Acórdão nº 161/99 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Março de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Messias Bento
Data da Resolução10 de Março de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 161/99

Processo n.º 813/98

Conselheiro Messias Bento

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório:

    1. A ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL DE P... interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (de 14 de Maio de 1998), que negou provimento ao recurso jurisdicional por si interposto da sentença do Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto (de 30 de Outubro de 1997).

      Esta sentença tinha rejeitado o recurso contencioso que aquela associação empresarial interpusera do despacho do GESTOR DO PROGRAMA PESSOA (FUNDO SOCIAL EUROPEU), de 16 de Outubro de 1997. E rejeitara-o, com fundamento em que, estando o acto impugnado sujeito a recurso tutelar necessário para o Ministro do Emprego e Segurança Social, era ele contenciosamente irrecorrível, pois que carecia de definitividade vertical; e, por isso, era manifesta a ilegalidade da interposição do recurso.

      O acto impugnado (scilicet, o mencionado despacho de 16 de Outubro de 1997) tinha aprovado o pagamento de saldo relativo ao pedido de financiamento que a recorrente apresentara no âmbito do Programa Operacional 1 (Medida 94.220 P1) financiado pelo Fundo Social Europeu no Quadro de Apoio à Formação Profissional.

      Pretende a recorrente que este Tribunal aprecie a constitucionalidade da norma constante do artigo 177º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, interpretado "no sentido de que a previsão do recurso tutelar pode constar de qualquer disposição normativa, mesmo que de carácter não legislativo" e da que se contém no artigo 30º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 15/95, de 6 de Julho, já que, em seu entender, ambas as normas violam a alínea s) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição.

      Neste Tribunal, a recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:

    2. A única interpretação conforme à Constituição do n.º 2 do artigo 177º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) é a de que a expressão lei nele contida se refere exclusivamente à lei em sentido formal, isto é, a diplomas de carácter legislativo.

    3. Com efeito, estabelece a Constituição uma reserva de lei em matéria de garantias dos administrados [ cf. alínea s) do n.º 1 do artigo 168º] .

    4. Ora, justamente por causa da polissemia dos sentidos do termo lei, o processo hermenêutico não se pode esgotar no apuramento do sentido literal de lei constante do n.º 2 do artigo 177º do CPA.

    5. Um dos elementos fundamentais que é preciso tomar em consideração neste contexto é o princípio da interpretação conforme à Constituição.

    6. Assim sendo, tendo em conta que a Constituição estabelece uma reserva de lei em matéria de garantia dos administrados [ cf. alínea s) do n.º 1 do artigo 165º da CRP] , é evidente que a única interpretação conforme à Constituição do disposto no n.º 2 do artigo 177º do CPA é a de que a exigência de um recurso tutelar de actos administrativos tem de estar prevista em diploma de carácter legislativo.

    7. O segmento normativo da alínea s) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição referente às "garantias dos administrados" abrange não apenas as garantias enunciadas no artigo 268º, como também as garantias graciosas.

    8. Em qualquer caso, a previsão expressa de um recurso tutelar necessário tem de constar de lei em sentido formal, pois essa é também matéria respeitante às garantias contenciosas.

    9. A profunda ligação entre o recurso contencioso de anulação e eventuais recursos graciosos de carácter necessário fazem destes últimos, se não uma restrição, um limite ou, ao menos, um condicionamento daquele.

    10. Ora, o âmbito da reserva de lei em matéria de garantias dos administrados abrange não só os direitos e garantias na sua integridade, isto é, a sua substância própria ou o seu conteúdo essencial, mas também as restrições, os limites ou os condicionamentos que sobre eles podem incidir.

    11. A instituição de um recurso tutelar necessário, impedindo que o acto administrativo em causa possa desde logo ser objecto de impugnação contenciosa representa, como é evidente, um condicionamento legal do exercício do direito ao recurso contencioso.

    12. Trata-se ainda, pois, de matéria que respeita às garantias contenciosas, mais concretamente à garantia do recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos que lesem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares (cf. n.º 4 do artigo 268º da Constituição).

    13. À mesma conclusão se chega se se tiver em conta que o direito ao recurso é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias.

    14. Com efeito, também em matéria de direitos, liberdades e garantias, a reserva de lei, resultante da reserva de competência legislativa [ cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição] , impõe que o estabelecimento de um condicionamento (se não se entender até que é uma restrição) seja objecto de lei em sentido formal.

    15. Ao aplicar o n.º 2 do artigo 177º do CPA, interpretando-o no sentido de que a previsão de recurso tutelar necessário pode constar de uma qualquer disposição normativa, mesmo que de carácter regulamentar, o douto acórdão recorrido aplicou uma norma inconstitucional.

    16. Com efeito, o n.º 2 do artigo 177º, na interpretação que lhe foi dada pelo douto acórdão recorrido, ofende o princípio constitucional da reserva de lei quer em matéria de garantias dos administrados, quer em matéria de direitos, liberdades e garantias [ cf. alíneas s) e b) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição] .

    17. Por outro lado, importa ter presente que a reserva de lei implica, como se sabe, a proibição de regulamentos autónomos.

    18. Ora, a instituição de um recurso tutelar necessário pelo artigo 30º do Decreto Regulamentar n.º 15/94, de 6 de Julho, não é uma mera execução do Decreto-Lei n.º 99/94, de 19 de Abril.

    19. Com efeito, foi o decreto regulamentar, e não o decreto-lei, que criou, inovatoriamente, o meio de impugnação graciosa aqui em causa.

    20. Assim sendo, é também inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 30º do Decreto Regulamentar n.º 15/94, de 6 de Julho, igualmente por violação do princípio constitucional da reserva de lei quer em matéria de garantias dos administrados, quer em matéria de direitos, liberdades e garantias [ cf. alíneas s) e b) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição] .

      Termos em que deve ser julgada inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 177º do CPA, na interpretação que lhe foi dada pelo douto acórdão recorrido, e a norma do n.º 1 do artigo 30º do Decreto Regulamentar n.º 15/94, de 6 de Julho.

      O recorrido apresentou a sua contra-alegação, na qual concluiu que deve negar-se provimento ao recurso.

    21. Corridos os vistos, cumpre decidir.

  2. Fundamentos:

    1. Advertência:

      A recorrente, ao referir-se à reserva de lei...

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