Acórdão nº 49/07.2TBRSD.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Novembro de 2011

Data15 Novembro 2011
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA instaurou contra BB – entretanto falecido, tendo sido habilitada, como sua única e universal herdeira, para com ela seguir a acção, a sua cônjuge, CC –, a presente acção de investigação de paternidade, com processo ordinário.

Pede a autora que se declare que BB é o seu pai e que o mesmo seja condenado a reconhecê-la como filha.

Alegou, para tanto e em síntese, factualidade tendente a demonstrar que nasceu em consequência de relações sexuais de cópula completa havidas entre o réu e DD, a falecida mãe da autora, no decurso do namoro que ambos mantiveram entre si, que a gravidez da sua progenitora foi do conhecimento público e que a generalidade dos habitantes da freguesia onde aqueles residiam e onde o réu sempre continuou a morar sabem que a demandante é filha deste e como tal sempre a trataram e reputaram.

Acrescentou que propôs esta acção em consequência do que decidiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 23/06, de 10-01, que pôs termo ao prazo de caducidade legalmente estabelecido para a propositura das acções de investigação da paternidade.

O réu contestou a acção, por excepção e por impugnação.

Invocou, em primeiro lugar, a figura do abuso de direito, alegando que o que move a autora não é o apuramento da sua paternidade, mas sim, unicamente, a obtenção de uma decisão com finalidade patrimonial, embora implicitamente também tenha suscitado a caducidade do direito da demandante, por ela saber, desde os seus 12 anos, que o marido de sua mãe não era o seu pai e nunca ter procurado o réu, para apurar se era ou não o seu progenitor.

No mais, impugnou os factos alegados pela autora, incluindo o relacionamento sexual com a mãe desta e que seja seu pai.

Em consonância, sustenta a improcedência da acção com as demais consequências legais.

A autora replicou defendendo-se das excepções aduzidas pelo réu.

Proferido despacho saneador, foram seleccionados os factos assentes e foi elaborada a base instrutória, sem reclamação das partes. Todavia, em sede de audiência final, veio a ter lugar aditamento oficioso de um novo facto à base instrutória.

A autora ampliou o pedido, com vista à rectificação do seu registo de nascimento, fazendo-se dele constar a data correcta de nascimento - 19 de Julho de 1942 - e que o seu pai é o réu BB. Tal ampliação do pedido foi admitida.

No prosseguimento dos autos, requereu a ré habilitada, em 08-06-2009, que se passasse de imediato à prolação de sentença, sem produção de prova em julgamento, por entender que com a entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, de 01-04, o direito da autora teria de ser declarado extinto, por há muito ter caducado.

Este requerimento foi indeferido e dessa decisão recorreu de agravo a ré habilitada.

Realizou-se depois a audiência de discussão e julgamento, e, no final da mesma, foi proferido despacho de resposta à base instrutória, sem reclamação das partes e proferida sentença, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo-se declarado que a autora, AA, é filha de BB.

Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a ré habilitada, para o Tribunal da Relação do Porto e o respectivo colectivo de juízes desembargadores proferiu acórdão que julgou não provido o agravo e improcedente a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

Uma vez mais, inconformada com estas decisões, delas recorreu a ré, conforme consta do requerimento de fls. 460, referindo que “…vem interpor recurso das mesmas para o Supremo Tribunal de Justiça, os quais são de agravo e de revista, sobem imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, arts. 721.º e segs. e 754.º e segs. do CPC (redacção do DL n.º 329-A/95, de 12/12)”.

Foi interposto, igualmente, recurso do acórdão pelo Ministério Público, este para o Tribunal Constitucional – invocando os arts. 280.º, n.ºs 1, al. a), e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 70.º, n.º 1, al. a), e 72.º, n.ºs 1, al. a), e 3, da Lei n.º 28/82, de 15-11 – “…uma vez que no mesmo não foram aplicadas, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação dos artigos 18.º n.ºs 2 e 3 [princípios da imprescritibilidade do direito à obtenção/declaração da paternidade e da não retroactividade de leis restritivas de direitos com tutela constitucional] e 26.º n.º 1 [direito à identidade pessoal], todos da CRP, as normas do artigo 1817.º n.º 1 do Código Civil [na redacção dada pelo art. 1.º da Lei n.º 14/2009, de 01/04], e art. 3.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril. No acórdão recorrido decidiu-se que esta norma é inconstitucional, na medida em que são restritivas da possibilidade de investigar, a todo o tempo, a paternidade”.

Ambos os recursos foram recebidos, para subir a este STJ, como revistas, com efeito suspensivo, nos termos dos arts. 721.º e 723.º do Código de Processo Civil (doravante CPC), na redacção anterior ao DL n.º 303/2007, de 24-08.

Nesse despacho clarificou-se, por um lado, quanto ao recurso do Ministério Público, que o mesmo era admitido como de revista, por ainda ser admissível o recurso ordinário, não havendo, nesta fase processual, recurso para o Tribunal Constitucional; por outro lado, consignou-se que não se admitia o agravo em 2.ª instância, interposto pela ré, “…uma vez que o decidido no âmbito do agravo também foi objecto da apelação, integrando o decidido ao abrigo daquele o objecto deste”.

O Ministério Público cingiu-se a apresentar o requerimento de interposição de recurso, não tendo apresentado alegações de recurso, apesar de devidamente notificado para esse fim, conforme lhe é permitido pelo art. 690.º, n.º 6, do CPC – na redacção emergente do DL n.º 329-A/95, de 12-12, aqui aplicável –, que exime o Ministério Público do ónus de alegar e formular conclusões (sem que tal implique deserção do recurso).

A recorrente CC, por seu turno, finalizou a respectiva minuta de recurso com as seguintes conclusões: “A) O novo diploma veio, de forma cuidadosa, sensata e ponderada, pôr termo ao vazio legal criado pelo Acórdão n.º 23/2006, tendo em consideração quer o direito ao conhecimento da paternidade ou maternidade constitucionalmente consagrado, mas ponderando, igualmente, os interesses em causa susceptíveis de afectar os valores respeitantes à certeza e à segurança jurídica; B) Constituindo jurisprudência pacífica que o exercício do direito à identidade pessoal e à investigação da paternidade/maternidade, deve ter em consideração quer as finalidades do investigante, quer as legítimas expectativas criadas pelos herdeiros do investigado; C) Um ser humano, contudo, não se explica por inteiro através da ciência. “O dado biológico é só mais um a ter em conta na nossa história", sustenta Eurico Reis. "Não deve ser sobrevalorizado.”, como parecem estar a querer fazê-lo algumas correntes jurisprudenciais; D) Essa segurança jurídica do pretenso pai e seus herdeiros é uma das razões principais invocadas para limitar no tempo o direito a investigar a paternidade; E) Ligado a este motivo está outro a favor do prazo: “As finalidades puramente egoístas dos investigantes, próximas do sentimento de cobiça”, quando o pretenso pai morre ou se aproxima do fim de vida, tal como no caso sub judice; F) O Acórdão Constitucional n.º 23/2006, que considerou o anterior prazo inconstitucional com força obrigatória geral, caiu com a revisão da lei e o alargamento do prazo; G) A caducidade da acção de investigação de paternidade é comum aos diversos sistemas jurídicos e mesmo o Tribunal Europeu tem entendido que tal previsão legal não é contrária à Convenção Europeia dos Direitos do Homem; H) O Tribunal, não pode dispensar-se de apreciar a conformidade constitucional do prazo estabelecido no artigo 1817.° do Código Civil, se der por assente que a Constituição não se opõe à caducidade, em si, da acção de investigação da paternidade; I) O estabelecimento da paternidade importa sobretudo quando os filhos são pequenos para diminuir o impacto da “ilegitimidade” na formação da sua personalidade, o que não é certamente o caso da Recorrida que quando intentou a presente acção contava já com 67 anos de idade; J) Da matéria alegada na p.i. resulta que a Recorrida teve conhecimento da sua ascendência e da sua filiação natural, dentro do prazo estabelecido na lei para o exercício do direito da acção. Faculdade que podia ter exercido até aos 24 anos de idade, por até aqui vigorar o Código de Seabra, que limite temporal algum colocava ao exercício do direito de acção. Não o exercendo, a Recorrida abdicou do mesmo; L) Dispõe o artigo 334.° do C.C. que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”; M) A factualidade provada é suficiente para se entender verificado no caso sub judice, um abuso de direito. Isto é o facto de a Recorrida saber, desde os 19 anos de idade, que o falecido BB, seria supostamente o seu pai e até aos 24 anos de idade, apesar de dispor da faculdade de intentar a respectiva acção de investigação de paternidade, não ter lançado mão dela e vir agora, 50 anos depois, intentá-la, é susceptível de se poder concluir que esta está a exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do seu direito, suscitando à consciência jurídica uma viva e nítida reacção de reprovação ou censura; N) A verwirkung veta assim o exercício de um direito subjectivo ou de uma pretensão, quando o seu titular, por os não ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos revelando-se, portanto, um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável; O) A Aludida figura consiste como que numa “neutralização do direito” na sua “desactivação pelo decurso do tempo”; P) É absurdo o argumento da decisão recorrida segundo o qual a posterior aplicação retroactiva às acções intentadas neste pressuposto do prazo de caducidade constante da redacção...

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