Acórdão nº 360/05 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução06 de Julho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 360/2005

Processo nº 313/03 1ª Secção Relatora: Conselheira Maria João Antunes (Conselheiro . Pamplona de Oliveira)

Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. A. e outras onze operárias da B, Lda. intentaram coligadamente, no Tribunal do Trabalho de Loures, contra esta sociedade, uma acção emergente de contrato individual de trabalho, pedindo a condenação da ré a pagar a cada uma das autoras a quantia de 205.508$00, acrescida dos respectivos juros. Deram à acção o valor de 2.868.552$00. A pretensão foi julgada procedente e a Triunfo Internacional, Lda. condenada a pagar a cada uma das autoras, suas trabalhadoras, a quantia de Euros 1 025, 07 – equivalente ao valor de cada um dos pedidos – com juros até integral pagamento. Contra o assim decidido quis recorrer para a Relação de Lisboa a ré Triunfo Internacional, Lda., mas o recurso não lhe foi admitido com fundamento numa interpretação do artigo 678º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao caso por força do artigo 79º do Código de Processo de Trabalho, segundo a qual, traduzindo-se a coligação numa acumulação de acções conexas, haveria que tomar-se em conta o valor de cada um dos pedidos “para aquilatar da admissibilidade do recurso face à alçada do tribunal”; ora, tendo embora a acção o valor de 2.868.552$00, os montantes individualmente pedidos – de 205.508$00 – eram muito inferiores à alçada do tribunal de comarca (ao tempo, 750.000$00), pelo que não seria admissível o recurso interposto. E também não seria admissível – prossegue o despacho – pela regra da sucumbência, já que a ré fora condenada a pagar a cada uma das autoras a dita quantia de 205.508$00, inferior a metade da alçada do tribunal de comarca. Em suma, o recurso não era de receber.

    2. Contra este despacho reclamou a ré para o Presidente da Relação de Lisboa, alegando, para além do mais, que a aplicada interpretação do aludido artigo 678º do CPC violaria o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), por criar uma injustificada discriminação no acesso a um duplo grau de jurisdição. Mas o Presidente da Relação de Lisboa indeferiu a reclamação nos seguintes termos:

      “2. A questão a decidir nos presentes autos sintetiza-se de forma simples: saber se um Réu que tenha sido demandado em coligação por vários Autores, cujos pedidos, considerados isoladamente, não ultrapassam o valor da alçada do tribunal de 1ª instância, pode recorrer, pois, em conjunto, o valor daqueles ultrapassa este.

      Nos termos do n.º 1 do artigo 676°, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recurso.

      Constitui assim princípio geral do nosso ordenamento jurídico a recorribilidade das decisões judiciais, sendo a irrecorribilidade considerada pela lei como excepção (Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 28 ed, pág.15l).

      Contudo, a lei impõe certos limites objectivos à admissibilidade dos recursos para as causas de menor valor, tendo em conta a natureza dos interesses nelas envolvidos e a sua repercussão económica para a parte vencida.

      Assim, no artigo 678°, n.º 1, do Código de Processo Civil, faz-se depender a recorribilidade do recurso de dois factores: do valor da causa e o valor da sucumbência.

      Assim, só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão.

      Ora, no caso dos autos, o Réu, ora Reclamante, foi demandado em coligação por diversos autores, cujos pedidos, se isoladamente considerados, não ultrapassam o valor da alçada do tribunal recorrido, em conjunto, têm um valor superior.

      Assim, para efeitos do artigo 678°, n.º 1, do Código de Processo Civil, deverá atender-se ao valor isolado de cada um dos pedidos ou, pelo contrário, devemos considerar relevante o valor total em que o Réu foi condenado?

      De acordo com o artigo 30° do Código de Processo Civil é permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, respeitados que sejam vários pressupostos formais e substanciais.

      Como é sabido, a coligação é uma figura de pluralidade de partes em que há sempre uma cumulação de acções, tornada possível por razões de ordem prática e de simplificação, pelo que cada um dos pedidos mantém autonomia relativamente aos outros.

      Assim, no caso de coligação o valor da acção deve ser considerado autonomamente para cada um dos pedidos cumulados, ou seja, para que o recurso seja admissível em relação a todos eles é necessário que o valor de cada um deles seja superior ao valor da alçada do tribunal de que se recorre. Não se compreenderia que a decisão relativa a um dos pedidos cumulados, que não é superior à alçada do tribunal de que se recorre, se tornasse recorrível apenas porque a decisão sobre todos os pedidos cumulados satisfaz os requisitos do artigo 678°, n.º 1.

      E isto é assim, quer no caso dos autores coligados que pretendam recorrer, quer no caso de um único réu demandado por diversos autores, pois não faria sentido cumular o valor de cada um dos pedidos até satisfazer o valor limite da alçada.

      Solução diversa, como parece ser a posição da reclamante, permitindo recorrer ao réu que foi demandado isoladamente por vários autores, e foi condenado na cumulação de todos os pedidos em valor superior ao da alçada, como no caso vertente, e já não aos autores coligados, por isoladamente considerados os seus pedidos serem inferior àquele valor, violaria o princípio da igualdade, por tratamento desigual às partes no mesmo processo.

      Contudo, defende a reclamante que tal interpretação do artigo 678° do Código de Processo Civil é inconstitucional por violação do disposto no artigo 20° da Constituição.

      Ora, no processo civil, o que o legislador tem de assegurar sempre a todos, sem discriminações de ordem económica, é o acesso a um grau de jurisdição. E, se a lei previr que o acesso à via judiciária se faça em mais que um grau, tem ele que abrir a todos também a essas vias judiciárias, garantindo que o acesso a elas se faça sem discriminação alguma (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 163/90, de 23 de Maio de 1990, Boletim do Ministério da Justiça n.º 397 - Junho - 1990, pág. 77).

      Aquela margem de discricionaridade (a ampla margem de discricionaridade na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos que deve ser reconhecida ao legislador ordinário em processo civil) tem, porém, como limite a não consagração de regimes arbitrários, discriminatórios ou sem fundamento material bastante, em obediência ao princípio da igualdade (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 202/99, de 6 de Abril de 1999, Boletim do Ministério da Justiça n.º 486 - Maio de 1999, pág. 49).

      Contudo, afigura-se-nos que não colhe o argumento extraído da comparação da coligação com o litisconsórcio, em matéria de graus de jurisdição.

      Ora, como vimos supra, à coligação correspondem várias acções cujos pedidos mantém a sua autonomia, enquanto que no litisconsórcio há apenas uma acção a que corresponde um único pedido, pelo que estamos perante figuras de pluralidade de sujeitos distintas.

      Para além disso, no caso vertente, a ré não podia ser demandada em litisconsórcio activo, uma vez que não se verificam os seus pressupostos.

      Assim, improcedem em toda a linha as razões invocadas pela reclamante”.

    3. É deste despacho que Triunfo Internacional, Lda. recorre para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC). Conclui as suas alegações nos seguintes termos:

      1. O presente recurso é interposto do despacho proferido em sede de reclamação pelo Ex.mo. Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, que não admitiu o recurso interposto 1ª instância, por considerar que em sede de coligação activa o Réu só pode recorrer se, relativamente a cada um dos pedidos formulados se verificarem os dois requisitos objectivos estatuídos no n° 1 do art. 678° do C.P.C.

      2. Entende a Recorrente que o sentido dado àquele normativo (678° n° 1 C.P.C.) para além de violar a letra e a ratio da lei, inquina o mesmo do vício da inconstitucionalidade material.

      3. Se é certo que a Constituição não assegura - por regra - o duplo grau de jurisdição, não pode daqui depreender-se que o legislador ordinário pode fixar sem qualquer espartilho constitucional os pressupostos de admissibilidade de recurso. Se o "direito ao recurso" é "restringível pelo legislador ordinário", ao mesmo está constitucionalmente vedado o estabelecimento de uma "discriminação intolerável" ou uma "redução intolerável ou arbitrária".

      4. A manter-se a orientação do Meritíssimo Desembargador, de que para efeitos do art. 678° n° 1do C.P.C. deverá apenas atender-se ao valor isolado de cada um dos pedidos, haveria de se concluir que esta norma é inconstitucional por traduzir uma discriminação ou redução intolerável e arbitrária.

      5. A ratio do...

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