Acórdão nº 625/98 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Novembro de 1998

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução03 de Novembro de 1998
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 625/98

Proc. nº 816/96

  1. Secção

Rel. Cons. Tavares da Costa

(Consª Mª Fernanda Palma)

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

I

1. - R. S., requereu, na qualidade de Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, ao Ministro da Justiça, em 4 de Fevereiro de 1993, que determinasse no sentido de as suas remunerações mensais, com os retroactivos devidos, lhe serem pagas de harmonia com o disposto na Lei nº 2/90, de 20 de Janeiro, sem atenção ao preceituado nos nºs. 1 e 2 do artigo 1ºda Lei nº 63/90, de 26 de Dezembro.

Uma vez que o Ministro da Justiça não se pronunciou sobre o requerimento apresentado, interpôs recurso do acto tácito de indeferimento para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), em 25 de Novembro de 1993.

O recorrente, na petição apresentada, sustentou a inconstitucionalidade das normas contidas nos nºs. 1 e 2 do artigo 1º da citada Lei nº 63/90, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição da República (CR) e, bem assim, do disposto nos artigos 59º, nº 1, alínea a), e 56º, nº 2, alínea a), da mesma lei fundamental, o que reiterou nas respectivas alegações de recurso.

O STA, por acórdão de 14 de Maio de 1996, concedeu provimento ao recurso, tendo recusado a aplicação da norma contida no nº 2 do artigo 1º da Lei nº 63/90, em virtude de a considerar inconstitucional, por violação do princípio da confiança, contido no princípio do Estado de direito democrático.

O magistrado do Ministério Público competente interpôs recurso de constitucionalidade dessa decisão, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea a), da CR, e 70º, nº 1, alínea a), 72º, nºs. 1, alínea a) e 3, 75º e 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, para apreciação da constitucionalidade da norma cuja aplicação foi recusada.

Nas alegações oportunamente apresentadas entendeu este magistrado dever confirmar-se a decisão recorrida quanto ao juízo de constitucionalidade.

De acordo com a conclusão que sumaria as suas alegações, "a artificial e arbitrária equiparação remuneratória entre magistrados colocados em tribunais «hierarquicamente» diferenciados - e, portanto, com um estatuto funcional e atribuições substancialmente diferenciadas - resultante do congelamento dos vencimentos ao nível do montante correspondente à remuneração base do cargo de Primeiro-Ministro, decretada pelo nº 2 do artigo 1º da Lei nº 63/90 - em vigor até à edição da Lei nº 19/93 - constitui violação do princípio constitucional da igualdade, afirmado pelos artigos 13º e 59º, nº 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, bem como da diferenciação funcional - e, portanto, necessariamente remuneratória - ínsita nos artigos 212º e 217º da Lei Fundamental".

O recorrido, por sua vez, contra-alegou, propugnando a confirmação do acórdão, julgando-se inconstitucional "por violação, quer do princípio da igualdade, quer do princípio do Estado de direito democrático, a norma do nº 2 do artigo 1º da Lei nº 63/90, enquanto genericamente aplicável a juízes conselheiros".

Correram-se os vistos legais, cumprindo agora, após mudança de relator, por vencimento, apreciar e decidir.

II

1. - A Lei nº 2/90, de 20 de Janeiro, alterou significativamente o sistema retributivo dos magistrados judiciais e do Ministério Público, ao dar nova redacção ao disposto nos artigos 22º e 23º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho, e aos artigos 73º e 74º da Lei Orgânica do Ministério Público, aprovada pela Lei nº 47/86, de 15 de Outubro.

Nos termos destes preceitos, a estrutura da remuneração base a abonar mensalmente aos magistrados é a contida na escala indiciária anexa àquele primeiro diploma legal - compreendida entre os coeficientes de 100 e 260 - estabelecendo-se o princípio da revisibilidade anual do valor correspondente ao índice 100. E estatuíu-se que, a partir de Janeiro de 1991, tal actualização passaria a ser automática, nos termos estabelecidos para a actualização das remunerações dos titulares de cargos públicos.

No entanto, a Lei nº 63/90, de 26 de Dezembro, veio suspender a aplicação desse princípio de actualização anual automática, na medida em que se mostre excedido o montante correspondente à remuneração base do cargo de Primeiro-Ministro - como decorrência da suspensão das actualizações dos vencimentos dos titulares de cargos públicos.

Dispôs, a este propósito, o seu artigo 1º:

?1.- É suspensa, a partir de 1 de Janeiro de 1991, e até que a Assembleia da República aprove os princípios de actualização das remunerações dos Titulares de cargos públicos, a vigência do disposto no artigo 2º da Lei nº 26/84, de 31 de Julho, para efeitos de aplicação do regime transitório previsto nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 31º do Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, aplicando-se, enquanto vigorar a suspensão, unicamente o regime previsto no artigo 4º deste diploma.

2.- A suspensão prevista no número anterior é apenas aplicável à parcela das remunerações e pensões fixadas pela Lei nº 2/90, de 20 de Janeiro, que exceda o montante correspondente à remuneração base do cargo de Primeiro-Ministro".

Por sua vez, pela Lei nº 19/93, de 25 de Junho, aditou-se um nº 3 àquele artigo 1º, estatuindo que:

"3.- À remuneração ou pensão que resulta da aplicação do número anterior é acrescentado o montante necessário para que se verifique uma diferenciação de 3% em relação à categoria que detenha o índice imediatamente inferior, de acordo com os mapas mandados anexar pela Lei nº 2/90, de 20 de Janeiro, à Lei nº 21/85, de 30 de Julho, e à Lei nº 47/86, de 15 de Outubro."

Retenha-se, ainda, que pelo artigo 2º desta ultima lei - a nº 19/93 - se determinou que a mesma entrasse em vigor no dia 1 de Janeiro de 1994 (nº 1), podendo o Governo determinar, por decreto-lei, a sua imediata entrada em vigor, com efeitos retroactivos a Janeiro de 1993 (nº 2), o que foi efectivado pelo Decreto-Lei nº 339/93, de 30 de Setembro.

2. - O objecto do presente recurso de constitucionalidade é constituído pela norma contida no nº 2 do artigo 1º da Lei nº 63/90, que o tribunal recorrido desaplicou, necessariamente conexo com o nº 1 do mesmo preceito, enquanto respeita à situação remuneratória dos magistrados judiciais e do Ministério Público e determina a suspensão da actualização das respectivas remunerações.

Com efeito, convém ter presente que o regime de indexação de vencimentos previsto pela Lei nº 2/90, a partir de 1 de Janeiro de 1991, é apenas parte de um regime mais amplo.

Na verdade (e seguimos de perto o acórdão deste Tribunal nº 237/98, ainda inédito que referiremos adiante mais detalhadamente), desde a Lei nº 26/84, de 31 de Julho as remunerações do Presidente da República são ?automaticamente actualizadas, sem dependência de qualquer formalidade, em função e na proporção dos aumentos do vencimento correspondente à mais alta categoria da função pública? (artigo 2º), princípio que a Lei nº 102/88, de 25 de Agosto, não alterou, apenas especificando que tal actualização automática de vencimentos se faria "em função e na proporção das alterações à remuneração mensal ilíquida fixada para o cargo de director-geral na Administração Pública" (artigo 1º). Ora, por efeito da Lei nº 4/85, de 9 de Abril, alterada pela Lei nº 102/88, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro e os restantes membros do Governo, os deputados e os Ministros da República para as Regiões Autónomas têm o seu regime remuneratório indexado ao vencimento ilíquido do Presidente da República. E em consequência da Lei nº 29/87, de 30 de Junho, o mesmo se passa em relação aos presidentes e aos vereadores das câmaras municipais.

Assim, o regime de indexação dos vencimentos dos magistrados judiciais, previsto, a partir de 1 de Janeiro de 1991, pela Lei nº 2/90, de 20 de Janeiro, é apenas uma parte de um regime mais amplo, todo ele afectado pela suspensão da actualização automática do vencimento e abono mensal do Presidente da República, prevista no artigo 2º da Lei nº 26/84, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 102/88 - suspensão essa que, como se referiu, abrangeu outros titulares de cargos públicos.

O mesmo não se passa com a norma do nº 2 do artigo 1º da Lei nº 63/90, que diz estritamente respeito à situação remuneratória dos magistrados judiciais e dos magistrados do Ministério Público.

3. - No caso concreto, questiona-se a constitucionalidade da norma do nº 2 do artigo 1º da Lei nº 63/90 uma vez que esta seria feridente do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2º da CR) e do disposto nos artigos 59º, nº 1, alínea a), e 56º, nº 2, alínea a), da...

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