Acórdão nº 5699/15.0T8OAZ-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelMIGUEL BALDAIA MORAIS
Data da Resolução24 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 5699/15.0T8OAZ-A.P1 Origem: Comarca de Aveiro, Oliveira de Azeméis – Instância Central – 2ª Secção de Comércio, Juiz 2 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2º Adjunto Des. José Sousa Lameira*Sumário I - O prazo fixado no nº 5 do artigo 17º-D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, para a conclusão das negociações tendentes à revitalização do devedor, é perentório ou preclusivo.

II - Decorrido tal prazo sem que as negociações estejam concluídas, o processo negocial fica encerrado, não podendo ser homologado o plano que, ainda assim, venha a ser aprovado, por ocorrer uma violação não negligenciável de regras procedimentais.

III - O sentido útil do nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil é o de que, previamente ao exercício da liberdade subsuntiva do juiz no concernente à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, deve este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tenham razoavelmente podido contar.

IV – Como assim, sob o enfoque da referida normatividade, o julgador apenas está constituído no dever de observar a contraditoriedade quando esteja em causa uma inovatória e inesperada questão de direito que não tenha, de todo, sido perspetivada pelos litigantes de acordo com um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão.

* Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO“B…, Ldª” intentou o presente processo especial de revitalização ao abrigo do disposto nos arts. 17º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), vindo a ser sido proferido despacho inicial no dia 14 de dezembro de 2015.

Por requerimento de fls. 158 e seguintes, o administrador judicial provisório juntou a lista provisória de credores, prevista no art. 17º-D, nº 2 do CIRE, a qual foi publicitada no portal CITIUS no dia 22 de janeiro de 2016.

Foi requerida a prorrogação do prazo para as negociações por 30 dias, nos termos previstos no nº 5 do art. 17º-D do CIRE, o que foi publicitado no portal CITIUS no dia 28 de março de 2016.

Por requerimento apresentado em 2 de maio de 2016 (cfr. fls. 413 e seguintes) foi junto o plano especial de revitalização, o qual não vinha acompanhado das declarações de voto, nem do resultado da votação.

Por despacho exarado no dia 3 de maio de 2016, o administrador judicial provisório foi notificado para apresentar o resultado da votação e as declarações de voto, sendo que, por requerimento de fls. 493 e seguintes, veio juntar tais elementos, deles resultando que a diligência de abertura dos votos se realizou no dia 24 de maio de 2016 e bem assim que os credores votaram em vários dias (concretamente nos dias 2, 3, 5, 11, 12, 13 e 16 todos do mês de maio de 2016), tendo votado o plano de revitalização 98,06% dos credores, dos quais 50,95% votaram favoravelmente e 49,05% votaram contra.

Em 3 de julho de 2016 veio a ser prolatada sentença na qual se decidiu: “a) - Considerar expirado o prazo previsto pelo art. 17º-D, nº 5 do CIRE, com a consequente não homologação do plano de revitalização apresentado; b) - Determinar o encerramento do processo nos termos previstos pelo art. 17º-G, nº 1; c) - Nos termos previstos pelo art. 17º-G, nº 2 do CIRE, por força do encerramento do processo, determina-se a extinção de todos os seus efeitos”.

Inconformada com essa decisão, veio a requerente interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintesCONCLUSÕES:A. Foram violados, entre outros, os arts. 195.º, 3.º, 6.º n.º 1 do Código de Processo Civil ex vi art. 17.º e arts. 17.º-D, n.º 5 e 215.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

  1. O recurso ora apresentado tem na sua génese a sentença da Meritíssima Juiz a quo que não homologou o plano de revitalização da recorrente “B…, LDA.” e consequentemente declarou encerrado o processo nos termos do art. 17.º-G, n.º 1 do CIRE.

  2. Entende a recorrente que a Meritíssima Juiz a quo decidiu assente em erro na interpretação e aplicação do art. 17.º-D, n.º 5 do CIRE uma vez que o prazo de três meses não é um prazo peremptório, podendo ser ultrapassado, desde que justificadamente.

  3. Ora, conforme refere e bem a Meritíssima Juiz a quo “o prazo para as impugnações terminou no dia 29 de Janeiro de 2016. Iniciou-se o prazo de dois meses para as negociações. O prazo foi prorrogado por mais um mês. O prazo de três meses terminou no dia 29 de Abril.” (destaque nosso).

  4. Por requerimento datado de 30 de Maio de 2016 veio o Exmo. Senhor Administrador Judicial Provisório juntar as declarações de voto sobre o plano de revitalização em questão.

  5. Da leitura da acta de abertura de votos que teve lugar no dia 24 de Maio de 2016 resulta que votaram o plano de recuperação 98,06% dos credores sendo que 50,95% dos credores votaram favoravelmente o plano de recuperação e 49,05% votaram contra.

  6. No seguimento das declarações de voto juntas pelo Exmo. Senhor Administrador Judicial Provisório e tendo em consideração o resultado da votação do plano de revitalização apresentado que reuniu 50,95% dos votos favoráveis foi, por despacho datado de 1 de Junho de 2016, aprovado o referido nos termos e para os efeitos dos arts. 17.º-F, n.º 3 e 212.º, n.º 1 do CIRE.

  7. Por sentença, datada de 27 de Junho de 2016, a Meritíssima Juiz a quo decidiu não homologar o plano de revitalização apresentado por “considerar expirado o prazo previsto pelo art. 17.º-D, n.º 5 do CIRE”, tendo ainda determinado o encerramento do processo nos termos do art. 17.º-G, n.º 1 do CIRE e, bem assim, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo a extinção de todos os seus efeitos.

    I. Alega, para o efeito, que “o tribunal oficiosamente não deve homologar o plano, em caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devem preceder a homologação”.

  8. No entanto entende a recorrente que o prazo de três meses previsto no art. 17.º-D, n.º 5 do CIRE não tem, salvo melhor e mais douta opinião, natureza peremptória.

    SENÃO VEJAMOS: K. É o próprio art. 17.º-D, n.º 5 do CIRE a prever a sua eventual prorrogação pelo que, por esse motivo, e s.m.o., não pode considerar-se que o prazo estabelecido é de natureza peremptória.

    L. Atribuir-se natureza peremptória ao prazo estabelecido no art. 17.º-D, n.º 5 do CIRE seria contrariar totalmente, e subverter até, o espírito do legislador aquando a introdução, em 2012, do PER visto que nos termos do art. 17.º-A, n.º 1 do CIRE, um processo especial e que se destina a permitir a qualquer devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização económica, facultando-lhe a possibilidade de se manter activo no giro comercial.

  9. Trata-se de um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, tendo como corolário chegarem a acordo com vista à sua revitalização, sendo uma oportunidade para promover a reestruturação da empresa.

  10. O que se pretende, fundamentalmente, é a conclusão do processo com a aprovação, pela maioria dos credores, de um plano que permita a manutenção sustentada da empresa, que se traduza em perdas mais reduzidas para os credores, evitando-se os efeitos sociais e económicos negativos que advêm da liquidação de uma empresa.

  11. Nestes termos, o conjunto das normas reguladoras do PER visa proteger o devedor, evitando um eventual processo de insolvência com todas as consequências nefastas que isso acarretaria para a devedora, desde logo o encerramento da actividade comercial.

  12. O PER está consagrado em termos muito flexíveis, embora fixando um determinado procedimento e publicidade, bem como prazos curtos, num processo de natureza urgente, nos termos do art. 17.º-A, n.º 3 do CIRE, que se pretende de rápida conclusão, tendo em conta, nomeadamente, os efeitos da sua instauração previstos no art. 17.º-E do mesmo diploma legal.

  13. E o art. 17.º-G, n.º 1 dispõe que “caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do art. 17º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios electrónicos e publicá-lo no portal Citius”.

  14. Ora, “(…) art. 17.º-G do CIRE apenas contempla a hipótese de o processo negocial ser obrigatoriamente encerrado no caso de as negociações terminarem (antecipadamente ou por ser ultrapassado o prazo previsto no n.º 5, do art. 17.º-D) sem que tivesse sido possível aprovar o plano de recuperação” cfr. Ac. RL de 10.04.2014, proc. 8972/13.9T2SNT.L1-7, in www.dgsi.pt.

  15. Constitui um facto assente que as negociações levaram à aprovação do plano de revitalização com 50,95% dos votos, alcançando o fim visado pelo legislador com a previsão do processo em causa.

  16. Deve, por isso, ser considerada negligenciável a ultrapassagem do prazo para a conclusão das negociações uma vez que, apesar de tudo, foi satisfeita a totalidade dos interesses em presença, isto é, os do devedor, os dos credores e...

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