Acórdão n.º 246/90, de 03 de Agosto de 1990

Acórdão n.º 246/90 Processo n.º 335/88 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I - Relatório 1 - O Procurador-Geral da República veio requerer, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Constituição da República, que o Tribunal Constitucional aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade e a ilegalidade:

  1. Da norma constante do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/83/A, de 19 de Agosto, que deu nova redacção ao artigo 8.º do Decreto Regional n.º 24/82/A, de 3 de Setembro; e b) De todas as normas constantes do Decreto Legislativo Regional n.º 26/86/A, de 25 de Novembro.

    Para tanto alega: 1.1 - O regime de actualização de rendas nos arrendamentos de prédios urbanos para fins não habitacionais, constante dos artigos 1104.º a 1106.º do Código Civil, foi alterado, na parte respeitante aos arrendamentos destinados a comérico, indústria ou profissões liberais, pelo Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro, cujo regime veio a ser ampliado a todos os arrendamentos não habitacionais através do Decreto-Lei n.º 189/82, de 17 de Maio, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 392/82, de 18 de Setembro.

    Estes diplomas - na medida em que estabelecem um regime de actualização das rendas urbanas não habitacionais respeitante a todo o território, sem qualquer excepção - têm de considerar-se leis gerais da República.

    Deles não constava qualquer exclusão de aplicação de tal regime ao território das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, tal como aconteceu com o n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 148/81, de 4 de Julho, sendo também certo que mesmo o legislador regional reconheceu o carácter nacional da legislação sobre arrendamentos para fins comerciais, industriais e exercício de profissão liberal, na versão originária do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto Regional n.º 24/82/A, de 3 de Setembro.

    1.2 - De facto, este artigo 8.º do Decreto Regional n.º 24/82/A tinha a seguinte redacção originária antes de ser alterado pelo artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/83/A, de 19 de Agosto: 1 - Em todos os demais arrendamentos não rurais aplica-se o disposto no artigo 2.º do presente diploma.

    2 - Porém, os arrendamentos para fins comerciais, industriais e para exercício de profissão liberal ficam sujeitos à legislação especial existente a nível nacional.

    E, pela redacção do preceito em causa (artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/83/A) estabeleceu-se que: Em todos os demais arrendamentos não rurais aplica-se o disposto nos artigos 2.º e 3.º do presente diploma.

    Por seu turno, o artigo 2.º do Decreto Regional n.º 24/82/A estabelece a livre estipulação das rendas nos novos contratos de arrendamento, sem prejuízo do n.º 3 do artigo 5.º (n.º 1), e fixa em dois anos o prazo para requerer, após a fixação de qualquer renda, uma avaliação fiscal com vista à sua alteração (n.º 2).

    E o artigo 3.º do Decreto Regional n.º 24/82/A, na redacção do artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/83/A, determina que as rendas podem ser elevadas, independentemente dos limites estabelecidos nos artigos anteriores, através de uma avaliação sempre que os senhorios fizerem benfeitorias necessárias de carácter extraordinário (n.º 1), fixando o n.º 2 do preceito o limite máximo da renda para os 12 meses subsequentes à nova fixação no dobro da renda praticada à data do pedido, no caso do n.º 1.

    1.3 - O regime estabelecido nestes artigos 2.º e 3.º, que veio a ser tornado extensivo a todos os arrendamentos urbanos para fins não habitacionais (artigo 8.º do Decreto Regional n.º 24/82/A, na redacção do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/83/A), contraria o regime vigente no País, nos seguintes aspectos: 1.3.1 - Enquanto que no resto do País as actualizações das rendas são anuais e segundo coeficientes prefixados, nos Açores as actualizações são de dois em dois anos e processam-se através de avaliação; 1.3.2 - Inexiste no resto do País a faculdade, reconhecida nos Açores, de os senhorios que tiverem efectuado 'benfeitorias necessárias de carácter extraordinário' requererem uma avaliação para fixação de nova renda; 1.3.3 - Nesta hipótese, os resultados da avaliação são atenuados, na medida em que nos 12 meses subsequentes se prevê um limite máximo para o aumento da renda, sendo certo que nos diplomas vigentes no País existe este mecanismo atenuador para todas as avaliações, subsistindo para além dos 12 meses, em termos de actualização acelerada; 1.3.4 - A legislação açoriana não concretiza quaisquer critérios pelos quais devam reger-se as avaliações.

    Assim, conclui o requerente, estabelecendo o artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/83/A um regime desrespeitador das leis gerais da República, incorreu em ilegalidade, por violação dos artigos 115.º, n.º 3, e 229.º, alínea a), da Constituição, vício este do conhecimento do Tribunal Constitucional.

    1.4 - Mas a referida norma é ainda inconstitucional na medida em que, regulando a fixação da renda contratual - que é um elemento essencial do 'regime geral' do contrato de arrendamento -, legislou sobre matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, pelo que violou os artigos 229.º, alínea a), 115.º, n.º 3, e 168.º, n.º 1, alínea h), da Constituição.

    1.5 - Pretende ainda o requerente que o fundamento antes aduzido permite reputar inconstitucional, na sua globalidade, o Decreto Legislativo Regional n.º 26/86/A, de 25 de Novembro, que reproduz quase literalmente, salvas algumas diferenças derivadas do âmbito territorial, o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º436/83.

    Na verdade, o Acórdão n.º 77/88, de 12 de Abril de 1988 (Diário da República, 1.' série, n.º 98, de 28 de Abril de 1988), deste Tribunal declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, o Decreto-Lei n.º 436/83, salvando-se apenas os artigos 6.º e 7.º, n.os 1 e 2, dada a sua natureza de disposições 'adjectivas' ou 'processuais'.

    Fundamentou-se tal declaração de inconstitucionalidade na invasão da reserva da competência legislativa da Assembleia da República, e tal fundamentação, até por maioria de razão, conduz à declaração de inconstitucionalidade do Decreto Legislativo Regional n.º 26/86/A, porquanto este diploma, ao regular um elemento essencial do contrato de arrendamento urbano integrante do seu regime geral, violou as normas dos artigos 229.º, alínea a), 115.º, n.º 3, e 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República, tal como consta, aliás, de parecer da Procuradoria-Geral da República, de que se junta cópia.

    2 - Notificado o Presidente da Assembleia Regional dos Açores para, nos termos do artigo 54.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, se pronunciar no prazo de 30 dias, nada disse.

    Nada obsta, assim, ao conhecimento do objecto dos presentes autos, nos quais se suscitam as seguintes questões: A ilegalidade e a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/83/A, de 19 de Agosto; A inconstitucionalidade e a ilegalidade de todas as normas do Decreto Legislativo Regional n.º 26/86/A, de 25 de Novembro.

    Vejamos, pois, cada uma destas questões.

    II - Fundamentação

    1. A questão da inconstitucionalidade e da ilegalidade em geral 3 - No requerimento inicial pede-se que o 'Tribunal Constitucional aprecie e declare, com a força obrigatória geral, a inconstitucionalidade e a ilegalidade' da norma constante do artigo 2.º do diploma acima referido e de todas as normas do Decreto Legislativo Regional n.º 26/86/A.

      Ora, é jurisprudência firme deste Tribunal que, 'concorrendo, a respeito de qualquer norma jurídica, os vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade, o primeiro, como vício mais grave, tornará, em regra, irrelevante o segundo, vício menos grave' (v. Acórdão n.º 257/88, de 9 de Novembro de 1988, in Diário da República, 2.' série, n.º 35, de 11 de Fevereiro de 1989, a p. 1537).

      Assim, e em princípio, o Tribunal só irá averiguar se as normas em causa padecem de ilegalidade no caso de antes se não haver podido formular um juízo de inconstitucionalidade sobre tais normas.

      Importa, por isso, analisar, antes de mais, a questão da conformidade constitucional do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/83/A, de 19 de Agosto. Depois, se for caso disso, se analisará a questão de ilegalidade de tal norma, o mesmo se concretizando relativamente às normas do Decreto Legislativo Regional n.º 26/86/A.

    2. A questão da inconstitucionalidade do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/83/A 4 - O diploma em causa veio introduzir algumas alterações no 'regime do arrendamento não rural e da cessão da exploração de estabelecimentos' comerciais nos Açores, designadamente quanto à possibilidade de uma avaliação especial em virtude de benfeitorias necessárias de carácter extraordinário e quanto a certos aspectos de actualização de rendas dos arrendamentos não rurais.

      O artigo 2.º, cuja regularidade constitucional se questiona, dá nova redacção ao artigo 8.º do Decreto Regional n.º 24/82/A, de 3 de Setembro, e tem a seguinteredacção: O artigo 8.º do Decreto Regional n.º 24/82/A, de 3 de Setembro, passa a ter a seguinteredacção: Em todos os demais arrendamentos não rurais aplica-se o disposto nos artigos 2.º e 3.º do presente diploma.

      O decreto regional assim modificado tinha emanado da Assembleia Regional, onde fora aprovado ao abrigo do preceituado no artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, com vista a 'estabelecer disposições quanto à formação do contrato de arrendamento urbano para habitação e a fixação ou alteração das respectivasrendas'.

      A redacção originária do artigo 8.º era a seguinte: Art. 8.º - 1 - Em todos os demais arrendamentos não rurais aplica-se o disposto no artigo 2.º do presente diploma.

      2 - Porém, os arrendamentos para fins comerciais, industriais e para exercício de profissão liberal ficam sujeitos à legislação especial existente a nível nacional.

      O artigo 2.º, referido neste preceito, tem a seguinte redacção: Art. 2.º - 1...

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