Acórdão nº 202/99 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Abril de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução06 de Abril de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 202/99

Procº nº 429/97

  1. Secção.

Relator:- BRAVO SERRA.

(Consº MOTA PINTO)

I

1. Nos presentes autos, vindos do 4º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa e nos quais figuram, como recorrente, o Ministério Público e, como recorrida, A..., S.A., proferiu este Tribunal, por intermédio da sua 1ª Secção e em 15 de Dezembro de 1998, o Acórdão nº 696/98, no qual se negou provimento ao recurso interposto por aquela entidade, e isto após se ter julgado "inconstitucional a norma do § único do artigo 15º do Decreto n.º 37021, de 21 de Agosto de 1948, na redacção do Decreto Regulamentar n.º 1/86, de 2 de Janeiro ... por violação do princípio da igualdade, na medida em que não permite o acesso aos tribunais superiores em via de recurso, em processo com valor superior à alçada do tribunal recorrido, para discussão da questão atinente à admissibilidade legal da avaliação extraordinária".

Desse Acórdão e ao abrigo do artº 79º-D da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpôs o Representante do Ministério Público em funções neste Tribunal recurso para o plenário, já que - disse - a decisão nele ínsita estava "em colisão com o entendimento recentemente adoptado pela 2ª Secção, no acórdão nº 638/98".

2. Admitido o recurso, produziu alegação unicamente aquele Representante, que concluiu do seguinte jeito:-

"1º

O conflito jurisprudencial, decorrente da prolação dos acórdãos nºs 124/98 e 638/98, deverá ser solucionado com a prevalência da orientação adoptada no primeiro daqueles arestos, o que conduz à inconstitucionalidade da norma do § único do artigo 15º do Decreto nº 37021, na redacção do Decreto Regulamentar nº 1/86, na parte em que exclui absolutamente o direito ao recurso, independentemente do valor da causa e da natureza (de conteúdo puramente jurídico) da controvérsia entre as partes.

  1. Termos em que deverá confirmar-se o douto acórdão proferido nos presentes autos."

Apresentado memorando pelo primitivo Relator, não logrou o mesmo vencimento, razão pela qual se operou mudança no relato.

Porque nada obsta ao conhecimento do vertente recurso, cumpre tomar decisão.

II

1. No Acórdão ora sob censura (o Acórdão nº 696/98), foi a norma em apreço, como se viu, julgada inconstitucional, por violação do artigo 13º da Lei Fundamental, "na medida em que não permite o acesso aos tribunais superiores em via de recurso, em processo com valor superior à alçada do tribunal recorrido, para discussão da questão atinente à admissibilidade legal da avaliação extraordinária". Porém, no Acórdão nº 638/98, tirado pela 2ª Secção em 4 de Novembro de 1998 no Procº nº 860/96, tal norma não foi alvo de qualquer juízo de desconformidade com o Diploma Básico.

Desenha-se, desta arte, uma situação de ocorrência de decisões divergentes quanto à questão de inconstitucionalidade tocantemente a um mesmo normativo.

1.1. No primeiro daqueles arestos, remetendo-se, em parte, para a corte argumentativa que se continha no Acórdão nº 124/98 (que se encontra publicado na 2ª Série do Diário da República de 30 de Abril de 1998), disse-se, no que ora releva, para fundamentar o juízo de incompatibilidade com a Constituição da norma sub iudicio que nele foi levado a efeito:-

"........................................................................................................................................................................................................................................................................................

Escreveu-se neste Acórdão n.º 124/98, para fundamentar tal juízo da inconstitucionalidade:

‘Ora, no caso sub judicio – e diferentemente do que ocorreu no caso sobre o qual foi tirado o citado acórdão n.º 270/95 – verificam-se duas circunstâncias especialmente atendíveis:

- por um lado, está suscitada uma questão de natureza jurídica que excede a mera reapreciação de uma decisão resultante de um juízo de discricionariedade técnica da comissão de avaliação sobre o valor de mercado da renda para certa fracção destinada ao exercício de profissão liberal;

- por outro lado, o valor da anuidade da renda fixada (é este o valor normal a que se atende nas acções de despejo – cfr. art. 307º, n.º 1, do Código de Processo Civil) excede a alçada dos Tribunais da Relação.

Por força da conjugação destas duas circunstâncias, entende-se que viola o princípio da igualdade a solução constante da norma desaplicada, por força da qual não poderá haver recurso, em caso algum, de decisão proferida pela primeira instância, independentemente do valor do processo, quando esteja em causa a própria legalidade da realização da avaliação.

De facto, estando em causa uma pura questão de direito (litigiosa) entre as partes, poderia a mesma ser objecto de uma acção de simples apreciação (art. 4º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil), em que o acesso aos sucessivos graus de jurisdição dependia exclusivamente do valor da causa (art. 678º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Ora, in casu, tendo sido suscitada a questão de saber se é legal a própria avaliação extraordinária – num recurso em acção cujo valor ultrapassa a alçada da Relação – a circunstância de estar sempre vedado o acesso aos tribunais da Relação e, eventualmente, ao Supremo Tribunal de Justiça constitui uma discriminação infundada das partes do recurso.

Como se escreveu no acórdão n.º 68/85 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 541 e segs.) e se se repetiu no acórdão n.º 359/86 (in Acórdãos, 8º vol., págs. 605 e seguintes):

[...] se se concebe que nem todas as decisões tenham de admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ‘o que a lei já não poderá fazer é admitir o recurso em toda uma categoria de casos e depois excluí-lo apenas em relação a um sector dessa categoria, sem que nenhuma justificação objectiva se verifique para tal discriminação’.

Há, assim, que concluir que a mera utilização de um certo processo especial pensado para apreciar apenas o modo de aplicação dos critérios legais ou o juízo de discricionariedade técnica atinente à actualização de rendas prevista na lei não constitui justificação objectiva para a retirada a qualquer das partes do acesso aos tribunais de 2ª instância para a apreciação de questão de saber se, in casu, podia haver avaliação extraordinária...

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