Acórdão nº 439/02 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Outubro de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução23 de Outubro de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 439/02

Proc. nº 56/2002

  1. Secção

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

1. A.. foi pronunciado, por despacho do Tribunal Judicial de Torres Vedras, como autor material de um crime de corrupção passiva para acto lícito previsto e punido pelo artigo 373º, nº 1, do Código Penal. No despacho de pronúncia considerou-se o seguinte:

"(...)

O Juízo de indiciação subjacente ao despacho de pronúncia apoia-se nos elementos de prova recolhidos, quer no inquérito quer na instrução, quando se constata que estes são suficientes para gerar a convicção da probabilidade do arguido poder vir a ser condenado em julgamento pela infracção que lhe foi imputada.

Na apreciação de tais elementos de prova não entra o princípio "in dubio pro reo", que só se torna actuante e relevante no momento da decisão final e quando nesta se tem de optar pela absolvição ou pela condenação (cfr. Ac RE de 15/10/01, in BMJ 410, pg. 903), nem se exige a força e solidez da valoração concreta da prova em julgamento, obtida com recurso ao contraditório e ao princípio da imediação, os quais permitem estabelecer com mais rigor a ocorrência dos pressupostos da condenação do arguido, na apreciação de tais elementos de prova não entra o princípio in dubio pro reo" e que "basta apenas nesta fase processual a formulação do juízo que com a submissão do arguido a julgamento não resulte daí um acto manifestamente inútil e clamorosamente injusto

A suficiência indiciária constitui, pois, pressuposto, não da decisão sobre o mérito da causa, mas apenas da decisão de prossecução dos autos para julgamento, que não visa, obviamente, alcançar a demonstração da realidade dos factos, mas apenas e tão só espelhar os indícios de que os factos foram praticados pelo arguido.

In casu dir-se-á que a apreciação crítica da prova produzida na fase do inquérito não foi posta em causa pela prova produzida na fase de instrução.

Por conseguinte, considero que se encontram reunidos os indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, pelo que nos termos do artº 308º nº 1 do Código de Processo Penal e considerando a prova indiciária produzida, cumpre decidir"

O arguido interpôs recurso de constitucionalidade do despacho de pronúncia, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas dos artigos 286º, nº 1, 298º, 303º e 308º do Código de Processo Penal, com a interpretação acolhida no despacho de pronúncia.

O recurso não foi admitido.

Deduzida reclamação, ao abrigo dos artigos 76º, nº 4, e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, o Acórdão nº 411/2001 deferiu parcialmente a reclamação, ordenando a prolação de despacho que recebesse o recurso de constitucionalidade "na parte em que o recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 286º, nº 1, 298º, e 308º do Código de Processo Penal".

2. O recorrente produziu alegações junto do Tribunal Constitucional que concluiu do seguinte modo:

  1. - O princípio da presunção de inocência, que vem consagrado no artº 32 nº 2 da Constituição da República Portuguesa, é elevado à garantia de direito fundamental, e constitui um verdadeiro princípio de prova, directamente vinculante para todas as autoridades e com projecção no processo penal em geral.

  2. - Neste entendimento, o princípio da presunção de inocência identificado em termos adjectivos como o princípio "in dubio pro reo", tem incidência na motivação de todas as decisões processuais, sejam elas a abertura do inquérito, o despacho de acusação, a abertura de instrução, o despacho de pronúncia, o julgamento e a prolacção da sentença.

  3. - Assim enunciado e com este conteúdo, o princípio da presunção de inocência impõe que, em matéria de apreciação da prova, se decida sempre a favor do arguido, não o sujeitando a julgamento se, logo no decurso da instrução; se concluir pela insuficiência de elementos de prova relativamente à existência dos pressupostos que determinaram a elaboração da acusação.

  4. - A lei adjectiva penal criou a fase de instrução para que o juiz tivesse o poder/dever de reexaminar os pressupostos que determinaram a acusação, confrontando-os com os novos elementos de prova trazidos nesta fase processual e apurando se estes elementos de prova alteram aqueles de modo a formular ou não um juízo indiciário de culpabilidade em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

  5. - O Recorrente requereu a abertura de instrução e apresentou prova testemunhal e prova documental que pôs em causa as meras suspeitas - que não indícios sobre os quais se alicerçou a acusação contra si formulada, e estava convicto e tinha uma justificada expectativa constitucional de que a sua situação processual seria analisada à luz dos princípios que informam os direitos, liberdades e garantias constitucionais.

  6. - Sucede que no Despacho de Pronúncia foi invertido o ónus de prova, presumindo-se a culpa...

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