Acórdão nº 649/99 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Novembro de 1999
Magistrado Responsável | Cons. Bravo Serra |
Data da Resolução | 24 de Novembro de 1999 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 649/99
Procº nº 155/99
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Secção.
Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Por apenso à acção ordinária dita nº 122/94, que correu seus termos pelo Tribunal de Círculo da Figueira da Foz, deduziu A..., Ldª, contra AF... execução de sentença para pagamento de quantia certa, seguindo a forma de processo ordinário, visando obter a cobrança coerciva do montante de Esc. 26.367.000$00 em que foi condenado naquela acção ordinária, além de juros vencidos e vincendos, e requerendo, desde logo, a conversão em penhora de determinados bens arrestados, o que foi deferido por despacho de 11 de Junho de 1997.
Seguindo os autos seus termos, foi efectuada a penhora em determinados bens móveis que se encontravam na residência do executado e a penhora de um imóvel onde se sediava, quer aquela residência, quer um estabelecimento comercial.
2. O executado veio deduzir oposição à execução, sustentando que a penhora ordenada "da casa e do recheio da mesma, bem como do estabelecimento comercial", ofendia a sua garantia de subsistência, bem como a do seu agregado familiar, sendo inconstitucional o disposto nos artigos 821º e 822º do Código de Processo Civil enquanto permite "que o devedor seja privado, por efeito da penhora, destes bens considerados essenciais à garantia de uma vida minimamente digna".
Por despacho de 18 de Maio de 1998 foi a oposição julgada improcedente.
Pode ler-se nesse despacho:-
"........................................................................................................................................................................................................................................................................................
No entanto, este princípio geral [o princípio que se extrai dos artigos 821º do Código Civil e 601º do Código de Processo Civil, de harmonia com o qual pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora] tem excepções. Existem bens que não podem ser penhorados. Estão neste caso os bens inalienáveis por serem inseparáveis de uma pessoa como sejam o direito a alimentos (2008-1 CC), o direito de uso e habitação (art. 1488 CC), o direito de sucessão de pessoa viva etc (art. 2028º CC) etc.
No entanto, não são só os bens inalienáveis que são impenhoráveis. Outros bens existem que embora pudessem ser objectivamente penhoráveis não o são por determinação legal. Esses bens vêm elencados nos arts 822º e 823º, ambos do CPC.
A impenhorabilidade destes bens resulta da consideração de certos interesses gerais ou de interesses vitais do executado que o sistema jurídico entende deverem-se sobrepor aos do credor exequente (...)
Impenhoráveis por estarem em causa interesses vitais do executado são aqueles bens que asseguram ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida (objectos indispensáveis para a cama e vestuário, utensílios indispensáveis à economia doméstica, géneros e combustível necessários a um mês de sustento: art. 822-1 als f) e g), e art. 823-1-c), que são indispensáveis ao exercício da profissão do executado, que constituem uma parte do rendimento do seu trabalho por conta de outrem ou que são indispensáveis ao seu sustento ou à sua personalidade moral (Prof. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Coimbra Editora, 1993, pág 184 e 185).
O autor acima referido defende ainda na nota 24 da pág 184 da mesma obra que a impenhorabilidade dos bens que são indispensáveis ao exercício da profissão não obsta à penhorabilidade do estabelecimento comercial e dos utensílios que são sua parte integrante.
No caso concreto, foi penhorado um prédio urbano onde o executado tem a sua habitação e onde está sediado o seu estabelecimento comercial.
Ora, da análise dos referidos artigos ressalta que em nenhuma das suas alíneas se enquadra a impenhorabilidade destes bens. Será, assim, a norma do art. 821º do CPC inconstitucional por permitir a penhora destes bens, valorados pelo executado como indispensáveis à sua sobrevivência?
Do exposto atrás, ressalta que o legislador não descurou os interesses do executado, salvaguardando da penhora os bens que valorou como indispensáveis à subsistência condigna do executado. No entanto, tal não significa a manutenção do nível de vida anterior deste. Os interesses do exequente, lesado pela conduta do executado, são igualmente de considerar e, na acção executiva, de considerar em primeiro plano.
A Constituição consagra no art. 65º o direito à habitação quando estabelece que todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar........................................................................................................ .............................................................................................................................................
No caso concreto, ressalta que pela penhora o executado não se vê arbitrariarmente despojado do prédio urbano onde tem a sua casa de morada de família. Pelo contrário, esse bem só foi penhorado por um facto que lhe é exclusivamente imputável - o não cumprimento das suas obrigações para com o executado.
Além destas considerações há que esclarecer que o direito à habitação não é de maneira nenhuma um direito a ter casa própria. Embora essa possa eventualmente ser uma meta a atingir, o facto é que uma parte considerável da população portuguesa vive em casas arrendadas, não podendo, por isso considerar que viva em condições degradantes. Há sim que assegurar um mínimo de rendimentos ao exequente que lhe permitam pagar uma renda; não há que lhe assegurar a manutenção de casa própria em detrimento dos interesses dos seus credores.
Quanto à penhora do imóvel onde está instalado o estabelecimento comercial poderia entender-se que esta punha em perigo o direito ao trabalho reconhecido pelo art 58º da CRP ou, eventualmente, o direito à iniciativa privada, reconhecido no art. 61º do mesmo diploma.
No entanto há que fazer duas considerações:
- Por um lado o direito ao trabalho não é evidentemente absoluto e não é o direito a um concreto posto de trabalho. É sim um direito que se impõe ao Estado tendente a que este fomente políticas de pleno emprego e compense aqueles que o não têm através do correspondente subsídio de desemprego. Por outro lado, o direito à iniciativa privada consiste apenas na liberdade de iniciar uma actividade económica (direito à empresa, liberdade de criação de empresa) e, por outro lado, na liberdade de gestão e actividade da empresa (Prof Gomes Canotilho, obra citada em anotação ao art. 61º). Não significa que o direito a ter uma empresa, ou, no caso concreto, um estabelecimento comercial se sobreponha aos interesses dos credores se verem pagos através dos estabelecimentos comerciais dos respectivos créditos. Aliás, se assim fosse, por-se-ia em perigo o próprio giro comercial, uma vez que sempre estivessem em causa comerciantes os credores se veriam, eventualmente, impossibilitados de conseguir a penhora dos bens de maior valor, precisamente os seus estabelecimentos comerciais.
- Há ainda a considerar que no presente caso não foi penhorado o estabelecimento comercial. Foi sim penhorado o imóvel onde este está instalado. Note- -se que o estabelecimento comercial é independente do imóvel onde se encontre, nada impedindo que o executado o reorganize noutro sítio.
Para concluir, note-se que seria a impossibilidade de penhorar os bens em apreço que poderia, ela sim, ofender o princípio constitucional da proporcionalidade pela ofensa ao direito de propriedade do exequente.
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