Acórdão nº 153/15.3T8CHV-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução21 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. Lino (…) (aqui Recorrente) e Maria (..), residentes no Largo (..), em Vila Real, requereram nos autos principais (acção executiva para pagamento de quantia certa, movida por Maximino (…), residente na Rua (…), …, em Vila Real, contra Dulce (…), residente na Rua D. (…), …, em Vila Real, e contra Maria (..), residente no Largo da (…) …, em Vila Real), que · a entrega de um imóvel (que melhor identificaram) aguardasse que lhes fosse assegurada, pelas entidades competentes, uma habitação social digna; ou (subsidiariamente) que a dita entrega fosse diferida, por um prazo razoável, não inferior a seis meses.

Alegaram para o efeito, e em síntese, constituir o dito imóvel a sua casa de morada de família, onde residem com uma filha menor e estudante; e não terem condições económicas para custearem uma nova habitação, já que ambos se encontram desempregados, e só o Requerente (Lino (…)) aufere a esse título um subsídio mensal, de € 858,00, único rendimento do agregado.

Mais alegaram que a parte remanescente desse montante (isto é, não penhorada nos autos principais), de € 558,00, é integralmente consumida na satisfação das suas outras necessidades de sobrevivência, que discriminaram, onde se incluem diversas e relevantes despesas de saúde.

1.1.2. (..) Banco, S.A.

(aqui Recorrida), com sede na (…), em Lisboa, credora e adquirente do imóvel em causa (na acção executiva que constitui os autos principais), pediu que se indeferisse o incidente deduzido (de diferimento de desocupação), e se ordenasse a entrega imediata das chaves do dito imóvel.

Alegou para o efeito, em síntese, que sendo credora reclamante nos autos principais (por falta de pagamento, desde 2009, pelos Requerentes, das prestações do crédito à habitação contraído por eles junto de si), que deram entrada em juízo em 2009, foi desde logo penhorado o dito imóvel, indicado em Maio de 2016 o valor base para a sua venda, e adjudicado o mesmo em 09 de Fevereiro de 2018.

Mais alegou não lhe ser exigível que continue por mais tempo sem a respectiva posse, sem que, entretanto tenha ocorrido qualquer pagamento do seu crédito, e possuindo os Requerentes outros imóveis (igualmente penhorados nos autos principais), não cabendo ainda ao Agente de Execução andar à procura de casa para eles, junto da Câmara Municipal ou da Segurança Social (mormente, face à anterior e continuada inércia dos próprios interessados).

1.1.3.

Foi proferido despacho, indeferindo liminarmente o pedido de diferimento de desocupação, por falta de fundamento legal, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Pelo exposto, indefere-se liminarmente o pedido de diferimento da desocupação, determina-se, no entanto, que nos termos do disposto no artigo 861º, nº 6 do CPC, o SAE comunique à Câmara Municipal, à Segurança Social e às demais entidades competentes a necessidade de realojamento dos executados.

Custas do incidente no mínimo legal, sendo ½ a cargo dos executados, e ½ a cargo do exequente, atento o decaimento de ambos.

Notifique, ainda ao SAE, e registe.

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformado com esta decisão, o Requerente (Lino (…)) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o despacho recorrido fosse revogado e substituído por outro que determinasse que a entrega aguardasse que fosse assegurada uma habitação social digna, a ele próprio e à co-Executada (Maria (…)).

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): 1 - O Tribunal “a quo” indeferiu o incidente de deferimento da desocupação, mas determinou que o SAE comunique à Câmara Municipal, à Segurança Social e às demais entidades competentes a necessidade de realojamento dos Executados.

2 - O que fundamentou nos termos do disposto no artigo 861.º n.º 6 do CPC e, bem assim, no bom senso e na prudência «havendo que ter consciência que está em causa a casa de morada de família dos executados, que são seres humanos, com família, com filhos menores».

3 - O Tribunal “a quo” não foi explícito, nem determinou expressamente que a entrega deve aguardar que seja assegurada uma habitação social digna para os Executados pelas entidades competentes, o que foi requerido pelos Executados, e se impunha.

4 - No caso em que se suscitam sérias dificuldades no realojamento dos Executados, o que o Tribunal “a quo” entendeu verificar, a lei determina que “o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes” – Artigo 861.º n.º 6 do CPC.

5 - A antecipação refere-se à data em que esteja designada a diligência de execução da entrega do imóvel.

6 - Tal comunicação destina-se a garantir que, na data designada, a diligência se executará, porque, entretanto, é suposto que as entidades notificadas tiveram tempo de analisar e providenciar pela solução do problema do alojamento dos Recorrentes.

7 - É pressuposto da diligência que se encontre assegurada uma habitação social aos Recorrentes, porquanto, a rácio do referido preceito legal reside na dignidade da pessoa humana.

8 - É a salvaguarda de direitos fundamentais de ordem social e familiar (o direito à habitação consagrado no artigo 65.º da Constituição da República), tal como no processo executivo sob os artigos 736º e ss., pela impenhorabilidade de determinados rendimentos, como forma de garantir o mínimo indispensável à satisfação das necessidades básicas do devedor e a da sua família.

9 - Outra fosse a interpretação estaríamos a violar de forma grosseira o disposto no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, o que constituiria uma inconstitucionalidade.

*1.2.2. Contra-alegações A Credora Adquirente ((…), S.A.) contra-alegou, pedindo que o recurso fosse julgado totalmente improcedente.

*II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR 2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C.P.C.).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).

*2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar Mercê do exposto, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal: · QUESTÃO ÚNICA - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente porque a mesma impunha que se suspendesse a entrega do imóvel que é casa de morada de família (à Credora Adquirente do mesmo) nos termos do art. 863º, n.ºs 3 a 5 do C.P.C.

(aplicável ex. vi do art. 861º, n.º 6 do mesmo diploma), sob pena de violação do art. 65º, n.º 1 da C.R.P.? *III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Por acordo das partes (isto é, por falta de impugnação da Credora Adquirente), e por documentos (nomeadamente, os que integram estes autos, os principais e os demais apensos), encontram-se assentes os seguintes factos: 1 - Maximino (…), residente na Rua (…) em Vila Real, propôs em 2009 uma acção executiva para pagamento de quantia certa, contra Dulce (..), residente na Rua (…), …, em Vila Real, e contra Maria (…), residente no Largo (…), …, em Vila Real.

(autos principais - documento autêntico) 2 - Na acção executiva referida no facto anterior, foi penhorado em 2009 o prédio urbano constituído por uma casa de loja, com um andar e logradouro, sito no lugar de (…), freguesia de (…) concelho de Vila Real, descrito na...

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