Acórdão nº 226/03 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 2003

Data29 Abril 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 226/2003

Processo n.º 673/02

  1. Secção

Relator: Cons. Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

l. Relatório

A., B., C. e D., L.da, interpuseram, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.° 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de Junho de 2002, que negou provimento ao recurso por eles interposto do despacho do juiz do 2.º Juízo Criminal de Coimbra, de 17 de Outubro de 2000, que indeferira requerimento no qual os ora recorrentes peticionaram que se declarasse extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra eles instaurado por prática de crime de frustração de créditos fiscais, previsto e punido pelo artigo 25.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro (doravante designado por RJIFNA).

Os recorrentes apresentaram alegações, no termo das quais formularam as seguintes conclusões:

“a) Os arguidos vêm acusados de haver praticado um crime de frustração de créditos fiscais previsto e punido pelo artigo 25.°, n.° 1, do RJIFNA (Decreto-Lei n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro).

b) A tal crime, a existir, em concreto é aplicável, tão-só, a pena de multa.

c) A alínea d) do artigo 118.°, n.° 1, do Código Penal prevê para a prescrição dos mesmos a que seja aplicável pena de prisão cujo limite máximo seja inferior a 1 ano e aos restantes, o decurso do prazo de dois anos, a que acresce, no máximo, metade, no total de 4 anos (sic).

d) Por seu turno, o artigo 15.° do RJIFNA prevê para a prescrição dos crimes fiscais o decurso do prazo de 5 anos – ou seja, o prazo que o Código Penal prescreve para os crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo seja igual ou superior a 1 ano, mas inferior a 5 anos.

e) Donde, salvo erro e o devido respeito, o artigo 15.° do RJIFNA não se pode aplicar aos crimes fiscais cuja pena seja inferior a 1 ano no seu limite máximo, e nunca por nunca ser aos apenas puníveis com pena de multa.

f) E isto, desde logo, porque o Decreto-Lei n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro (RJIFNA) só foi publicado no Diário da República, II Série, n.° 12, logo para além dos 90 dias concedidos ao Governo pela autorização legislativa.

g) Donde, é ineficaz, juridicamente.

h) Com efeito, os decretos-leis só são obrigatórios depois de publicados no jornal oficial (artigos 5.° do Código Civil e 119.°, n.° 1, alínea a), do CPP (sic)).

i) E a falta de publicação dos actos previstos na alínea c) do n.° 1 do artigo 119.° do CPP (sic) implica a sua ineficácia jurídica (Acórdão do Tribunal Constitucional, no Diário da República, de 8 de Novembro de 1994).

j) Sendo juridicamente ineficaz, o RJIFNA é inconstitucional formalmente, inconstitucionalidade que se argui para todos os devidos e legais efeitos (ex vi artigo 119.°, n.° 2, da CRP e do n.° 3 do artigo 3.° do citado diploma).

k) Mesmo que assim se não entenda – por cautela –, o n.° 1 do artigo 15.° não é de aplicar aos crimes a que seja aplicável apenas a pena da multa.

l) Na verdade, na matéria de procedimento criminal aplica-se ao arguido o regime (regime, que não a lei) mais favorável ao arguido.

m) E, se bem que todos os cidadãos estão no mesmo pé de igualdade perante o artigo 15.° do RJIFNA, o certo é que o regime do artigo 118.°, n.° 1, alínea d), do Código Penal é o mais favorável – para quem cometeu crime cuja prescrição é de dois anos.

n) Na verdade, o n.° 4 do artigo 29.° e o artigo 204.° do CPP (sic) impõem aos Tribunais a aplicação da Constituição e dos princípios nela consagrados.

o) E, não se compreenderia que sendo a aplicação, in casu, da alínea d) do n.° 1 do artigo 118.° do Código Penal mais favorável aos arguidos do que o n.° 1 do artigo 15.° do RJIFNA, se aplicasse ao caso vertente este que não aquele.

p) Pelo que o artigo 15.°, n.° 1, do RJIFNA tenha de ser considerado inconstitucional se aplicado aos crimes fiscais puníveis com pena de prisão com o limite máximo inferior a um ano, por violação do principio do regime mais favorável ao arguido e por colocar o cidadão enquanto passível de crime especial (fiscal) em posição de desigualdade face ao mesmo ou a outro cidadão passível de um crime comum.

q) Donde, o despacho recorrido violou, salvo o douto respeito e melhor e douta opinião, os ínsitos contidos nos artigos 119.°, n.° 1, alínea c), n.° 2, § 3.°, 29.°, n.° 4, 204.º do CPP (sic), entre outros.

Pelo que deve ser considerado legalmente inconstitucional (ineficaz) o RJIFNA ou materialmente inconstitucional o seu artigo 15.°, n.° 1, na medida em que se entenda aplicável aos crimes fiscais passíveis de punição inferior a um ano de limite máximo, aplicando-se-lhe neste caso o disposto no artigo 117.°, n.° a (sic), alínea d); 118.° b° 1 (sic); 119.° e 120.° do Código Penal de 1982 (diploma vigente à data da prática dos factos).”

O representante do Ministério Público neste Tribunal Constitucional contra-alegou, concluindo:

“1 – O momento para verificar se uma autorização legislativa foi usada em tempo é o da aprovação em Conselho de Ministros, pelo que relativamente ao Decreto-Lei n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro, não ocorre a caducidade da autorização concedida, uma vez que tal facto ocorreu dentro do prazo de 90 dias, que a Assembleia da República através da Lei n.° 89/89, de 11 de Setembro, tinha estipulado para o efeito.

2 – Não está vedada ao legislador estabelecer, para determinadas categorias de infracções, um regime especial, designadamente em sede de prescrição do procedimento criminal, decretando um prazo mais longo de extinção do mesmo, em cortejo com o da lei geral, como ocorre com a norma do artigo 15.°, n.° l, do RJIFNA, já que tal não configura medida arbitrária ou excessiva.

3 – Termos em que, na inexistência de violação de normas ou princípios constitucionais, deverá improceder o presente recurso.”

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Fundamentação

Resulta das alegações dos recorrentes que são duas as questões de constitucionalidade por eles suscitadas no presente recurso: (i) a questão da ineficácia do Decreto-Lei n.º 20-A/90 por ter sido publicado para além do prazo de 90 dias concedido pela respectiva lei de autorização legislativa; e (ii) a questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 15.°, n.º 1, desse diploma (“O procedimento criminal por crime fiscal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos”), por violação do princípio da igualdade.

Não cabe obviamente no âmbito do recurso de constitucionalidade a apreciação da correcção do entendimento das instâncias quando decidiram, ao nível da interpretação e aplicação do direito ordinário, que ao caso era aplicável o referido artigo 15.º, n.º 1, do RJIFNA, e não o artigo 118.º do Código Penal, por não estar em causa o problema de determinação de qual o mais favorável de dois regimes penais que se tivessem sucedido no tempo, mas antes o problema de prevalência de um regime especial sobre o regime geral.

2.1. Quanto à questão do cumprimento do prazo da autorização legislativa, constata-se que o Decreto-Lei n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro, constitui um diploma legislativo emitido pelo Governo no uso da correspondente autorização legislativa concedida pela Lei n.° 89/89, de 11 de Setembro, tendo sido aprovado em...

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