência ocorreu em 19.06.06; 13. E o ora Recorrente só foi notificado em 26.07.06; 14. A notificação da sanção ao trabalhador tem de ser realizada dentro do prazo de 30 dias previsto no art. 415.º, n.º 1, do Código do Trabalho aplicável à data; 15. O Recorrente não deve ser condenado como litigante de má-fé; 16. Não se verificam os requisitos previstos no art. 456.º, n.º 1, alíneas a) e b) do C.P.C.

    17. O ora Recorrente tem o direito de solicitar e ver reconhecido pelos Doutos Tribunais o seu direito à caducidade de aplicação da sanção aplicada pela ora Recorrida; 18. Dado que há Doutos Tribunais Superiores que entendem como o ora Recorrente; 19. Não há, portanto, qualquer falta de fundamento que o ora Recorrente não devia ignorar; 20. O ora Recorrente também não alterou a verdade dos factos quanto a ter recebido qualquer quantia em proveito próprio; 21. O ora Recorrente confessou sempre ao Tribunal os montantes que recebeu e qual o destino que lhe deu; 22. Mas não os recebeu em proveito próprio; 23. Tal resulta do processo-crime intentado pela Recorrida e cuja decisão de arquivamento ilibou o ora Recorrente de qualquer acto ilícito penal ou de qualquer locupletamento; 24. O Meritíssimo Juiz a quo devia ter tido em consideração o resultado do processo-crime instaurado ao Recorrente pela Recorrida; 25. O ora Recorrente não recebeu qualquer montante que não tenha utilizado em proveito da sociedade ora Recorrida.» Termina sustentando a procedência do recurso de revista e pugnando pela revogação do acórdão recorrido.

    A ré contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

    Em sede de exame preliminar, tendo o relator considerado que não se podia conhecer do objecto do recurso de revista, na parte em que se defendia a absolvição do recorrente como litigante de má fé, determinou-se a audição das partes para que se pronunciassem, querendo, acerca dessa questão prévia, nos termos do artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na versão anterior à conferida pelo Decreto‑Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, sendo que apenas o recorrente se pronunciou.

    Por despacho proferido em 21 de Junho de 2011, o relator decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso no tocante à confirmação da condenação do autor como litigante de má fé, despacho que, notificado às partes, não foi impugnado.

    Subsequentemente, a Ex.

    ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso de revista, no concernente ao segmento ainda subsistente, devia improceder, o qual, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

  2. No caso vertente, excluído o segmento julgado inadmissível do recurso de revista, a que se reportam as conclusões 1), na parte atinente, e 15) a 25), as questões suscitadas são as que se passam a enunciar: – Se ocorreu erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto (conclusões 1.ª, na parte atinente, e 2.ª a 9.ª da alegação do recurso de revista); – Se ocorreu a caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar em causa (conclusões 1.ª, na parte atinente, e 10.ª a 14.ª, da alegação do recurso de revista).

    Refira-se que o recorrente, no requerimento de interposição do recurso de revista, consigna que «[m]ais se irá alegar quanto ao facto de se terem verificado as nulidades previstas nas alíneas e) e d) do n.º 1 do art. 668.º e alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 669.º, ambos do C.P.C.»; porém, aquelas questões mostram-se objectivamente excluídas da alegação de recurso produzida nos autos, nomeadamente das conclusões formuladas naquela peça processual, pelo que delas não se pode conhecer, nos termos dos artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

    Corridos os «vistos», cumpre decidir.

    II 1.

    As instâncias deram como provados os factos seguintes: 1) O autor é trabalhador da ré desde 1 de Outubro de 1990, conforme acordo de transferência celebrado em 30 de Julho de 1990 (doc. n.º 1 junto com a providência cautelar); 2) Através...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT