Acórdão nº 2005/03.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2011

Data27 Setembro 2011
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Requerente: AA Requeridos: “BB – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, S.A” I. - Relatório.

A autora, AA, reclama para a conferência do acórdão proferido por este Tribunal, por: 1) - ter sido violado o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil, na dimensão normativa aí estatuída que impede que o tribunal emita pronúncia ou profira decisão nova sem que, previamente, accione o contraditório. Vale por dizer, que a reclamante estima que o Tribunal se pronunciou sobre uma questão não versada nem pela autora nem pela Ré, pelo que deveria, prévia a uma decisão convidar as partes a pronunciarem-se ou a exprimirem a sua posição quanto à questão que tinha intenção de vir a emitir.

Em enxutas palavras conclama que o tribunal proferiu uma decisão-surpresa, o que está constitucionalmente vedado e ao fazê-lo cometeu uma nulidade subsumível “[ao] artigo 201.º e segts. do CPC” (sic) [[1]] Antes de passarmos a outras nulidades com que o acórdão é acoimado, importa fixar o conceito de decisão-surpresa.

A questão da decisão-surpresa adquire na doutrina italiana a designação de “sentenza di terza via” [[2]] ou “decisioni solitarie” ou “solipsisticamente adoptata” e vem regulada nos artigos 101.º e 183.º do Códice di Procedura Civile. No domínio da legislação italiana, tal como na maioria da legislações, onde se pretendem estabelecer regras de um processo justo - processo organizado e estruturado de modo a garantir, no limite do possível, a justiça do resultado - o juiz tem o dever de participar na decisão do litigio participando na indagação do direito – iura novit cura – sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes. A indagação do direito sofre, no entanto, constrangimentos endoprocessuais que atinam com a configuração factológica que as partes pretendam conferir ao processo. Este confinamento factológico, balizante da capacidade cognoscente do tribunal, não impede o tribunal de enveredar pelo conhecimento de questões que as partes não tenham enunciado ou não tenham qualificado durante, ou no desenvolvimento, da lide processual. A questão que se coloca na doutrina é saber se tendo, por exemplo, dirigido ao tribunal um pedido para, segundo determinada factologia, apreciar se ocorreu um inadimplemento de um contrato e o juiz, oficiosamente, na apreciação de mérito a que procede declara a nulidade do contrato. Vale por dizer se é legítimo nesta caso o juiz decidir sobre a nulidade de um contrato sem que qualquer das partes tenha suscitado a questão e sem que, previamente, tenha convocado as partes a pronunciar-se sobre esta hipótese decisão.

O exemplo, académico, que se convocou dilucida de forma paradigmática o que deve ser tido por decisão-surpresa ou “decisão solitária” do juiz. O juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeqúe a uma correcta e atinada do litígio. Não tendo, no entanto as partes configurado a questão na via adoptada pelo Juiz caber-lhe-ia dar-lhe a conhecer a solução jurídica que pretenderia vir a assumir para que as partes pudessem contrapor os seus argumentos.

Não subsistirão dúvidas de que na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não forma tomadas em consideração. A questão da falta ou ausência de participação das partes na formação do juízo decisório do tribunal deve ser, contudo, objecto de uma disquisição mais aprofundada. Trata-se de emanações dos princípios fundantes do processo justo como sejam os princípios de cooperação, boa fé processual e colaboração entre as partes e entre estas e o tribunal.

O n.º 2 do artigo 101.º do Códice di Procedura Civile, na reforma de 18 de Junho de 2009, Lei n.º 69, taxa de nulidade a assumpção de uma decisão que seja tomada pelo Juiz sem que tenha sido assegurado o contraditório. Esta normativa vem correlacionada com o artigo 183.º do mesmo diploma legal que impõe ao Juiz o dever de indicar às partes, no decurso da audiência, as questões relevantes que, oficiosamente, possam surgir e que o tribunal julgue ou prospective virem a ser objecto de tratamento na decisão que pensa vir a tomar, a final. Se o não fizer nesta sede sempre terá a possibilidade de o vir a fazer ou impulsionar nos termos do já citado artigo 101.º.

A falta ou ausência de contraditório originou na jurisprudência italiana orientações diversas que foram desde a crismada linha rigorista ou garantistíca até á linha formalista. Porém a sentença n.º 20935, de 30 de setembro de 2009, das secções unidas da Corte de Cassação, tomando posição sobre a controvérsia gerada afirma “[que] resta todavia, aberto o nó problemático se omitida a indicação da questão relevante de oficio possa não comportar, ipso facto, a nulidade da sentença, pois que tudo se transporta a uma justiça ou injustiça da decisão, ou então se tal nulidade seja indefectível consequência do dever de imparcialidade do Juiz, pela sua posição super partes, que conota todo o justo processo”. [[3]] (tradução nossa). Também a doutrina italiana se tem dividido na taxação de nulidade da sentença de “terza via”, como dá nota o artigo que vimos citando.

A jurisprudência indígena, mais significativa, e que, em nosso juízo melhor, melhor atina com o ordenamento jusprocessual vigente vem plasmada no...

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