Acórdão nº 833/03.6TAVFR.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelJOAQUIM GOMES
Data da Resolução17 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso n.° 833/03.6TAVFR.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes Adjunta: Paula Guerreiro Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto 1. RELATÓRIO 1. Na Instrução n.° 833/03.6TAVFR do 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, em que são: Recorrente/Assistente: B….., Lda.

Recorridos/Arguidos: C….., D…., E…. e F…..

Recorrido: Ministério Público foi proferida decisão instrutória em 201l/Out./27, a fls. 1240-1255, que não pronunciou os arguidos pela prática, como autores materiais, de um crime de insolvência dolosa da previsão do artigo 227.° do Código Penal.

  1. A assistente interpôs recurso em 201l/Dez./09 a fls.

    1292-1342, sem que tivesse formulado expressamente qualquer pedido, mas concluindo que: l.°) Refere o artigo 374° n°2 do CPP, aplicável às decisões instrutórias, que a fundamentação de uma decisão traduz-se numa enumeração de factos provados e não provados — em sede instrutória dos indiciados e não indiciados — seguida de uma exposição tanto quanto possível completa dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame críticos das provas que serviram para formar a convicção [A]; 2.°) No despacho de não pronúncia o tribunal não fundamenta a sua decisão por referência aos meios de prova que foram carreados para os autos, ficando a assistente sem perceber que relevo foi dado à abundante prova testemunhal produzida na fase de inquérito e por outro que concretos meios de prova serviram para sustentar as suas conclusões, omissão que é geradora de nulidade atento o previsto no artigo 379.°, n.° 1 do Código de Processo Penal [B)]; 3.°) Os factos considerados provados pela Meritíssima são exíguos face à abundante prova produzida; por sua vez os factos considerados não provados não passam de conclusões que teriam, necessariamente, que estar assentes em factos, o que não acontece [C)]; 4.º) É certo que nesta nova decisão a meritíssima procurou fundamentar o seu despacho, por ordem da decisão da Relação, mas pouco mais ponderou que o depoimento dos arguidos, de G….., de H….., I…. e fez comentários desajustados acerca dessas mesmas provas, não avaliando todas as demais referidas nestas alegações assim corno nas anteriores; a fundamentação agora dada é desajustada e insuficiente [D)]; 5.°) Apesar da fundamentação agora oferecida, a meritíssima desconsiderou depoimentos que justificavam decisão diversa da proferida e que deveriam ser interpretados nos termos já expostos na motivação deste recurso, vejamos: O depoimento do arguido C…., gerente da falida (Fls. 338 e ss, não foi devidamente ponderado); O depoimento do arguido D…. de fls. 345 e ss também não foi devidamente ponderado; Depoimento de I….; Depoimento de N…..; Depoimento de J…. fls 271 e ss.; K…. de fls. 290 e ss.; F…. (fls.

    255 e 258) e E… (fls.258 e 262); L…. [E)]; 6.°) O que aconteceu com depoimentos repetiu-se com a omissão de pronúncia relativamente a alguns documentos, a saber: A fls. 364 encontra-se um parecer da senhora liquidatária onde esta apenas identifica cinco credores com créditos pouco volumosos; O auto de arresto da diligência de 23-3-2001 não foi devidamente considerado já que dele consta que foram apreendidos bens no valor de aproximadamente € 150.000; outro documento não valorizado no despacho de arquivamento é o relatório pericial do Dr. M…. que claramente demonstra que o arguido D…. usou títulos de crédito pagos e reformados para instaurar execuções através das quais atacou do co-arguido C…. e com a conivência deste; Também não foi considerada a sentença proferida no processo n.° 703- B/2001; Tão pouco foi considerada a “nova” acusação por descaminho deduzida contra D…. no âmbito do inquérito n.° 1346/06 da 4 Subsecção do Ministério Publico, no qual este é acusado do descaminho dos bens que na diligência de 11-6-2001 ficaram à sua guarda; Nem foi considerado o auto de mudança de fiel depositário datado de 27 de Julho de 2001; Ou acarta de fls.94; Igualmente muito importantes são os documentos de fls.771 a 913 que não foram considerados, mas demonstram claramente o património da empresa que foi dissipado [F)]; 7.°) Está demonstrado que a assistente só se decidiu a vender à falida as quantidade de cortiça referidas nos autos após recolher boas informações bancárias daquela sociedade, o que demonstra que não estava com as dificuldades retratadas no despacho de arquivamento [G) e H)]; 8.°) Não restam dúvidas que a empresa tinha bom nome em 2000 e no início de 2001, e também é verdade que em 23 de Março de 2001 — altura em que se realizou a diligência de arresto promovido pela assistente — a empresa laborava normalmente, já que com o arresto da B…. a empresa não fechou, tendo até mais mercadorias do que as arrestadas, conforme declarou o seu representante legal no depoimento que prestou na Policia Judiciária [I), J)]; 9.°) Em 9 de Junho de 2001 a empresa deixou de funcionar porque o arguido levou todas as suas existências para a fábrica do outro arguido, D…. [K)]; 10.°) As existências foram removidas em veículos da empresa do arguido D…. numa operação que começou de madrugada, de sexta-feira para sábado, e que os arguidos pretendiam que não fosse muito visível a ponto de não ter contado com a colaboração de funcionários [L)]; 11.°) A operação foi descoberta, por casualidade, por N…. que, ao passar junto às instalações da falida no dia 9 de Junho de 2001, se apercebeu de tamanho aparato dando conhecimento desse facto ao gerente da assistente que de imediato se deslocou às instalações da falida [M)]; 12°) Porque sabia que a garantia patrimonial do seu crédito “estava carregada” em carros de D…., o gerente da assistente montou vigília seguindo os camiões que saíam daquelas instalações com ajuda de amigos, familiares e com intervenção da GNR, tendo os arguidos e seus colaboradores se escondido quando se aperceberam da perseguição [N), O)]; 13.°) Em 11 de Junho de 2001 foi feita pela GNR uma busca nas instalações de D1…., Lda., tendo sido identificadas, sem chapas identificadoras (entretanto removidas), as máquinas arrestadas e que para ali foram encaminhadas [P)]; 14.°) Mais tarde, por denúncia de J…. que escreveu a carta de fls. 94 e ss (que aqui se dá por reproduzida) ficou a saber-se que C…. e D…. programaram o descaminho dos bens arrestados e a dissipação do restante património da empresa e também de património pessoal [Q)]; 15.°) Era intenção do arguido C…. prosseguir a actividade de “industrial da cortiça”, sob outro nome e sem ter que prestar contas à sua mulher [R)]; 16.°) Após o descaminho a B…. pediu que fosse efectuada a alteração do fiel depositário dos bens por si arrestados em 23 de Março de 2001. Essa diligência foi marcada para 27 de Julho de 2001 [S)]; 17.°) Porém, no local encontravam-se sacos de rolhas que, conforme resulta do identificado auto, continham rolhas em quantidade e qualidade diversa da arrestada, que terão sido adquiridas a O…., Lda. conforme resulta do depoimento de L….

    18.°) Os arguidos não se limitaram a descaminhar bens ou a trocar rolhas, mas também se entenderam na condução dos processos que entretanto D1…., Lda. instaurou contra a falida e contra o arguido C…. [U)]; 19.°) Resulta também dos autos que a falida nunca se opôs às diligências de D…., embora às da assistente sempre se tenha oposto e com a violência que resulta da condenação do arguido C…. no processo n.° 515/01.3GAVFR do 2.° Juízo Criminal por ter ameaçado de morte o gerente da assistente durante a diligência para mudança de fiei depositário ocorrida a 27 de Julho de 2001 [V)]; 20.°) No âmbito do processo de falência quando foram apreendidas os bens da massa falida, apurou-se que os bens arrolados não correspondiam aos arrestados em 23-3-2001, tal como foi constatado pela liquidatária, pelo senhor louvado P…., por K…. e por N…. [X)]; 21.º) Nos autos de falência só cinco credores é que reclamaram créditos que totalizavam €441.144,12. O arguido D1…., Lda. reclamou a mais a quantia de €75.143,69.

    O assistente recuperou € 75.077 com adjudicação de um imóvel em execução instaurada contra C….. Pelo que as dívidas da falida não ultrapassavam € 300.000 [Z)]; 22°) Os activos da empresa em 9-6-2001 eram aqueles que resultam da certidão de fls.771 a 913 e ascendiam a €727.292,38, conforme já referido na motivação [AA)]; 23.°) Do exposto resulta que o arguido C…. conduziu a empresa à falência, dissipando o seu património que era suficiente para o pagamento das suas dívidas levando-o para a fábrica do outro arguido D…., comportamento que se subsume ao previsto na alínea a) do artigo 227.° do Código Penal [AB)]; 24.°) O arguido C…. diminuiu o seu activo, destruiu a contabilidade, permitiu que o arguido D…. reclamasse contra a sua empresa créditos inexistentes, comportamento que se subsume à alínea b) do artigo 227° do Código Penal [AC)] 25.°) Em 2001, o arguido adquiriu à assistente cortiça no valor de € 97.553,50 num total de compras de € 143,895,82, comportamento que se subsume à alínea d) do artigo 227° do Código Penal [AD)]; 26.°) Por sua vez, o comportamento do arguido D…. subsume-se ao previsto na alínea b) do Código Penal já que nestes autos está claramente demonstrada a participação do arguido D1…, Lda. em toda esta história [AE)]; 27.°) Isto posto, este arguido preenche de forma clara e plena os pressupostos do n°. 2 do artigo 227° do Código Penal. Poderia até constituir exemplo académico da aplicabilidade prática desta norma, pelo que deve ser pronunciado pela prática desse mesmo crime [AF)]; 28.°) Relativamente aos arguidos F… e E…, devem os mesmos ser acusados como cúmplices do crime de insolvência dolosa já que constituíram meio para a estratégia do arguido C… [AG)]; 29.°) A decisão recorrida viola o disposto nos artigos 379.°, n.° 1 e 374.°, n.° 2 do Código Processo Penal e o artigo 227.°, n.° 1 e 2 do Código Penal [AH)].

  2. O Ministério Público respondeu em 20l2/Mar./23, a fls.

    1350-1357, pugnando que se negue provimento ao recurso, sustentando essencialmente o seguinte: 1.º) O apontado...

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