Acórdão nº 07P3872 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução27 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. O Tribunal Colectivo da 6.ª Vara Criminal de Lisboa (2.ª secção) condenou o arguido AA pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado do art. 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) com referência ao art. 204.º, n.º 2, als. a) e f), do C. Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão e o arguido BB pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado do art.210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do C. Penal, com referência ao art.204.º, n.º 2, als .a) e f), do C. Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

    Julgou ainda parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante CC, Companhia de Segurança, Ldª, e, consequentemente, condenou os demandados AA e BB a pagar-lhe o montante de 21.940 Euros acrescido de juros à taxa anual de 4%, nos termos da Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril, vencidos desde a notificação do pedido de indemnização civil e vincendos, até integral pagamento, absolvendo-os no mais.

    Inconformados recorreram os dois arguidos para a Relação de Lisboa suscitando as seguintes questões: (i) suficiência da prova para dar como provados os factos da acusação imputados aos arguidos, havendo erro notório na valoração daquela prova; (ii) violação dos princípios da "livre apreciação da prova" e do "in dubio pro reo"; (iii) validade do reconhecimento dos arguidos feito pela testemunha NA; (iv) medida excessiva das penas aplicadas, devendo o AA ser condenado em pena mais reduzida, suspensa na sua execução; (v) procedência do pedido de indemnização formulado pela "CC" contra os arguidos.

    Aquele Tribunal Superior (Recurso n.º 1296/07-5 (170)) julgou improcedentes os recursos.

    Ainda inconformado, recorre agora para este Tribunal o arguido AA, que suscita as seguintes questões: - Errada valoração da prova, violação do princípio da livre apreciação da prova, e do principio do in dubio pro reo (conclusões 1.ª a 36.ª); - Medida da pena (conclusões 37.ª a 47ª).

    Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, que concluiu pela integral confirmação do acórdão recorrido, negando-se provimento ao recurso do arguido AA.

    Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público.

    Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência.

    Nela, o Ministério Público sustentou que não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça o conhecimento da questão de facto e das respectivas regras instrumentais, sendo certo que não foi invocada qualquer proibição absoluta de prova, mas tão só questionada a convicção. Quanto à pena aplicada ao recorrente considera-a benevolente, atendendo ao dolo intenso e à grande ilicitude. Trata-se de um assalto à mão armada de valor consideravelmente elevado que, em concreto ultrapassa largamente o valor necessário à qualificação e em que as necessidades de prevenção geral de integração são elevadas, dada a inquietude social que geram. A defesa remeteu para a motivação de recurso.

    Cumpre, pois, conhecer e decidir.

    2.1.

    E conhecendo.

    A primeira questão suscitada pelo recorrente prende-se com a valoração da prova feita pelas instâncias, que teriam violado o princípio da livre apreciação da prova, e o princípio do in dubio pro reo.

    Sustenta ele que foi cometido erro na valoração da prova e a determinação da medida da pena aplicada pelo acórdão recorrido (conclusão 3.ª), por ter sido dada como provada a sua participação nos factos ocorridos no dia 4 de Junho do ano transacto sem que os elementos probatórios conduzam a tal conclusão (conclusão 4.ª), quando dera como provado que ao "arguido AA incumbia abordar o funcionário da CC quando no regresso do Lidl a fim dos arguidos se apoderarem dos valores que aquele transportasse consigo. Para tanto, utilizaria um revólver, facto este que era do conhecimento do arguido BB e do indivíduo não identificado, que lhe deram o seu o seu acordo" (conclusão 5).

    A convicção do tribunal a quo assentou "designadamente nas declarações prestadas pelo arguido BB aquando do primeiro interrogatório judicial e que constam a fls. 136 a 137 dos autos, lidas em audiência..." e ainda "conjugando o depoimento das testemunhas PA e NA em audiência de julgamento" (conclusão 6.ª), mas os elementos probatórios constantes dos autos não permitem ao tribunal concluir, com rigor e segurança, que o recorrente praticou os factos de que vem acusado (conclusão 7.ª).

    A testemunha NA, em julgamento, reconheceu o recorrente como o indivíduo que empunhou a arma e levou os sacos que o seu colega trazia de dentro do Lidl (conclusões 8.ª e 9.ª), mas depois refere apenas reconhece os arguidos pela sua constituição fisica!! (conclusão 10.ª), quando nunca esteve naquele local, naquela data, (conclusão 11.ª) e, sendo os factos de 4.6.2005, durante o inquérito, a mesma testemunha não reconheceu os arguidos nem pessoal nem fotograficamente (conclusões 12.ª e 15.ª), o que só fez 16 meses após os factos, em sede de julgamento, sem quaisquer hesitações (conclusão 13.ª) A prova de julgamento não pode deixar de ser confrontada com o que se passou no inquérito (conclusão 14.ª), não sendo aquele depoimento isento (conclusão 16.ª), não tendo a outra testemunha, que se encontrava a fazer serviço com a Testemunha NA, o PA reconhecido os arguidos (conclusão 17.ª), quando foi a testemunha que foram retirados os sacos, que esteve frente com o individuo que terá empunhado a arma, e que no douto acórdão se referem como sendo o recorrente (conclusões 18.ª e 19.ª), como valorar este depoimento? (conclusão 20.ª) O recorrente sempre declarou a sua não participação nos factos, reclamando sempre a sua inocência (conclusão 23.ª). O Tribunal a quo ao valorar aquele depoimento violou o disposto nos art.ºs 127°, 410.º n.° 1 al. c) do CPP e o art. 32°. da CRP (conclusão 24.ª), verificando-se erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410° n.° 1 al. c) do CPP e uma violação do principio da presunção da inocência (conclusão 25.ª), Quanto às declarações do arguido BB, em 1.º interrogatório judicial, lidas em audiência, em que referiu que o recorrente participou nos factos, é de salientar que em julgamento o mesmo negou a sua intervenção como o fez o recorrente (conclusão 26.ª), não podiam, pois, ser valoradas essas declarações do co-arguido (conclusão 27.ª), mas foi nelas que se fundou, quase exclusivamente, o Tribunal a quo (conclusões 28.ª e 29.ª), prova insuficiente para a condenação do recorrente, e a sua valoração como elemento essencial de prova, sem qualquer corroboração, constitui interpretação materialmente inconstitucional do artigo 345°., n°. 1 do CPP, por infringir o artigo 32.°, n.°s 1 e 6 da CRP (conclusões 30.ª, 31.ª e 32.ª).

    A convicção do tribunal não se baseou numa valoração lógica, racional e objectiva de toda a prova que apreciou em audiência de julgamento (conclusão 34.ª), pelo que se fica com dúvida séria, honesta e com força suficiente para se tomar um obstáculo intelectual à aceitação de tais factos, efectivamente se passaram, havendo assim lugar à aplicação do princípio "in dubio pro reo" (conclusão 35.ª). Foi assim violado o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do CPP e o princípio do in dúbio pro reo, previsto no art. 32.º da CRP (conclusão 36.ª) Vejamos, pois, da valia desta alegação.

    A primeira observação é a de que ela coloca essencialmente em causa a questão de facto que escapa à censura deste Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, que no caso é.

    Com efeito, é jurisprudência pacífica e continuada deste Tribunal que a apreciação da questão de facto, impugnada amplamente à luz do princípio de livre apreciação da prova, ou à luz dos vícios previstos nas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do CPP, cabe exclusivamente às Relações (art.ºs 427.º e 428.º do CPP), escapando aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, a quem cabe sindicar exclusivamente a questão de direito (art. 432.º do CPP) (cfr. v.g., o AcSTJ de 08/02/2007, proc. n.º 159/07-5, www.stj.pt).

    Mesmo em relação às decisões na al. d) do art. 432.º o âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal é fixado na própria alínea e não no art. 434.º do CPP, o que significa, que, mesmo relativamente aos acórdãos finais do tribunal colectivo, o recurso para o Supremo só pode visar o reexame da matéria de direito.

    Nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação, que, nos termos do art. 428.º conhece de facto e de direito.

    Com efeito, e como este Tribunal tem insistentemente proclamado, em regra, «o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a relação» (art. 427.º do CPP). E só excepcionalmente - em caso «de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito» - é que é possível recorrer directamente para o STJ (art.ºs 432.º, d), e 434.º).

    Ora, como resulta do exposto, o presente recurso - proveniente da Relação (e não, directamente, do tribunal colectivo) - visa, no ponto em causa, fundamentalmente, o reexame de matéria de facto e não exclusivamente, o reexame da matéria de direito (art.º 434.º do CPP) que, no caso do Supremo Tribunal de Justiça exige a prévia definição (pela Relação, se chamada a intervir) dos factos provados.

    E, no caso, a Relação - avaliando a regularidade do processo de formação de convicção do tribunal colectivo a respeito dos factos impugnados no recurso - manteve-os, definitivamente, no rol dos «factos provados».

    De resto, a revista alargada prevista no art. 410.º, n.ºs 2, e 3 do PP, pressupunha (e era essa a filosofia original, quanto a recursos, do Código de Processo Penal de 1987) um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal singular para a Relação) e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito...

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