Acórdão nº 5/17.2GAPRD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 5/17.2GAPRD.P1 Comarca do Porto Este Juízo de Instrução Criminal de Marco de Canavezes – Juiz 1 I. RELATÓRIO 1. No âmbito dos presentes autos, no final do inquérito, pelo Ministério Público foi proferido despacho de acusação contra a arguida B..., imputando-lhe a prática de “um crime de desobediência, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 14.°, nº 1, 26.° e artigo 348.°, nº 1, alínea a), do Código Penal e 160.°, n° 3, do Código de Estrada.” 2. A arguida, inconformada com tal despacho de acusação, veio requerer a abertura de instrução, visando a sua não pronúncia pela prática do crime pelo qual vinha acusada.

  1. Finda a instrução, foi proferido despacho de não pronúncia.

  2. Inconformado, o Ministério Público (a fls. 98 a 105vº) interpôs recurso finalizando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “a) O Ministério Público deduziu acusação contra a arguida B..., melhor identificada nos autos, pelos seguintes factos: “No dia 03 de Janeiro de 2017, cerca das 09H00, quando a arguida conduzia o veículo de matrícula ..-..-GG na Rua ..., ..., Paredes, foi mandada parar por uma patrulha da Guarda Nacional Republicana que ali se encontrava em missão de patrulhamento ao trânsito.

    Foi então solicitado à arguida que apresentasse, além do mais, a sua carta de condução, ao que a mesma respondeu que não a tinha na sua posse, em virtude de encontrar-se apreendida para cumprimento de uma inibição de condução aplicada pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, na sequência de decisão da autoridade administrativa datada de 5/12/2016, que lhe havia sido notificada no dia 14/12/2016.

    Efectivamente, a carta de condução da arguida estava apreendida desde o dia 30/12/2016, data na qual a mesma, tacitamente, mas de forma clara e inequívoca, prescindiu do prazo de recurso que se encontrava então em curso, e entregou-a para dar início ao cumprimento de uma inibição/proibição de conduzir de 30 dias que lhe havia sido aplicada no âmbito do processo 291926673, que correu os seus termos na Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

    Bem sabia a arguida que, tendo prescindido tacitamente do prazo de recurso, e estando a sua carta apreendida para cumprimento da sanção acessória supra referida, não poderia conduzir tal veículo na via pública, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, tanto mais que tal advertência inclusive lhe havia sido feita no documento que assinou aquando da entrega de tal documento – cfr. penúltimo parágrafo do documento de fls. 15.

    Porém, apesar de tudo saber, e agindo de forma voluntária, livre e conscientemente, a arguida decidiu desobedecer a ordem emanada da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que o proibia de conduzir veículos a motor durante o período da supra referida inibição, e conduziu o mencionado veículo na via pública.

    Mais sabia a arguida que a ordem/decisão que determinou tal proibição era legítima, porque proveniente de entidade administrativa com competência na matéria, e lhe havia sido devidamente notificada.

    Sabia ainda a arguida que a sua conduta era e é proibida e punível por lei, o que não a impediu de agir da forma descrita.

    Pelo exposto, incorreu a arguida B... na prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, n.º 1, 26.º e artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e 160.º, nº 3, do Código de Estrada.” b) A questão a decidir é a de saber se o prazo da inibição de condução se iniciou quando a arguida voluntariamente entregou a carta de condução – 30/12/2016, ou quando transitou em julgado a 04/01/2017; c) O Mmº Juiz a quo decidiu na sua douta decisão que quando a arguida entregou voluntariamente a sua carta de condução, a decisão administrativa ainda não se havia tornado definitiva e exequível; d) Qualquer cidadão comum que perceba o que lê, entende que, com a assinatura do termo de recepção da carta de condução a fls. 15 (documento que a arguida não nega ter assinado ou que assume ter assinado em erro), a arguida se comprometeu a não conduzir na sequência da decisão administrativa de condenação, e se conformou com aquela decisão; e) E que entendeu as consequências jurídicas e penais do incumprimento – o crime de desobediência ou de violação de proibições; f) De resto, todos os elementos probatórios constantes do inquérito apontam todos na mesma direcção: a arguida havia entregue voluntariamente a carta, querendo que o prazo de cumprimento da sanção de inibição se iniciasse logo ali; g) Transitada em julgado a decisão a 30/12/2016, por efeitos da renuncia ao prazo de recurso, bem sabia a arguida que não podia conduzir, como conduziu, a 03/01/2017, porquanto a decisão administrativa já se havia tornado definitiva e exequível; h) Assim, temos como bom que o MMº JUIZ, ao não dar como suficientemente indiciados todos os factos constantes da acusação publica, incorreu em erro de julgamento, com falha de exame crítico da prova produzida – artº 127º, do CPP, que imporia uma decisão diferente da matéria de facto e, em consequência de direito, que seria a pronuncia pelo crime de que vinha acusada a arguida.

    i) Violou igualmente o artº 138º, do CE e o artº 348º, do Código Penal; j) Pelo que se impunha decisão de pronúncia nos termos exactos termos descritos na acusação pública; Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser declarado totalmente procedente, fazendo-se assim inteira e sã JUSTIÇA!” 5. O recurso foi admitido por despacho de fls. 106.

  3. A arguida não respondeu ao recurso.

  4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a fls. 115, sufragando a posição do Ministério Público de 1ª instância, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

  5. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, a arguida respondeu (a fls. 117 a 118vº), emitindo posição no sentido da improcedência do recurso.

  6. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito.

    No caso vertente, não obstante a extensas conclusões do recurso, a questão a decidir consiste em saber se a entrega da carta de condução antes de decorrido o prazo de impugnação judicial tornou definitiva a decisão administrativa para, em caso de resposta afirmativa, se poder concluir pela objectividade de um crime de desobediência, decorrente do estabelecido no art. 138º nº 3 do Código da Estrada, pelo facto da arguida, ainda antes de decorrido aquele prazo, ter conduzido um veículo na via pública.

  7. Decisão recorrida Definida a questão a tratar, vejamos o teor da decisão recorrida (transcrição parcial): “Declaro encerrada a instrução ** Relatório: O Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação pública contra a arguida – B...

    , imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, n.º1, alínea a), do Código Penal, tal como decorre de fls. 46 a 49 dos autos.

    * A arguida, inconformada com a acusação pública, alegou que não tendo a decisão administrativa transitado em julgado à data de 03 de janeiro de 2017, que a condução de veículo automóvel naquelas circunstâncias não consubstancia a prática de um crime de desobediência nos termos que lhe é imputado.

    Por seu lado, caso assim não se entenda, requer a suspensão provisória dos autos, nos termos dos artigos 281º e 282º, ambos do CPP, tal como decorre de fls. 611 e ss. dos autos.

    * Declarada aberta a instrução, procedeu-se à realização do correspondente debate instrutório, cumprindo-se as formalidades legais, tal como decorre da correspondente ata dos autos.

    * Saneador: O Tribunal é o competente.

    O processo é o próprio e não são conhecidas nulidades.

    Os sujeitos processuais encontram-se dotados de capacidade e legitimidade.

    Nada obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa.

    ** Finalidade da instrução: A instrução que tem carácter facultativo visa, in casu, a comprovação jurisdicional dos pressupostos jurídicos factuais da acusação pública contra a arguida/requerente e, assim, da decisão processual do Ministério Púbico deduzir acusação pública – artigo 286º, nº 1 do Código de Processo Penal.

    Constitui, portanto, uma fase preparatória e instrumental em relação ao julgamento.

    Assim, a prova produzida em sede de instrução tem carácter meramente indiciário, no sentido em que não se pretende através dela a demonstração da realidade dos factos, antes e tão só indícios, sinais de ocorrência do crime, donde se pode formar a convicção, para a decisão de pronúncia, de que existe uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança (cfr. artigos 308º, nºs 1 e 2; 283º, nº 2 e 301º, nº 3 do Código de Processo Penal), visando-se assim apurar se, em face das diligências probatórias realizadas, foram ou não recolhidos indícios suficientes da prática pelo arguido de factos que constituam crime [cfr.

    Germano Marques da Silva, in “Curso de Direito Processual Penal”, Editorial Verbo, 1994, páginas 182/183].

    O que sejam indícios suficientes procurou o legislador definir no artigo 283°, nº 2 do Código de Processo Penal, quando estatui “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por...

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