Acórdão nº 322/16.9PAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução26 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos presentes autos, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Portimão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos PP e RP, imputando, ao primeiro, a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231.º, n.º 1, do Código Penal (CP) e, ao segundo, a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231.º, n.º 2, do CP.

Os arguidos não apresentaram contestação.

Realizado o julgamento e proferida sentença, decidiu-se julgar a acusação procedente, por provada, e consequentemente, - condenar o arguido PP, pela prática em autoria material de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1, do CP, na pena de 7 (sete) meses de prisão; - condenar o arguido RP, como autor material de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 2, do CP, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante de € 360,00.

Inconformado com tal decisão, o arguido RP interpôs recurso, formulando as conclusões: 1. O presente recurso vai interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que condenou o recorrente como autor material de um crime de receptação p. p., pelo artigo 231.º, 2 do CP, na pena de 60 dias de multa, com o quantitativo diário de 6,00 €.

  1. Fundamentando tal decisão, com o facto de ao recorrente ter sido proposta a venda de um telemóvel Samsung usado.

  2. Contudo, o recorrente considera que em audiência de julgamento, o Tribunal a quo não fez qualquer prova, de que o arguido RP tenha praticado algum ilícito.

  3. Ao ter condenado o arguido pelo crime de que vinha indiciado, sem prova, o Tribunal a quo, violou o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 127.º CPP.

  4. Porquanto em audiência de julgamento, não se fez prova de que o recorrente tenha praticado o crime de receptação.

  5. Sendo certo que não se fez prova directa ou indirecta dos factos, pois aquela prova que o Tribunal apresenta, não tem nada a ver com o recorrente, mas sim com o arguido PP.

  6. A prova existente nos autos, nomeadamente a documental refere-se ao outro arguido PP.

  7. Não foi feita prova testemunhal.

  8. O recorrente não prestou declarações em audiência de julgamento.

  9. Na audiência de julgamento o douto Tribunal não conseguiu fazer prova de que o recorrente sabia da proveniência ilícita do telemóvel.

  10. Ademais, não se fez prova do valor actual do telemóvel Samsung inexistindo laudo ou exame que ateste o seu real valor, pois só assim se podia ter afirmado que o arguido e recorrente teve uma vantagem patrimonial.

  11. Também não se fez prova de que o recorrente suspeitou, quando lhe foi proposta a venda do telemóvel pelo arguido PP, que aquele objecto podia ter origem ilícita.

  12. Em teoria, mesmo que o recorrente tivesse suspeitado que o arguido PP tinha adquirido o telemóvel de forma ilícita, o que não se concebe, o mesmo não podia saber que o mesmo tinha adquirido através da prática de um crime contra o património.

  13. O recorrente, nada sabia sobre o PP, o sujeito que lhe fez a proposta de venda do telemóvel, não era seu amigo, parente ou conhecido.

  14. O exposto supra, não foi contraditado ou desmentido por qualquer prova arrolada para os autos pelo MP ou pelo Tribunal.

  15. Contudo, mesmo com todas estas evidências, o douto Tribunal condenou o recorrente.

  16. E ao fazê-lo, o douto Tribunal fez uma errada interpretação dos factos e uma errada apreciação da prova produzida em audiência de julgamento.

  17. Por esta razão o recorrente vem impugnar os pontos 5, 9 e 12 de fls 3, 4 e 5 da sentença recorrida, dos factos que o Tribunal a quo, deu como provados.

  18. Atenta a matéria de facto dada como provada, verifica-se a nosso ver, erro notório na apreciação da prova, e insuficiência para a decisão, da matéria de facto dada como provada, artigo 410.º,2, a) CPP.

  19. Porque se tivesse feito um juízo correcto, o Tribunal a quo teria obrigatoriamente de ter dado como não provados os pontos 5, 9 e 12, de fls. 3, 4 e 5 da douta sentença, ao contrário do que decidiu.

  20. Deste modo o douto Tribunal violou o princípio in dubio pro reo. Com efeito a jurisprudência do S.TJ, pronunciou-se no seguinte sentido:“.. existe erro na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal. Nesta perspectiva, a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida se extrair, por forma mais que óbvia, que o colectivo optou por decidir, na dúvida, contra o arguido.” (neste sentido Ac. STJ de 15 de Abril de 1998; BMJ, 476, 82).

  21. Assim tendo em conta a motivação apresentada na sentença recorrida, é notório que o douto Tribunal, valorou negativamente o silêncio do arguido, decidindo contra o arguido, aplicando ao caso o princípio in dubio contra reum, proibido no nosso direito constitucional.

  22. O silêncio do arguido valorado negativamente, ou seja quem cala consente, viola assim o artigos 61.º,1, d) e 345.º,1 e 4 do CPP, sendo por isso prova proibida.

  23. Concretamente, o douto Tribunal alega a fls. 22 da sentença recorrida, que “não manifestou arrependimento”, como é que se mostra arrependimento por algo que não se praticou? 25.Efectivamente tal alegação, leva-nos a concluir que como já se alegou na motivação, que o douto Tribunal fez uma apreciação errada da prova produzida na audiência de julgamento, valorando negativamente o silêncio do arguido, considerando-o culpado porque se recusou a prestar declarações sobre os factos.

  24. No mesmo sentido e também em fls 22 da sentença recorrida, o Tribunal afirma que o recorrente: “reconhece em abstrato o desvalor do ilícito praticado.” 27.Assim, como o arguido não prestou declarações, esta conclusão resulta inequivocamente da interpretação que o douto Tribunal fez do “silêncio” do arguido.

  25. É entendimento da doutrina e da jurisprudência maioritária, que nós acompanhamos: ”O direito do arguido ao silêncio impõe que essa circunstância não pode ser valorada contra si, como indício de culpabilidade: do silêncio do arguido não pode concluir-se que é ele o autor do furto porque “quem não deve não teme”, ou porque não apresentou qualquer justificação para o facto de ter na sua posse os objetos furtados.Ac.TRP.Proc.136/06.4GAMCD.P1 de 11.01-2012.

  26. O douto Tribunal tinha desde o início uma convicção pessoal, emotiva, de que o recorrente tinha praticado o ilícito, logo era culpado, fundamentando essa conclusão, com a sua conduta anterior (antecedentes), conforme alega a fls. 22 da sentença recorrida.

  27. Ora corolário do princípio da legalidade, a culpa, só existe se o facto for típico e ilícito, o que no caso em crise não se verifica, pois o tipo não está preenchido.

  28. Não havendo ilícito, não há culpa, porquanto a conduta concreta do arguido RP, não é censurável, uma vez que o tipo objectivamente e subjectivamente não está preenchido.

  29. Acresce que a culpa do arguido foi fundamentada também, com os antecedentes criminais, aplicando o douto Tribunal aplica a máxima: o condenado é sempre condenado, violando entre outros os artigos 70.º e 71.º CP.

  30. A douta sentença recorrida viola o artigo 10.º,1 e o 1.º, 1, do Código Penal.

  31. O douto Tribunal violou o artigo 231.º,2 CP.

  32. O douto Tribunal violou o princípio da livre apreciação da prova artigo 125.º e 127.º CPP.

  33. O douto Tribunal violou o artigo 355.º CPP.

  34. O douto Tribunal violou o artigo 345.º1 e 4 CPP.

  35. O douto Tribunal violou o artigo 32.º,2 da CRP.

  36. O douto Tribunal violou o artigo 11.º da DUDH.

  37. O douto Tribunal violou o artigo 6º da C.E.D.H.

  38. O douto Tribunal violou o artigo 14.º do Pacto I.D.C.P.

  39. O douto Tribunal violou o artigo 70.º e 71.º do CP.

  40. O douto Tribunal violou o artigo 379.º, 1 c) do CPP, sendo a sentença recorrida nula, por excesso de pronúncia (nomeadamente por pronuncia sobre questões que não tomar conhecimento, ao nível da prova, 345.º, 4 e 355.º CPP).

  41. Termos em que o presente recurso deve ser considerado procedente, sendo o arguido ora recorrente absolvido do crime pelo qual foi condenado, com as consequências legais.

    TERMOS EM QUE SE REQUER SEJA CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA FAZENDO ASSIM OS SENHORES VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES “A COSTUMADA JUSTIÇA!” O recurso foi admitido.

    O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: Analisada a sentença recorrida, não se vislumbra a existência de qualquer vício, nomeadamente os previstos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nem a violação do princípio in dubio pro reo, não merecendo a sentença qualquer censura, pois bem ajuizou a prova produzida em audiência, fazendo a correcta qualificação dos factos e aplicando correctamente a pena.

    Nestes termos, não deverá ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

    Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

    Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), nada foi acrescentado.

    Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

  42. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as nulidades da sentença (art. 379.º, n.º 1, do CPP) e as previstas no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, conforme, designadamente, jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e, ainda, acórdão do STJ de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in...

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