Acórdão nº 137/02 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Abril de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Sousa Brito
Data da Resolução03 de Abril de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão 137/02

Proc. nº 363/01

Plenário

Relator: Cons. Sousa e Brito

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I

  1. Em consequência do despacho do relator no Supremo Tribunal de Justiça, em 16 de Maio de 2001, no processo penal em que é arguido A, subiram ao Tribunal Constitucional três recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade :

O primeiro, interposto pelo Ministério Público, da declaração de voto de vencido de um dos juizes que integraram o colectivo, anexa ao acórdão do 1º Juízo do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa de 4 de Agosto de 1993, que absolveu o arguido A da comissão, na qualidade de ..., de um crime de corrupção passiva dos artigos 420º, nº 1 do Código Penal, 2º e 16º nº 1 da Lei nº 34/87 de 16 de Julho, a conjugar com o artigo 1º do Decreto-Lei nº 371/83 de 6 de Outubro, de que vinha acusado. A parte relevante dessa declaração de voto é a seguinte :

"Dispõe o artigo 365º, nº 3 do Código de Processo Penal que não é possível a abstenção do juiz, donde decorre o dever de formar e exprimir a sua opinião.

No entanto, o artigo 367º, nºs 1 e 2 e 372º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal, opõem e proíbem o juiz de revelar opinião com que profira qualquer declaração de voto.

Esta proibição de declaração de voto apenas é aplicável segundo o mesmo Código aos juízes de 1ª instância.

Entendo que tal proibição com a ameaça de várias sanções é totalmente inadmissível por violadora da consciência e dignidade pessoal do juiz como pessoa e titular de órgão de soberania a quem a Constituição da República comete a administração da Justiça em nome do Povo, como assegurar a defesa dos direitos e reprimir a violação da legalidade, como ainda dirimir conflitos de interesses públicos e privados.

Tal proibição põe em causa os fundamentos da legitimidade do Tribunal Colectivo e viola ainda o estatuto dos Magistrados judiciais.

Viola o princípio do tratamento igual perante a lei ao impor tal proibição aos juízes de 1ª instância.

Recuso assim a aplicação da norma contida no artigo 372º do Código de Processo Penal por inconstitucionalidade material.

Tenho, pois, todo o direito de votar (e declarar-me) vencido, e entendo até ter tal dever porque, em minha opinião, o acórdão que antecede enferma de insanáveis contradições quanto aos factos apurados e suas conclusões como quanto à sua motivação".

Foi desta expressa recusa de aplicação da norma contida no artigo 372º, nº 2 do Código de Processo Penal (conjugada com o artigo 367º, nº 1 do mesmo Código) que, por invocada inconstitucionalidade material, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea a) da Constituição e 70º, nº 1, alínea a) da Lei do Tribunal Constitucional.

2. O segundo recurso foi interposto pelo arguido do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 1994, que deu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público do despacho proferido em audiência pelo presidente do Tribunal de primeira instância, que admitiu a junção de 43 documentos requerida pelo arguido no decurso do julgamento. Nesse acórdão o Supremo decidiu:

- declarar nulos todos os actos e termos do processo, desde a primeira sessão da audiência de julgamento até ao termo de remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça;

- determinar que se procedesse ao desentranhamento dos documentos apresentados pelo arguido, a fim de lhe serem restituídos;

ordenar a repetição do julgamento do arguido no mesmo tribunal que proferiu a decisão anulada. O arguido veio invocar três nulidades processuais desse acórdão e interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, com fundamento em recusa de aplicação das normas dos artigos 165º, nº 2, e 340º, nº 1, do Código de Processo Penal .

Por acórdão de 21 de Abril de 1994, o Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedente a arguição de nulidade.

Deste último acórdão, interpôs o arguido novo recurso para o Tribunal Constitucional - é o terceiro recurso agora subido -, nos termos do artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, pedindo a apreciação da inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça às normas dos artigos 416º, 427º e 407º do Código de Processo Penal.

Por despacho de 27 de Maio de 1994, o Relator não admitiu os recursos para o Tribunal Constitucional. Esse despacho foi confirmado por acórdão da conferência, de 7 de Julho de 1994.

Apresentada reclamação perante o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º, nº 4, da Lei nº 28/82, este Tribunal, por acórdão de 17 de Abril de 1996 (Acórdão nº 584/96, Acórdãos do Tribunal Constitucional, II, 33, p.881, ss), decidiu:

"a) - indeferir a reclamação quanto à norma do artigo 165º, nº 2, do Código de Processo Penal;

  1. - deferir a reclamação quanto à norma do artigo 340º, nº 1, do Código de Processo Penal;

  2. - deferir a reclamação quanto à norma do artigo 416º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não impor a notificação do arguido para responder quando, no visto, o Ministério Público se pronuncia pela anulação do julgamento absolutório da 1ª instância;

  3. - indeferir a reclamação quanto às normas dos artigos 407º e 427º do Código de Processo Penal".

    O segundo recurso agora subido, que o arguido interpôs do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 1994, foi assim admitido pelo Acórdão nº 584/96 deste Tribunal apenas quanto à norma do artigo 340º, nº 1 do Código de Processo Penal. Segundo este acórdão, foram dois os fundamentos de inconstitucionalidade que estiveram na base da recusa de aplicação da norma do artigo 340º, nº 1 pelo Supremo, no seu recorrido acórdão de 10 de Fevereiro de 1994:

    " O Supremo Tribunal de Justiça, ao mandar repetir o julgamento, considerou de forma irrecusável que a junção de documentos não é irrelevante no plano da produção da prova. Denegando a prova dos 43 documentos, aquele Supremo Tribunal não pode deixar de recusar o artigo 340º, nº 1, do Código de Processo Penal. É por esta norma que o legislador comete ao juiz o poder-dever de atender a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade.[...]

    No procedimento de argumentação do acórdão de 10 de Fevereiro de 1994, o Supremo Tribunal de Justiça retirou efectividade ao princípio da investigação ou da verdade material na fase da audiência. Fez com que este princípio, que é afirmado no artigo 340º como princípio conformador da prova em audiência, não tivesse irradiação para a norma do caso. O Supremo Tribunal de Justiça orientou-se numa dimensão única – a do princípio do contraditório na dimensão da igualdade de armas – e como esse princípio marcou indelevelmente o programa da norma do artigo 165º, nº 1, do Código de Processo Penal. Esse programa já não conta com as possibilidades jurídicas do princípio da verdade material na fase da audiência: quebrou-se a articulação com o artigo 340º, nº 1.[...]

    Assim, a recusa de aplicação da norma do artigo 340º, nº 1, do Código de Processo Penal tem de ser uma recusa com fundamento de inconstitucionalidade, na medida em que a verdade material não é tida como um princípio decisivo nessa fase, sendo aí o princípio do contraditório – na dimensão da igualdade de armas – o princípio regulador da prova em audiência.

    De todo o modo, numa outra visão das coisas, poder-se-ia dizer que ao invocar, para afastar a aplicação do princípio da verdade material – ou seja do artigo 340º, nº 1, do Código de Processo penal –, o princípio da igualdade de armas, sediado na lei de autorização legislativa, o acórdão recorrido reconheceu implicitamente que aquela opção se fundava num juízo de inconstitucionalidade.

    É que, como este Tribunal tem afirmado (cfr. Acórdão nº 492/94, Diário da República, II Série, de 16 de Dezembro de 1994), quando uma norma constante de um decreto-lei autorizado – no caso, do Código de Processo Penal – conflitua com o sentido de uma autorização legislativa, essa norma deve ser tida, ela própria, como inconstitucional.

    E assim, ao fazer prevalecer a lei de autorização legislativa sobre a norma do Código de Processo Penal, o acórdão recorrido desaplicou-a com fundamento em inconstitucionalidade." (Acórdãos, 33, 881, 902, 903)."

    3. O terceiro recurso agora subido, que o arguido interpôs do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 1994, foi, como resulta da conclusão atrás transcrita, admitido pelo Acórdão nº 584/96 deste Tribunal apenas "quanto à norma do artigo 416º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não impor a notificação do arguido para responder quando, no visto, o Ministério Público se pronuncia pela anulação de julgamento absolutório da 1ª instância". Segundo o mesmo acórdão, o Supremo no Acórdão recorrido aplicou a norma do artigo 416º com esta interpretação, que o arguido considerou inconstitucional por ser "contrária às garantias de defesa e do contraditório consagradas no artigo 32º, nºs 1 e 5 da Constituição" (Acórdãos, 33, 881, 905), inconstitucionalidade que o arguido adequadamente suscitou durante o processo.

    4. Importa, contudo, descrever ainda a restante marcha do processo, por forma a explicar a causa por que só agora subiram os recursos e a compreender por que se mantém o interesse na decisão.

    Na sequência do Acórdão nº 584/96, uma vez devolvidos os autos de reclamação, o Relator no Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 7 de Junho de 1996, interpretou aquele acórdão, que tinha deferido em parte a reclamação, revogando o despacho de indeferimento e fazendo caso julgado quanto à admissibilidade do recurso (artigo 77º, nº 4 da Lei do Tribunal Constitucional), como tendo julgado duas inconstitucionalidades :

    " - a respeitante à interpretação dada por este Supremo ao regime de junção de documentos na audiência de primeira instância; - e...

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