Acórdão nº 00821/20.8BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução28 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO 1.1. J.

, residente na Calçada (…), intentou a presente ação administrativa contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, com sede na Avenida (…), pedindo que a ação seja julgada procedente, e em consequência, que seja revogado o despacho de deferimento parcial, substituindo-o por outro que defira totalmente o pagamento dos montantes reclamados pelo A. ao R. até ao montante máximo legalmente permitido, incluindo a indemnização em virtude do despedimento ilícito.

Para tanto alega, em síntese, que foi admitido ao serviço da sociedade comercial “V., Lda.” em fevereiro de 2000 e exerceu funções até 26 de junho de 2019, data em que foi despedido sem que previamente tenha sido instaurado processo disciplinar, auferindo à data da cessação do contrato de trabalho, a retribuição base mensal de € 600,00, acrescida de € 3,20/dia referente a subsídio de alimentação; Em 12/09/2019 requereu a insolvência da sua ex-entidade empregadora, a qual foi julgada procedente e reclamou aí os seus créditos laborais no valor global de € 15.702,24, os quais foram reconhecidos pelo Administrador de Insolvência e não foram objeto de impugnação; Posteriormente, requereu o pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial dos seus créditos laborais do qual constava, entre outros, o crédito no valor de € 11.600,00, a título de indemnização pela cessação ilícita do contrato de trabalho, mas a Entidade Demandada indeferiu tal pretensão, com os seguintes fundamentos: “- Os créditos requeridos foram recalculados com base na informação constante no Sistema de Informação da Segurança Social (qualificação na EE insolvente de 01/03/2000 a 30/06/2019).

- Não foi assegurada a Indemnização por se tratar de despedimento com justa causa promovido pela entidade empregadora.

- Os proporcionais foram recalculados tendo em consideração a duração do contrato de trabalho.

- Parte dos créditos requeridos encontra-se vencida em data anterior ao período de referência, Ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação (Insolvência, Falência, Revitalização, ou Procedimento extrajudicial de recuperação de empresas) previsto no nº.4 do artigo 20 do Dec-Lei 59/2015, de 21 de abril.

- No que concerne à indemnização por justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, o nº 1 do artigo 396º Código do Trabalho determina que o mesmo tem direito a indemnização cujo montante não é quantificável por simples cálculo aritmético, variando entre 15 e 45 dias de retribuição base mais diuturnidades, havendo ainda que atender, nessa determinação, ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador.

- Importa ademais ressaltar o nº 4 do artigo 394º do Código do Trabalho, que determina que a justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º com as devidas adaptações, i.e., deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

Destarte, entende o Fundo de Garantia Salarial não assegurar a indemnização por justa causa, enquanto a obrigação não se tornar líquida, conforme determina o nº 3 do artigo 805.º do Código Civil, devendo o montante indemnizatório ser fixado judicialmente”; Considera que tem direito a que lhe seja reconhecido e pago o valor referente à indemnização pela cessação ilícita do contrato de trabalho no valor de € 11.600,00, uma vez que tal crédito está reconhecido pelo Administrador de Insolvência, não foi impugnado e está inserido no plano de insolvência aprovado no referido processo.

1.2. Citada, a Entidade Demandada apresentou contestação, na qual pugnou pela total improcedência da ação, alegando, em síntese, que o ato impugnado obedeceu ao disposto no D.L. n.º 59/2015, de 21/04.

1.3. Proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o valor da causa em € 11.600,00 (onze mil e seiscentos euros), ordenou-se o desentranhamento do articulado que o Autor denominou de “Réplica” com fundamento na sua inadmissibilidade legal, por não terem sido deduzidas exceções na contestação, dispensou-se a produção de prova testemunhal, por desnecessária e, bem assim, a realização de audiência prévia, e conheceu-se do mérito da ação em saneador-sentença, sendo o respetivo segmento decisório do seguinte teor: «Pelas razões e fundamentos expostos, julgo a presente ação administrativa parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Entidade Demandada a praticar novo ato que reconheça como devido o crédito que consta do requerimento apresentado pelo Autor para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, respeitante à indemnização pela cessação ilícita do contrato de trabalho e, consequentemente, lhe pague a quantia de € 167,47, observando as deduções e retenções legais, se a elas houver lugar.

Condeno o Autor no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo da concessão do benefício do apoio judiciário de que beneficia.

Sem custas quanto à Entidade Demandada.

Registe e notifique.» 1.4. Inconformado com o assim decidido, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, no qual apresenta as seguintes Conclusões: «A. O FGS, na decisão impugnada, entendia apenas que não devia assegurar “a indemnização por justa causa, enquanto a obrigação não se tornar líquida, conforme determina o n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil, devendo o montante indemnizatório ser, fixado judicialmente”.

B. Era apenas e só esta a questão em crise nos autos, mais nenhuma.

C. O A. entendia que a indemnização por despedimento ilícito no valor de 11.600,00€ se encontrava devidamente reconhecido e fixado judicialmente e por isso se encontrava líquida a obrigação, devendo ser paga pelo FGS até ao limite máximo fixado por lei.

D. A R. entendia por seu lado que a indemnização não se encontrava judicialmente fixada.

E. O Tribunal a quo pronunciou-se para lá do que lhe era pedido, fazendo recair a sua decisão sobre o montante máximo que o FGS estaria obrigado a suportar no caso concreto, tendo fixado esse montante em 3.600,00€, o que constitui nulidade da sentença por excesso de pronúncia, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 615.º, n.º1, alínea d) do CPC e artigo 1.º do CPTA.

F. Veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 16/02/2017, processo n.º 10126/13, disponível para consulta em www.dgsi.pt que: “Diz-se que há excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode conhecer por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir, ou quando vai além do elenco legal de conhecimento oficioso, ou, ainda, por conhecer em quantidade superior ou objecto diverso do pedido vazado na petição”.

G. A decisão recorrida constitui ainda decisão surpresa, que nunca foi sequer discutida nos presentes autos, nem sequer alegada pelo R./Recorrido, não sendo objecto da impugnação.

H. Da fundamentação da decisão do FGS resulta que este apenas não aceita o valor reclamado a título de indemnização pelo facto de entender que não está judicialmente reconhecido e não com fundamento no facto da quantia reclamada estar acima do limite legalmente estabelecido.

  1. A sentença recorrida deve assim ser declarada nula por excesso de pronúncia nos termos e com os efeitos previstos no artigo 615.º, n.º1, alínea d) do CPC, aplicável por força do artigo 1.º do CPTA, devendo ser proferida nova sentença que se limite a conhecer somente da questão controvertida.

TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência ser declarada nula a sentença recorrida por excesso de pronúncia nos termos dos artigos 615.º, n.º1, alínea d) do CPC e artigo 1.º do CPTA. E, consequentemente, ser proferida nova sentença que se limite a conhecer da questão controvertida.» 1.5. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.6. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto e em que se pronunciou sobre a nulidade da sentença com fundamento em excesso de pronúncia, considerando não se verificar o invocado vício.

1.7. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público não emitiu parecer.

1.8. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

*II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1 Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.

Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas pela Apelante à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a sentença sob sindicância é nula, por excesso de pronúncia, por nela o tribunal a quo ter conhecido para além do que lhe era permitido, constituindo uma decisão surpresa, proferida sem que tivesse sido respeitado o princípio do contraditório.

**III- FUNDAMENTAÇÃO A- DE FACTO 3.1.

A 1.ª Instância deu como assentes os seguintes factos (não objeto de sindicância por parte da apelante, que limitou o seu recurso à interpretação e aplicação do direito, como resulta nomeadamente da falta de qualquer referência - e cumprimento - ao ónus de impugnação do julgamento da matéria de facto...

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