Acórdão nº 416/03 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Setembro de 2003
Data | 24 Setembro 2003 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 416/2003 Processo n.º 580/03
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Secção
Relator: Cons. Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
I ? Relatório
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A. foi, em 1 de Fevereiro de 2003, sujeito a interrogatório na condição de arguido detido, no âmbito do inquérito n.º 1718/02.9JDLSB, da 2.ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa. Findo o interrogatório, foram, pelo juiz de instrução, impostas ao arguido ? contra o qual se entendeu existirem indícios da prática de, pelo menos, quatro crimes de lenocínio agravado, previstos e punidos pelo artigo 176.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal ?, como medidas de coacção, nos termos dos artigos 191.º, 193.º, 197.º, 198.º e 204.º, alínea c), todos do Código de Processo Penal (CPP), a prestação de caução no valor de ? 10 000 e a obrigação de apresentação semanal, aos sábados, no posto policial da área da sua residência.
Contra este despacho interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, defendendo a aplicação da medida de prisão preventiva, mas, por acórdão de 10 de Abril de 2003, foi negado provimento ao recurso.
Na sequência de despacho de 2 de Maio de 2003, de uma magistrada do Ministério Público do DIAP de Lisboa, que determinara nova detenção do referido arguido, e a que adiante se fará referência (infra, n.º 10), foi emitido mandado de detenção do arguido, do qual consta:
?A detenção é motivada pelos seguintes factos:
Por existirem fortes indícios da prática pelo arguido de, pelo menos, quatro crimes de lenocínio, com agravação, previstos e punidos pelo artigo 176.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, a que corresponde pena de prisão de dois a dez anos, e de, pelo menos, 48 crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 172.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, com pena de prisão de 3 a 10 anos, e 24 crimes de abuso sexual de criança, previstos e punidos pelo artigo 172.º, n.º 1, do Código Penal, com pena de prisão de 1 a 8 anos.
Existe perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e do decurso do inquérito, nomeadamente perigo para aquisição, conservação e veracidade da prova, bem como de continuação da actividade criminosa, artigo 204.º, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal.?
Detido o arguido, foi o mesmo sujeito, em 5 de Maio de 2003, a novo interrogatório judicial, findo o qual o juiz de instrução proferiu despacho, determinando a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, considerada como a ?adequada, suficiente e proporcional às necessidades cautelares dos autos?.
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Contra este despacho interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando a desnecessidade, desadequação e excesso da medida de coacção aplicada e suscitando, na respectiva motivação, a questão da violação do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e das garantias de defesa do recorrente, quer porque ?[n]ão obstante a fundamentação da decisão proferida, até à data o arguido não teve acesso a quaisquer elementos probatórios, nomeadamente aos identificados no despacho em causa, apesar de os mesmos se afigurarem convenientes ao esclarecimento da verdade e absolutamente essenciais para a defesa do arguido e para a impugnação do despacho proferido em 5 de Maio de 2003, que lhe determinou aquela medida de coacção?, uma vez que ?no decurso do interrogatório que imediatamente precedeu aquele despacho, o arguido não foi confrontado com tais elementos probatórios ou sequer com os factos concretos deles resultantes?, pois nesse interrogatório ?o arguido foi confrontado com questões genéricas e abstractas, no que concerne à imputação dos 72 crimes de abuso sexual de criança?. Segundo o recorrente, ocorreu, por isso, ?violação do disposto no artigo 141.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Penal, que obriga o juiz de instrução a indicar os motivos da detenção, a comunicar-lhe e expor-lhe os factos e as provas que a fundamentam?, obrigação que o juiz de instrução ?não cumpriu, porquanto a explicação que deu ao arguido sobre os factos que estavam em causa limitou-se à enunciação dos ilícitos penais determinantes da sua detenção e subsequente formulação das perguntas genéricas e abstractas constantes do auto de interrogatório?, sem que o recorrente tenha sido, ?em momento algum, confrontado com os factos concretos que indiciariamente lhes são apontados e respectivos elementos probatórios e avaliadas como constituindo fortes indícios da veracidade dos factos indiciariamente recolhidos?, concluindo que ?[a] interpretação do artigo 141.º, n.ºs 1, 4 e 5, do CPP efectuada no caso concreto, no sentido de que o cumprimento deste normativo se basta com a formulação de perguntas genéricas e abstractas, não concretizadoras das exactas circunstâncias de tempo, modo e lugar que determinaram a imputação ao arguido dos 72 ilícitos de índole sexual por que ? só agora ? vem indiciado é manifestamente inconstitucional, por violação do estatuído nos artigos 27.°, n.º 4, 28.°, n.º 1, e 32.° da CRP, que impõem ao juiz que conheça das causas que determinaram a detenção e as comunique ao arguido, imediatamente e de forma compreensível das razões da sua detenção ou prisão, interrogando-o e dando-lhe oportunidade de defesa?. A isto acresce que ?a notificação ao arguido e/ou seus mandatários do despacho que ordenou a sua prisão preventiva não foi acompanhada da cópia das peças processuais ali indicadas e que integram a fundamentação de facto da decisão proferida e pressuposto do direito aplicável?, ?omissão que inquina, irremediavelmente, a notificação efectuada e constitui manifesta violação das garantias de defesa do arguido?, pelo que ?[f]oram assim manifesta e ostensivamente violados os princípios constitucionais vertidos nos artigos 27.°, n.° 4, e 28.°, n.° 1, da Lei Fundamental, preceitos que se reportam aos direitos fundamentais do arguido e ainda do seu artigo 32.°, n.° 1, onde se definem as garantias do processo criminal e asseguram todas as garantias de defesa, incluindo o recurso". Na verdade, ?o arguido só poderia exercer efectiva e cabalmente o seu direito de recurso, e com a eficácia possível nesta fase processual contribuir para o debate e esclarecimento da verdade, se conhecesse os elementos probatórios indiciários, os factos concretos, em que se apoiou a decisão que impôs a medida de coacção?; ora, ?no decurso do interrogatório de arguido, com a notificação do despacho recorrido e tão-pouco posteriormente, não foram facultados ao recorrente quaisquer dos elementos probatórios que fundamentaram a decisão sub judice?, resultando ?da tramitação dos presentes autos uma manifesta e inultrapassável impossibilidade de o arguido se poder defender dos factos indiciários que lhe são imputados, por desconhecimento dos mesmos e, consequentemente, de impugnar fundamentadamente o despacho recorrido, contrariando cabalmente a decisão proferida, quer na sua fundamentação de facto, quer no enquadramento jurídico-penal dos alegados fortes indícios, maxime, da verificação dos pressupostos de aplicação da prisão preventiva?.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 9 de Julho de 2003, negou provimento ao recurso do arguido, tendo, quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas, expendido o seguinte:
?b) Argumenta o arguido que ao despacho recorrido subjaz uma violação de garantias constitucionais de defesa, mormente as consagradas no artigo 32.° da Constituição da República, por lhe ter sido vedado o conhecimento das peças processuais essenciais à sua defesa.
Essas peças processuais são indicadas no despacho recorrido apenas em função da sua numeração nos presentes autos.
Se é certo que, para poder bem fundar uma correcta oposição ao decretamento de uma medida de coacção, é importante que o arguido possa ter um exacto conhecimento de todos os fundamentos de facto em que assenta a conclusão de Direito que pretende atacar, e logo é necessário que possa ter acesso aos elementos de prova nos quais se alicerça a medida de coacção que se pretende impugnar, também é certo inexistir, pelo menos actualmente, disposição expressa que contemple uma tal solicitação.
Sendo, aliás, que uma oposição a tal pretensão encontra assento na lei processual penal, em toda a disciplina que rege a matéria do segredo de justiça.
Deste modo, para dirimir a questão em apreço importa apreciar se in casu aquela disciplina se mostra conforme aos princípios constitucionais, ou se pelo contrário estes se encontrarão melhor salvaguardados com a defesa do indeferimento da pretensão do arguido.
No caso dos autos, o acesso do recorrente aos elementos de prova nos quais se alicerça o juízo de verificação dos pressupostos de facto e de direito da aplicação da medida de prisão preventiva implica, necessariamente, o conhecimento da identidade das testemunhas inquiridas e do teor dos seus depoimentos.
Porém, os factos averiguados nestes autos consubstanciam a prática de ilícitos que, pela natureza especialmente vulnerável das respectivas vítimas, o conhecimento por estas que o arguido está informado não apenas da sua identidade, a qual poderia eventualmente ser ocultada, mas sobretudo do teor dos seus depoimentos, através dos quais se obtém um esclarecimento sobre a identidade do depoente, pode afectar decisivamente a genuinidade e autenticidade dos seus depoimentos.
Acresce que esse conhecimento por parte das vítimas agravará inevitavelmente o processo de vitimização secundária inerente a qualquer processo judicial.
Sendo certo que não pode ser esquecido que nestes autos as vítimas são crianças e que sobre o Estado, de que os Tribunais são um órgão, impende um especial dever de protecção das crianças, consagrado no artigo 3.° da Convenção dos Direitos das Crianças, a qual por força da sua ratificação constitui direito interno de natureza idêntica à constitucional.
Há também que ter em conta que nestes autos aquela vitimização secundária se encontra especialmente agravada não apenas pela ampla repercussão social de tudo quanto a...
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