Acórdão nº 102/99 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Fevereiro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Messias Bento
Data da Resolução10 de Fevereiro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

Processo n.º 1103/98 ACÓRDÃO Nº 102/99 Conselheiro Messias Bento

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório:

    1. M.G.L.T., S.P.R.G., J.A.L., A.J.A.F., J.L.T.M.M. e M.A.T.M. recorrem para este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Outubro de 1998, que negou provimento aos recursos que tinham interposto do acórdão da 1ª Vara Criminal de Lisboa, que os condenara em penas de prisão: a todos, pelo crime de tráfico de estupefacientes; e a alguns deles, também pelo de participação em associação criminosa.

      Também A.P.G.T.M., que fora igualmente condenada numa pena de prisão por aqueles dois ilícitos, recorreu daquele acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

      O respectivo recurso foi, no entanto, oportunamente, julgado deserto, por falta de alegações.

      Pretendem os recorrentes que se aprecie a constitucionalidade das seguintes normas:

      (a). recorrente M.G.L.T.: da norma constante do artigo 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ?se interpretado no sentido descrito da referida peça? (ou seja, no acórdão recorrido);

      (b). recorrente S.P.R.G.: das normas constantes dos artigos 21º e 28º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e 30º do Código Penal;

      (c). recorrente J.A.L. da norma constante do artigo 433º do Código de Processo Penal, na seguinte interpretação: ?se, tendo existido arguição dos vícios a que alude o artigo 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Penal, em sede de apreciação dos referidos vícios, não se especificar a matéria provada no que a ele concerne?;

      (d). recorrente A.J. A. F.:

      (1). da norma constante do artigo 61º, n.º 1, alíneas b) e f), do Código de Processo Penal, ?com o sentido da desnecessidade de o arguido ser ouvido durante o inquérito sobre os factos que lhe imputam?; e

      (2). das normas constantes dos artigos 21º, 24º e 28º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e do artigo 30º do Código Penal, ?com o sentido de que é possível o concurso real entre o crime de tráfico de estupefacientes agravado e o crime de associação criminosa?;

      (e). recorrente J.L.T.M.M.: da norma constante do artigo 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretada ?de molde a considerar como não sendo necessário concretizar a relação existente entre os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal e os respectivos factos (ou em relação à responsabilidade de cada arguido), sobre os quais a mesma incidiu?;

      (f). recorrente M.A.T.M.: da norma constante do artigo 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretada ?de molde a considerar como não sendo necessário concretizar a relação existente entre os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal e os respectivos factos (ou em relação à responsabilidade de cada arguido), sobre os quais a mesma incidiu?.

      Neste Tribunal, a recorrente M.G.L.T. concluiu a sua alegação como segue:

      1. No seu recurso, a recorrente arguiu a inconstitucionalidade do artº 374º, nº 2, do CPP por violação do disposto no art. 32º, nº 1, da CRP se interpretada no sentido de a exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, se verificar ou estar salvaguardada face à lei, desde que o Tribunal indique a prova que serviu para a fundamentação, a proficuidade e qualidade da mesma, sem que contudo caracterize em relação a cada arguido ou grupo de arguidos o alcance da mesma prova.

      2. A este respeito o Supremo Tribunal de Justiça considerou que a lei não exige que as provas que fundamentam a decisão tenham de ser distinguidas para cada um dos arguidos como também não exige uma indicação dos meios de prova em relação a cada um dos factos que o Tribunal tenha considerado como provado e mais se considerou que tal interpretação não ofende o disposto no artº 32º, nº 1, da CRP.

      3. Conforme resulta da decisão proferida em 1ª instância, num processo com 53 arguidos, apenas se considerou quais os meios de prova em que o tribunal baseou a sua convicção e a quantidade e qualidade desses meios de prova sem que se tenha operado qualquer distinção na prova ou apreciado segundo um critério indicativo da forma como esses meios de prova serviram para formar a convicção do Tribunal, no que à recorrente concerne.

      4. Assim desconhece-se qual o segmento probatório utilizado pelo Tribunal quanto à recorrente e consequentemente, a existir, qualquer inexistência, deficiência, insuficiência da prova, tal seria absolutamente incontrolável, dada a forma abrangente como o Tribunal enuncia os meios de prova.

      5. Assim existe claramente uma diminuição das garantias de defesa, que é contrário e violador do disposto no artº 32º, nº 1, da Constituição, quando se postula que o processo criminal deve assegurar todas as garantias de defesa, pelo que a interpretação da norma no sentido descrito em 1 é inconstitucional.

      6. Tal inconstitucionalidade verifica-se em duas vertentes, a primeira que decorre do facto de não ser possível averiguar se a prova é inexistente, insuficiente ou padece de alguma deficiência ou ainda nem sequer se ter indicado a forma como a prova influiu na convicção do Tribunal no que à recorrente concerne, o que manifestamente se traduz numa diminuição das garantias de defesa, sendo incompatível com o disposto no artº 32º, nº 1, da CRP.

      7. A segunda decorre do facto de, ao não se permitir a distinção da prova utilizada em relação à recorrente por contraposição com todos os restantes arguidos se colocar em questão a própria eficácia do recurso, onde teoricamente, à recorrente deveria ser possibilitado arguir tudo o que pudesses esgrimir em seu favor e que eventualmente contestasse em relação à aplicação do artº 374º, nº 2, do CPP, pelo que também por aqui, a interpretação vertida em 2 das conclusões é inconstitucional por violação do disposto no artº 32º, nº 1, da CRP.

        Nestes termos e noutros de Direito doutamente supridos deve ser tirado douto acórdão que revogue o recorrido, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 374º, nº 2, do CPP se interpretado no âmbito referido em 1 das conclusões, com o que se fará total justiça.

        De sua parte, a recorrente S.P.R.G. formulou, na alegação, as seguintes conclusões:

        Iª. Verificando-se os requisitos para a existência de uma organização, a arguida nunca deveria ser condenada em concurso real e efectivo, pelo crime de tráfico de estupefacientes e associação criminosa.

        IIª. Efectivamente, as normas legais que prevêem o crime de associação criminosa e tráfico de estupefacientes, estão numa relação de (subsidiariedade) consumpção.

        IIIª. A norma legal que prevê o crime de associação criminosa integra os elementos essenciais do tipo legal do crime de tráfico, aliás, só existe crime de associação criminosa quando estejam reunidos os requisitos do crime de tráfico de estupefacientes.

        IVª. Temos como dado adquirido para a doutrina e jurisprudência e, para o douto acórdão recorrido, em particular, que o crime de tráfico de estupefacientes protege a saúde pública em geral e o crime de associação criminosa a paz pública.

        Vª. A norma do artº 21º - se não directamente, pelo menos indirectamente ? protege também a ordem social ou a paz pública, na medida em que cada vez mais existe um elo de ligação de delitos por consumidores de droga com a criminalidade em geral, se atentarmos nos crimes e violências que origina, «com a erosão de valores que provoca» que afecta a vida em sociedade e, assim sendo: ?o valor protegido com a incriminação do tráfico será (também) o da segurança pública? González Zorrilla, ?Legislação simbólica e administrativização do Direito Penal: a penalização do consumo de drogas?, RMP, nº 55 (1993), pág. 71 e segs;

        VIª. A norma do art. 28º - se não directamente, pelo menos indirectamente ? protege também a saúde pública, pois que sendo um crime de perigo comum abstracto, apenas pressupõe a perigosidade da acção, para a uma ou mais espécies dos bens jurídicos protegidos pela norma do artº 21, aliás, conforme remissão do próprio artigo.

        VIIª. No mesmo sentido, o crime de associação criminosa consome o crime de tráfico de estupefacientes nomeadamente, porque atenta inclusivamente, a punição como pena máxima de prisão, nele haver já, e até de forma mais intensa, a protecção do bem jurídico tido em conta, no crime de tráfico: a saúde pública (a declaração de voto do Exmº Conselheiro Abranches Martins, in Col. Jur., STJ, tomo I, pág. 197) ? e ainda, entre outros ? o Exmº Conselheiro Fernando Lopes de Melo onde refere: ?que estamos perante uma das excepções a que alude o Prof. Figueiredo Dias, nas págs. 73 a 74 do seu estudo intitulado ?As Associações Criminosas? no Código Penal Português de 1982, arts. 277º, 278º, e Separata da Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 3.751 e 3.760 ?in Col. Jur. Tomo V, pág. 30?.

        VIIIª. Porque estamos no campo de disposições, que punem abstractamente um perigo de lesão do bem jurídico tutelado, independentemente da averiguação de um perigo efectivo de lesão, a eficácia desta disposição (art. 28º) consome naturalmente a daquela (artº 21).

        IXª. Por isso entendemos, no caso sub judice, que as normas, do art. 21º (ou 24º) com o artº 28º, estão entre si numa relação de concurso aparente (consumpção) e não de concurso real.

        Xª. Nos casos de concurso aparente, são formalmente violados vários preceitos incriminadores, mas esta plurima violação é tão-só aparente; não é efectiva, porque resulta da interpretação da lei que só uma das normas têm cabimento, que verificando-se embora a violação plurima de vários tipos de crime, a culpa está tão acentuadamente num preceito ?o mais?, que um só juízo de censura, e não vários, é possível formular.

        XIª. Os factos referidos em II-a) ? pontos nºs 353, 3.95 e 3.225 ? ficou consignado quais as funções da recorrente: procedia ? quer no 1º como no 2º grupo ? às misturas dos produtos estupefacientes com produtos de ?corte? e guardava os que se...

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