Acórdão nº 333/16 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução19 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 333/2016

Processo n.º 1172/15

2.ª Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

O arguido A., notificado da acusação contra si deduzida, em que lhe foi imputada a prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b), e n.ºs 4 e 5, do Código Penal, requereu, com fundamento no disposto no artigo 89.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, a confiança do processo por um período de 3 dias, para preparação da sua defesa, solicitando que o mesmo fosse entregue à sua Mandatária.

A Magistrada do Ministério Público titular do inquérito, por despacho de 16 de abril de 2015, determinou o seguinte quanto ao requerido:

«Segundo diretrizes hierárquicas, a consulta dos autos fora da secretaria apenas pode ser efetuada através da disponibilização de cópias dos autos.

Assim, por razões de agilidade e otimização de recursos, deverá a requerente indicar previamente quais as folhas que pretende consultar, a fim da secretaria pode extrair as respetivas cópias.

Desde já se autoriza a requerente a consultar os autos na secretaria.»

Tendo a Mandatária do arguido suscitado a intervenção hierárquica, por despacho de 6 de maio de 2015, proferido pelo superior hierárquico da Magistrada do Ministério Público titular do inquérito, foi mantido o despacho por esta proferido, sustentando-se a posição nele assumida.

Notificada desta decisão, a Mandatária do arguido, em requerimento dirigido ao Juiz de Instrução, alegou que o despacho do Ministério Público era nulo, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 6, do artigo 86.º, do Código de Processo Penal e que, se assim não se considerasse, tal despacho sempre seria irregular por falta de fundamentação.

O Juiz de Instrução, por despacho de 15 de maio de 2015, tendo considerado que os despachos do Ministério Público se encontram devidamente fundamentados, não enfermando de qualquer nulidade ou irregularidade processual, uma vez que nunca foi negado o acesso aos autos, mas apenas a sua confiança, indeferiu o requerido.

Inconformado, o arguido interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando que o despacho recorrido padecia de nulidade, pedindo que o mesmo fosse declarado nulo e substituído por outro que determinasse a confiança do processo gratuitamente para análise fora da secretaria judicial, suspendendo, pelo menos desde o primeiro pedido efetuado para análise dos autos fora da secretaria, o prazo para requerer a abertura de instrução.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 25 de novembro de 2015, rejeitou o recurso interposto, por ter concluído que o mesmo se mostrava manifestamente improcedente.

Recorreu então o arguido para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), indicando como “norma cuja constitucionalidade se pretende que o tribunal aprecie a do artigo 89.º n.º 4, conjugada com as normas do artigo 86.º n.ºs 1, 4 e 5, todos do Código de Processo Penal, no entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, segundo o qual em lado nenhum a lei determina a obrigatoriedade de conceder ao arguido ou ao assistente a confiança do processo para o consultar fora do Tribunal. Tal entendimento é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da legalidade e da publicidade do processo penal, bem como das garantias de defesa, consagradas nos artigos 32.º n.º 1, 203.º e 205.º da Constituição da Republica Portuguesa.

O Recorrente apresentou alegações, concluindo da seguinte forma:

«A - A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie é a do artigo 89.º n.º 4, conjugada com as normas do artigo 86.º n.ºs 1, 4 e 5, todos do Código de processo penal, no entendimento que foi dado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa “Em lado nenhum a lei determina a obrigatoriedade de conceder ao arguido ou ao assistente a confiança do processo para o consultar fora do Tribunal. A lei fala apenas em consulta e não em confiança ou consulta fora das instalações do Tribunal.” Defendemos que este entendimento é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da legalidade e da publicidade do processo penal, bem como das garantias de defesa, consagradas nos artigos 32.º n.º 1, 203.º e 205.º da Constituição da Republica Portuguesa e foi exatamente este entendimento inconstitucional, que negou à defesa a consulta dos autos fora da secretaria, o que se impunha face à lei em vigor.

B - Na sequência da notificação da Douta acusação deduzida, a mandatária do arguido, ora recorrente, após consulta dos autos perante a secção, na qual verificou, entre outros, a existência de inúmera documentação junta aos presentes pela alegada ofendida e que constituem, no seu entender, prova proibida, requereu o exame gratuito dos autos fora da secretaria por um período de três dias, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 89.º do Código de Processo Penal, através de requerimento, de fls..., que entregou na secretaria a 14 de abril de 2015 (como melhor consta dos autos), requereu a consulta dos autos, fora da secretaria.

C - Nesta sequência foi o arguido notificado, na pessoa da sua mandatária, do Douto Despacho proferido pelo Digníssimo Senhor Magistrado titular do inquérito com a ref.ª 334238309, no qual se pode ler: “Fls. 202: Segundo Diretrizes hierárquicas, a consulta dos autos fora da secretaria apenas pode ser efetuada através da disponibilização de cópias dos autos.

Assim, por razões de agilidade e otimização dos recursos, deverá a requerente indicar previamente quais as folhas que pretende consultar, a fim da secretaria poder extrair as respetivas cópias.

Desde já se autoriza a requerente a consultar os autos na secretaria.

Notifique por via expedita.”

D - Uma vez que lhe foi negado o exame gratuito dos autos fora da secretaria, encontrando-se a decorrer prazo para requerer a abertura de instrução, fase processual esta que o arguido não prescinde, a mandatária, suscitou a intervenção do superior hierárquico da Digníssima Senhora Procuradora titular do inquérito, o que fez através de requerimento que submeteu por via email, tendo entregue no dia subsequente o original na secretaria, conforme melhor consta dos autos, sendo o ter do mesmo o seguinte:

«Na sequência da notificação da dou ta acusação deduzida, a ora signatária, após consulta dos autos perante a secção, requereu o exame gratuito dos autos fora da secretaria, o que fez ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 89.º do Código de Processo Penal, através de requerimento de fls..., que entregou na secretaria a 14 de abril de 2015.

2.º

Tendo recebido no seu domicílio profissional a notificação retro referenciada, a qual contém despacho do Digníssimo Senhor Magistrado titular do inquérito do seguinte teor: “Fls. 202: Segundo Diretrizes hierárquicas, a consulta dos autos fora da secretaria apenas pode ser efetuada através da disponibilização de cópias dos autos.

Assim, por razões de agilidade e otimização dos recursos, deverá a requerente indicar previamente quais as folhas que pretende consultar, a fim da secretaria poder extrair as respetivas cópias.

Desde já se autoriza a requerente a consultar os autos na secretaria.

Notifique por via expedita.”

3.º

Salvo melhor entendimento, ao arguido e ao seu advogado, que exerce os direitos que a lei reconhece àquele, assiste o direito de examinar gratuitamente os autos fora da secretaria.

4.º

O que a advogada requereu a 14 de abril de 2015 foi o exame gratuito dos autos fora da secretaria, com isso pretendendo a confiança do processo para, no recato e com a serenidade próprias do seu escritório, nele examinar integralmente os autos de inquérito.

5.º

O Despacho da Digníssima Senhora Magistrada titular do inquérito indefere tal pretensão à advogada.

6.º

Não se mostrando, para tanto, devidamente fundamentado, nos termos conjugados dos números 3 e 5 do artigo 97.º do Código de Processo Penal.

7.º

Existe despacho da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, com o número 03/08 de 03.01.2008, que fornece orientações de operacionalização do disposto no n.º 4 do artigo 89.º do Código de Processo Penal.

8.º

Tal despacho da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa determina que o exame dos autos fora da secretaria só deve ser permitido com base em cópia certificada.

9.º

No entanto, do despacho que demanda a intervenção hierárquica de V. Exa., emerge deferida a consulta dos autos na secção e a entrega de cópias, eventualmente, requeridas,

10.º

Não sendo, nem tendo sido essa a pretensão formulada pela advogada,

11.º

Não sendo esse o espírito do n.º 4 do artigo 89.º do Código de Processo Penal,

12.º

Nem parecendo ser esse o desígnio do despacho n.º 03/08 de 03.01.2008 da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa.

13.º

Assim, e sem perder do horizonte que o prazo para requerer, querendo, a abertura de instrução se encontra a decorrer,

14.º

E que o presente incidente está já a prejudicar a faculdade de abertura da fase instrutória, por se não permitir à advogada examinar gratuitamente os autos fora da secretaria, sem que tal decisão se mostre devidamente fundamentada,

15.º

Face ao exposto, se requer a V. Excelência se digne mandar substituir o despacho proferido, porque irregular em razão da falta de fundamentação de que padece,

16.º

Por...

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