Acórdão nº 9/16.2GBBRG-E.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução16 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.

Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

Por decisão proferida pelo Juiz de Instrução Criminal que presidiu ao interrogatório de arguidos no inquérito 9/16.2GBBRG, foi aplicada a vários arguidos, entre os quais o recorrente R. J., a medida de coação prisão preventiva, nos termos dos artigos 191, nº 1, 192, nºs 1, 2 e 3 a contrario sensu, 194 e 202, nº 1 alínea a) e c) por referência ao artigo 1º m) e 204º, alínea c) todos do Código de Processo Penal ( CPP).

Inconformado recorreu o arguido concluindo do seguinte modo ( transcrição) : I.

Em 18/06/2019, o recorrente foi presente ao Tribunal de Instrução Criminal de Braga, o qual em sede de primeiro interrogatório judicial, decretou a sua prisão preventiva, enquanto sujeito da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º/1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22/01, por referênca à Tabela Anexa I-A e I-B na redacção dada pela Lei 18/2009, de 11 de Maio, punível com a pena de prisão de 4 a 12 anos e que ainda se encontra fortemente indiciado pela prática de um crime de detenção de arma proibida (artigo 86º/1-d), com referência aos artigos 3º/2-e) e i), 2º/1-an) e av) da Lei 5/2006, de 23/02.

II.

No entanto, o douto despacho, ora recorrido carece de fundamentos, concretos e ajustados ao caso em concerto, que levou o Tribunal a quo aplicar a medida de coacção – Prisão preventiva, ao recorrente.

III.

Acontece que, o despacho não identifica/não individualiza/não concretiza quais os factos que imputa ao arguido.

IV.

Isto porque, a investigação está numa fase em que os elementos constantes do mesmo se encontram em plena fase de investigação e esclarecimento dos indícios, porventura, encontrados.

V.

Embora inserido na fase processual do inquérito − na titularidade do Ministério Público − o interrogatório judicial de arguido detido é um acto jurisdicional que tem funções eminentemente garantísticas e não de investigação ou de recolha de prova.

VI.

Nesta perspectiva, surge como crucial a comunicação ao arguido dos factos que lhe são imputados, quer aquando do interrogatório, quer, depois, no despacho de indiciação e de aplicação das medidas de coacção.

VII.

Da mesma forma, disposições paralelas existem na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que, no seu artigo 5º/2 e 4, respectivamente, estipulam que “qualquer pessoa presa deve ser informada, no mais breve prazo e em língua que compreenda, das razões da sua prisão e de qualquer acusação formulada contra ela”, e que “qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal”.

VIII.

“O direito de saber porque se foi detido é indubitavelmente um dos direitos primordiais do indivíduo”, pois “saber que não se pode ser detido sem conhecer as respectivas razões é a primeira condição da segurança pessoal, é o teste de que se vive numa sociedade democrática e num verdadeiro Estado de Direito”.

IX.

NA COMUNICAÇÃO DOS FACTOS, NÃO SE PODE PARTIR DA PRESUNÇÃO DA CULPABILIDADE DO ARGUIDO, MAS ANTES DA PRESUNÇÃO DA SUA INOCÊNCIA, ARTIGO 32º/2 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.

X.

Assim, o critério orientador nesta matéria deve ser o seguinte: a comunicação dos factos deve ser feita com a concretização necessária a que um inocente possa ficar ciente dos comportamentos materiais que lhe são imputados e da sua relevância jurídico-criminal, por forma a que lhe seja dada “oportunidade de defesa”, artigo 28º/1 da Constituição.

XI.

O douto despacho remete apenas aos factos constantes do requerimento do MP, não determinando de maneira concreta quais os fatos que o arguido/recorrente praticou que consubstanciam na prática do crime.

XII.

Há apenas suposições de maneira fantasiosa e exagerada por parte deste tribunal, como a título exempleficativo: “Aliás, muitos dos contactos são realizados sem a verbalização sequer de qualquer código, porquanto o receptor (quando é o arguido) já sabe o que o emissor (quendo é o consumidor) quer: produto estupefaciente, seja compra seja venda. Basta um toque ou anunciar a presença.” XIII.

Um toque no telemóvel ou anunciar a presença é “forte indício” de que há a prática do crime? Qual foi o arguido que teve tal comportamento? XIV.

Tal suposição/conclusão do tribunal a quo parece-nos altamente fantasiada e improvável.

XV.

Porém, o despacho recorrido não refere frontalmente (e diga-se nem lateralmente), quais factos que o arguido/recorrente cometeu para que lhe seja aplicada a medida de coacção, aliás não enceta sequer uma tese para que o arguido tenha cometido os crimes indiciados, com a qualificação descrita.

Assim, XVI.

O despacho, ora recorrido, violou frontalmente o disposto na alínea a) do nº 6 do artigo 194º do C.P.P., pois imputa factos genéricos a uma generalidade de arguidos, não individualiza quais os factos o arguido/recorrente cometeu (nem quando, nem como), o que torna até este recurso uma lide temerária e veiculada por suposições.

XVII.

No caso concreto, não se verificam os pressupostos da prisão preventiva.

XVIII. A prisão preventiva, aplicada ao recorrente, assentou no perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.

XIX.

Para o efeito foi invocado, como factos relevantes apenas a determinação dos arguidos, o conhecimento do meios por parte dos arguidos ser enorme, os rendimentos proporcionados pela actividade de venda ser extremamente aliciante e que só não trabalha quem não procura efectivamente ou quem entende que o salário que o mercado oferece é insuficiente para a satisfação das suas expectativas e necessidades criadas em função delas.

XX.

O perigo de continuação da atividade criminosa não se encontra devidamente justificado no despacho, uma vez que não se conhecem ao arguido hábitos ou sinais de riqueza ou elevados rendimentos.

XXI.

In casu, não foram mencionados factos susceptíveis de permitir a aplicação de medida tão gravosa ao recorrente, tendo a mesma assentado apenas em meros juízos abstractos, não concretizados em factos, tal como exige o art. 204.º, do CPP.

XXII. Por conseguinte, o despachou violou alínea d), nº 6 do artigo 194º, que diz respeito à “referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193º e 204º”.

XXIII. Acresce que, XXIV. A aplicação das medidas de coacção, com excepção do TIR, depende, inegavelmente, dos requisitos ou condições gerais, enumerados na alínea a), b) e c) do nº 204º do C.P.P.

XXV. Um dos princípios basilares de um Estado de Direito é o princípio da liberdade do cidadão, o qual está, no nosso ordenamento jurídico, consagrado no art. 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (de ora em diante CRP).

XXVI. A aplicação da prisão preventiva está sujeita não só às condições gerais contidas nos arts. 191º a 195º, do Código de Processo Penal, em que avultam os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, como aos requisitos gerais previstos no art. 204º e aos específicos consagrados no art. 202º. Cfr. o Ac. da RP, de 16.11.2011 in www.dgsi.pt (Proc. n.º 828/10.3JAPRT-D.P1).

XXVII. Como se lê no art. 191.º, n.º 1, do CPP, “a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei”.

XXVIII. Por outro lado, o art. 193.º, n.º 1, do CPP, prevê que “as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas”.

XXIX. Neste contexto, a aplicação das medidas de coacção, maxime da prisão preventiva, pautando-se pelo princípio constitucional da presunção de inocência, deve respeitar os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade.

XXX. A prisão preventiva, enquanto medida de coacção de natureza excepcional e de aplicação subsidiária, só pode ser determinada quando as outras medidas se revelem inadequadas ou insuficientes, devendo ser dada prioridade a outras menos gravosas por ordem crescente (cfr., conjugadamente, o art. 28.º, n.° 2, da CRP e o art. 193.°, nºs 2 e 3, do CPP).

XXXI. O princípio da proporcionalidade das medidas de coacção significa que a medida a aplicar deve ser proporcionada à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada ao arguido em razão da prática do crime, devendo para tanto atender-se a todas as circunstâncias que em geral devem ser consideradas para a determinação da pena.

XXXII. A medida de coacção deve ser idónea para satisfazer as necessidades cautelares do caso; será adequada, se com a sua aplicação se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o é se o dificulta ou não tem absolutamente nenhuma eficácia para a realização das exigências cautelares.

XXXIII. Ora, sucede que os perigos invocados pelo tribunal a quo, aqui em causa, “deve ser real e iminente, não meramente hipotético, virtual ou longínquo, e resultar da ponderação de factores vários, como sejam toda a factualidade conhecida no processo e a sua gravidade, bem como quaisquer outros, como a idade, saúde, situação económica, profissional e civil do arguido, bem como a sua inserção no contexto social e familiar”. Ac. da RC, de 19.01.2011 in www.dgsi.pt (Proc. n.º 2221/10.9PBAVR-A.C1).

XXXIV. Na verdade, a ausência de antecedentes criminais, a sua plena inserção social e familiar e a reduzida gravidade da conduta criminal indiciada, permite, indesmentivelmente, afirmar que estamos perante uma...

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