Acórdão nº 2933/19.1 T9SXL.L2-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução02 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam as Juízas, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO Por decisão proferida em 8 de Outubro de 2021, na instrução nº 2933/19.1T9SXL do Juízo de Instrução Criminal do Seixal, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa foi determinada a não pronúncia dos arguidos: 1. Trust in News, Unipessoal Lda.

  1. LJD______ 3. LFMP___ .

  2. CMSC______ .

  3. MA_____ 6. RMTG______ , diretor executivo da revista Visão.

  4. CTTP______ .

  5. FML_____ .

  6. OLO____ AB__ da Silva e , pelos factos constantes do RAI do assistente de fls. 220 a 232 e que consubstanciariam a prática de um crime de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo art. 183° n° 2 e 187° n°1 e 2 al a) do CP e art. 30° da Lei 2/99 de 13 de Janeiro.

    O assistente Município do Seixal interpôs recurso desta decisão, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo de Instrução Criminal do Seixal - proferida no processo 2933/19.1T9SXL, a qual decidiu «Em conformidade com todo o exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 308º nº l do Código de Processo Penal, não pronunciou os arguidos (...) pelos factos constantes do RAI do Assistente de fls. 220 a 232 e que consubstanciariam a prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva p. e p. pelo art. 183° n° 2 e 187° nº1 e 2 al a), do C.P e art. 30° da Lei 2/99, de 13 de janeiro». 2. Ao decidir como decidiu, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu em erro na aplicação do artigo 308° n°s 1 e 2 e 187º, 183º n° 1 b) ex vi alínea a), n° 2 do artigo 187º do Código Penal.

  7. O bem jurídico protegido pelo tipo legal de crime de ofensa a pessoa colectiva, p. p.

    pelo artigo 187º do Código Penal, é o bom-nome da instituição, enquanto elemento agregador de outros bens jurídicos visados, como a credibilidade, o prestígio e a confiança.

  8. O tipo legal de crime comporta, assim, a afirmação ou propalação de factos inverídicos e que tais factos se mostrem capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva.

  9. São elementos do tipo objectivo do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva: - a afirmação ou propalação de factos inverídicos; - não ter o agente fundamento para, em boa fé, reputar inverídicos esses factos; - a idoneidade de tais factos para ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que se mostrem devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação.

  10. As diversas afirmações escritas e propaladas pelo Arguido no artigo juntos aos autos, e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, contém muitas outras intencionalmente divulgadas com o propósito de ofender o bom nome, a reputação, a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos ao Município do Seixal, enquanto pessoa coletiva pública, aos seus órgãos e serviços e respectivos titulares.

  11. Da análise dos factos difundidos pelo Arguido através da notícia juntos aos autos resulta a sua tipicidade, bem como o carácter ofensivo da credibilidade, prestígio, e mesmo da confiança que é depositada ao Assistente.

  12. Porquanto imputa ao Município a prática de ilegalidades, o incumprimento de leis, que nunca foram praticadas, deturpando factos de forma tendenciosa e utilizando uma linguagem sensacionalista que mais que informar visa provocar o escândalo para assim conseguir vender um maior número de exemplares.

  13. Não se está, apenas, perante expressões ingénuas ou puras de prolação de factos inverídicos, mas também perante uma formulação acintosa de juízos ofensivos da credibilidade, do prestígio ou da confiança das entidades e do bom nome dos restantes assistentes onde releva a imputação dos fatos acima descritos na Revista Visão, revista de grande tiragem que permite uma ampla prolação das inverdades que dela constam.

  14. Estas afirmações são tão mais graves quando resulta dos autos que esta imputação indevida e injustificada, além de não demonstrada por prova ou fonte credível, também não teve o cuidado que lhe era exigido, como jornalista na averiguação dos factos.

  15. Já que o conjunto das afirmações por si perpetuadas desfiam a lógica do procedimento administrativo, pois as necessidades previstas para assegurar a realização do evento são conhecidas de todos os vereadores do executivo municipal e integram um plano de articulação de diversos serviços e áreas de atuação que o autor não procurou sequer esclarecer atempadamente ou solicitar junto das restantes e várias autarquias que apoiam o evento.

  16. Esta notícia foi assinada pelo arguido OLO____ , pelo que resulta de forma cristalina que a conduta típica foi praticada, pelo menos, pelo Autor do Artigo, ao fazer afirmações manifestamente falsas com o único propósito de manchar o bom nome, reputação e credibilidade do Recorrente. 13. Com a sua conduta, o Arguido ofendeu o bom-nome e a consideração que o Município, goza junto dos seus munícipes.

  17. Em face do exposto, não assiste razão à decisão recorrida quando refere que expressões utilizadas pelo Arguido se apresentam com carácter generalizado, descarregadas de qualquer tipicidade, sendo certo que estamos perante afirmações que preenchem os elementos do tipo legal de crime em causa.

  18. Ainda assim, e perante estes factos não foi este o entendimento do Tribunal a quo que sufragando a falta de coragem do Ministério Público em investigar e reconhecer a força da prova produzida, com o devido respeito, optou por uma decisão simplista e redutora dos factos, quando nesta fase processual se lhe impunha o conhecimento de indícios fortes e suficientes para indagar de uma possível condenação em sede de julgamento e não de uma real certeza de condenação e assim se escondeu atrás do comum fundamento da liberdade de expressão, que nos autos comprovadamente não é perante uma verdadeira liberdade de expressão que estamos, mas quanto muito uma "liberdade" permitida pelos Tribunais de "dizer mal por dizer" e assim apenas se espera deste Tribunal ad quem uma decisão de responsabilização.

  19. A decisão do Tribunal a quo não foi aferida de acordo com o critério objectivo da compreensão e percepção do normal homem comum.

  20. Nem tão pouco quando defende que as expressões utilizadas pelo Arguido não têm força bastante para ofenderem a credibilidade ou prestígio, ou mesmo a confiança que é depositada ao Assistente, enquanto pessoa colectiva de direito público.

  21. Repare-se que ao contrário do que se faz crer através de expressões como os procedimentos inerentes ao apoio a realização da "Festa do Avante", na sequência de prévia solicitação, são aprovados por deliberação do órgão executivo, Câmara Municipal, por unanimidade, por todas as forças políticas aí representadas, sendo posteriormente concretizada a devida articulação com as forças da autoridade, a necessária fundamentação orçamental, e as eventuais autorizações (e recibos) inerentes a prestação do trabalho suplementar, com uma relação dos serviços com intervenção no apoio à realização do evento.

  22. Verifica-se, assim que o autor do artigo, sob a capa do interesse público, instrumentalizou-o e carregou para a opinião pública inverdades baseadas em preconceitos políticos.

  23. Como efeito, bastava ao autor do artigo, no cumprimento do seu dever deontológico, questionar os referidos funcionários da Câmara, para estar em condições de aferir a falsidade das suas fontes, que ou não existem ou estão a mentir.

  24. Fruto da sua incúria, sem cuidar de obter previamente toda a informação necessária para analisar a actuação do Município, o arguido refere-se a funções que os trabalhadores da Câmara realizaram no âmbito das suas competências, como se estas estivessem relacionadas com a “Festa do Avante”.

  25. O arguido, ao invocar o direito de informar, faz com surja um conflito entre direitos fundamentais, assim se chamando à colação o artigo 18º n°s 2 e 3, da CRP, segundo o qual as restrições a direitos fundamentais, feitas por lei ou com base na lei, designadamente por decisão jurisdicional, devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos da mesma natureza ou interesses objetivos constitucionalmente garantidos. Quer isto dizer que tais restrições devem respeitar o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, isto é, têm de ser adequadas, necessárias e proporcionais à proteção de outros direitos ou interesses constitucionais.

  26. No caso, atendendo à falsidade dos factos, se é verdade que a “pessoa pública" deve revelar uma maior tolerância à crítica, também é verdade que a actuação do arguido em relação à pessoa do assistente ultrapassou os limites da crítica admissível, assim sucedendo porque os factos falsos relatados são efectivamente ofensivos da honra e consideração do Município.

  27. A existência de jurisprudência do TEDH que atribui prevalência à liberdade de expressão em detrimento do direito ao bom nome não determina que o juiz nacional deva abdicar da defesa dos direitos fundamentais em conflito e que a liberdade de imprensa tenha de prevalecer sempre.

  28. Pois, como defende a doutrina, em particular como ensina Faria Costa, “o direito à honra e o direito de informação têm igual valência normativa”.

  29. Ao contrário da decisão recorrida, entendemos que, atendendo aos factos em causa, bem como a toda a prova carreada para os autos, está claro o arguido agiu com a intenção de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos à Câmara Municipal do Seixal, não constituindo o referido artigo nada que se pareça com o exercício da liberdade de expressão e informação, antes um instrumento irresponsável de agressão gratuita que em nada serviu o interesse público, artes contribuiu para a confusão e descrédito das instituições, e da própria Revista Visão.

  30. A intenção de imputação de factos falsos é bem patente não só do facto de não ser crível que o Autor da peça jornalística desconheça a diferença entre trabalhadores Municipais...

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