Acórdão nº 9872/16.6BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelPATR
Data da Resolução23 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I-RELATÓRIO O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “M….., M…..- ….., SA”, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 1994, 1995 e 1996 no valor de €27.673,81 (5.548.100$00), €10.226,33 (2.050.196$00) e €6.737,34 (1.350.716$00), respetivamente e correspondentes juros compensatórios.

A Recorrente veio apresentar as suas alegações de recurso, formulando as conclusões que infra se reproduzem: “I. A impugnante, M….., M…..- …..

, SA, NIPC ….., veio deduzir impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA referente aos exercícios de 1994, 1995 e 1996 no montante de 5.548.100S00, 2.050.196$00 e 1.350.716$00 respectivamente e correspondentes juros compensatórios.

  1. Em cumprimento das ordens de serviço n° ….., ….. e ….. de 12-02-1998, os serviços de fiscalização da AT, realizaram procedimento de inspecção à impugnante referente aos exercícios de 1994, 1995 e 1996.  III. Nesta sequência foram propostas as seguintes correcções: 18.231,822$00 para o ano de 1994, 5.104.835$00 para 1995 e 13.001.500$00 para o ano de 1996.

  2. Solicitou a impugnante, ora recorrida, revisão da matéria tributável, nos termos do art.° 84° do CPT no que diz respeito ao IVA de 1994, e nos termos do art.° 91.° da LGT no que diz respeito aos anos de 1995 e 1996, tendo, por acordos dos peritos intervenientes, sido fixadas os seguintes valores: 5.598.100$00 para o ano de 1994, 2.050.196$00 para 1995 e 1.350.716$00 para o ano de 1996.

  3. Dispõe o art.° 92° n.° 1 da LGT que: O procedimento de revisão da matéria colectável assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando houver, e visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeito de liquidação.

  4. E havendo acordo entre os peritos, o tributo será liquidado com base na matéria tributável acordada, conforme dispõe o art.° 92° n.° 3 da LGT, devendo o acordo fundamentar a nova matéria tributável encontrada em caso de alteração da matéria inicialmente fixada, cf. art.° 92° n.° 4 da LGT.

  5. Por sua vez, como se refere na douta sentença recorrida, no n.° 4 do artigo 86° da LGT dispõe-se que na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável.

  6. Ora, a ora impugnante não poderia desconhecer que o perito por si indicado a iria representar no debate contraditório a que alude aquele artigo 92° n.° 1 da LGT, e que o iria representar para efeito de chegar ou não ao acordo previsto na lei.

  7. A não se entender deste modo, estar-se-á a subverter, além da letra, todo o espírito da lei, que prevê que antes da liquidação se procure obter um acordo, do qual se faz decorrer toda uma série de consequências.

  8. E a AT está vinculada ao princípio constitucional da segurança jurídica e de forma mais estrita ao princípio da confiança, e este só é violado quando haja uma afectação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa de expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos (Acórdãos do Tribunal Constitucional nos 287/90, 303/90, 625/98, 634/98, 186/2009, disponíveis em www.tribunal constitucional.pt).

  9. Posto isto, ao proferir a sentença nestes moldes, foram violados os art.° 91°, 92° e 86°, n°4 da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada parcialmente, no que tange às liquidações de IVA de 1995 e 1996, por não poderem ser objecto de impugnação, assim se fazendo a costumada justiça!” *** A Recorrida “M….., M…..- ….., SA”, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma: “ A) O presente recurso foi interposto pela Digna Representante da Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo n.° 105/00.2.2, a qual julgou procedente a impugnação judicial apresentada pelos Recorridos contra os actos de liquidação adicional de IVA, relativos aos exercícios de 1994, 1995 e 1996, nos montantes, respectivamente, de PTE 5.548.110$00, de PTE 2.050.196$00 e de PTE 1.350.716$00, e correspondentes juros compensatórios; B) A Digna Representante delimitou objectivamente o recurso à parte da sentença referente às liquidações adicionais de IVA dos exercícios de 1995 e 1996, pelo que, não tendo sido apresentado recurso do segmento decisório relativo à anulação do acto de liquidação adicional de IVA do ano de 1994, deverá a mesma cristalizar-se na ordem jurídica nessa parte, circunscrevendo-se o recurso apresentado pela Digna Representante da Fazenda Pública aos referidos actos de liquidação de IVA de 1995 e 1996 e à decisão que sobre os mesmos foi proferida; C) Nas suas alegações de Recurso a Digna Representante da Fazenda Pública aduz a sua argumentação jurídica sobre o mérito da decisão elaborada pela douta sentença proferida pelo tribunal a quo, na parte acima referida, sustentado que ocorreu uma violação dos artigos 91.°, 92.° e 86.°, n.° 4 da LGT e, consequentemente, dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança; D) Pelo facto da determinação da matéria colectável ter resultado de um acordo entre os peritos - indicados pela A.T. e pela ora Recorrida - considera a Recorrente que, ao abrigo do artigo 86.°, n.° 4 da LGT, não podia ter sido impugnada a matéria tributável dos anos de 1995 e 1996 causa; E) Sucede que ficou irremediavelmente dado como assente nos autos que a A.T. procedeu à determinação da matéria colectável de IVA referente aos exercícios de 1995 e 1996, por via de métodos indiciários, de forma irregular, circunstância que foi, igualmente, confirmada pela própria A.T. (pontos 9 a 11 do segmento probatório); F) No entanto, nas suas alegações, a Digna Representante da Fazenda Pública não procura rebater estas considerações, passando “por cima” da discussão sobre a admissibilidade de recurso aos métodos indirectos no caso vertente, por considerar que o acordo alcançado nos termos do artigo 91.° da LGT é inimpugnável; G) A interpretação que a Digna Representante da Fazenda Pública faz, a este propósito, do princípio da segurança jurídica é precisamente oposta à que, no entendimento da Recorrida, deveria resultar da sua ratio legis, colidindo com outro dos princípios basilares em direito tributário e que norteiam a actuação da A.T.: o princípio da legalidade, previsto, desde logo, no artigo 55.° da LGT; H) Com efeito, é injustificável que a Recorrente procure arrogar-se à manutenção da liquidação de um tributo que foi apurado sob manifesta ilegalidade, pois, embora o contribuinte tenha o legítimo direito a que os seus actos produzam os efeitos por si pretendidos, e na justa medida dos mesmos, a verdade é que esse mesmo contribuinte tem, por força do princípio da segurança e certeza jurídicas, o superior direito de não aceitar a consolidação na sua esfera jurídica de decisões manifestamente ilegais, como é o caso; I) Pelo que a interpretação constante do ponto 23.° das alegações da Digna Representante da Fazenda Pública não pode proceder, sendo igualmente irrelevantes as considerações feitas nos pontos 17.° a 19.°, acerca do âmbito mais ou menos alargado dos poderes que foram, no caso concreto, conferidos ao perito designado pela Recorrida; J) Sobretudo quando a A.T. tem, e tinha, ao seu alcance, um expediente legal que, por excelência, visa corrigir situações de ilegalidade evidente ou de erro manifesto, como é o caso do procedimento de revisão oficiosa previsto no artigo 78.° da LGT; K) A previsão proposta no artigo 78° da LGT é uma decorrência do objectivo primordial da actuação procedimental administrativa e tributária - a descoberta da verdade material e da própria exigência de cumprimento do princípio da legalidade; L) Partindo da conjugação do artigo 78.° da LGT com os pressupostos da dogmática tributária vigente, considera-se que incumbe, à A.T., um autêntico dever, e não uma mera faculdade, de proceder à correcção oficiosa dos erros por si praticados, como era o caso; M) E mesmo quanto à alegação da Recorrente, de que a A.T. estaria sujeita, por via do princípio da legalidade, ao respeito da decisão que resultou daquela comissão de revisão, diga-se que apesar da actividade administrativa assentar no princípio da legalidade, enquanto limite e pressuposto da mesma, a A.T. não se encontra vinculada apenas pela estrita legalidade: a sua actuação é, também, conformada pelo princípio da juridicidade.

N) Tal afirmação encontra acolhimento no próprio artigo 266.°, n.° 2 da CRP, quanto ao conjunto de princípios gerais a que a A.T. está subordinada, e de onde se afirma o princípio da juridicidade; O) Ou seja, ainda que, como afirma a Digna Representante da Fazenda Pública, a A.T. estivesse vinculada ao acordo obtido em sede de Comissão de Revisão quanto à fixação da matéria colectável - por força do princípio da legalidade - ao deparar-se com um erro de direito - que conformou a sua actuação na aplicação de métodos indiciários - esta tinha o dever de proceder oficiosamente à revisão do acto tributário; P) Acresce que, ainda que se considerasse válido o acordo obtido em sede de Comissão de Revisão, nos termos do artigo 91.° da LGT, a verdade é que a execução do mesmo seria contrária também ao princípio da boa-fé e à prossecução do interesse público; Q) Tal situação derivaria do facto de a A.T., no exercício de um poder vinculado impor ao contribuinte uma realidade materialmente injusta e contrária aos princípios e às disposições previstas na lei e na constituição; R) Assim, deve ser julgado improcedente o recurso agora interposto pelo Digno...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT